Por Raphael Pinheiro*

Talvez você nunca tenha sonhado em ser uma celebridade de internet. Ou talvez sim. A sociedade digital hoje mede, tal qual a sociedade real, o valor das coisas por sua quantidade, não por sua qualidade. Para muitos de nós, é melhor ter um milhão de seguidores a três bons amigos de verdade. E qual será o preço que pagamos por isso?

Respondo, num fôlego só, sem dar a você tempo para pensar: pode ser muito caro! Afinal, não é de causar mais espanto em ninguém que a internet escancarou as portas das nossas vidas. O conceito de público e privado parece ter se fundido em uma única vertente, como se todas as pessoas comuns fossem midiáticas e precisassem da exposição dos holofotes como as plantas precisam de luz. Os likes são a nossa fotossíntese e a internet, o sol que pode nos alimentar ou nos matar. Só depende do tamanho da exposição. Então, vale a máxima: use sempre filtro solar!

Confesso que já fui atraído, como uma mosca, para o brilho magnético que a internet projeta. E, por isso, ouso dizer por experiência que aquela luz intensa é meramente superficial e, ainda assim, acaba por queimar de forma profunda o âmago dos nossos seres. Mal comparando, tornamo-nos mosquitos presos em uma armadilha campestre.

Como um vício, nós nos alimentamos de curtidas. E a cada like, nosso corpo pede mais e mais. Logo, somos inseridos num ciclo de retroalimentação em que saboreamos nossas curtidas e as regurgitamos para aproveitar ainda mais aquele êxtase – num primeiro momento – e posteriormente um insípido prazer. Trocamos likes com desconhecidos como trocamos gás carbônico por oxigênio. A verdadeira fotossíntese perde a sua primazia.

Entenda, não é errado querer que as pessoas saibam o que pensamos, o que sentimos e o que fazemos. Um dos princípios de uma sociedade é sermos sociais. A civilização como conhecemos e moldamos ao longo dos séculos, de certa forma, depende disso. A questão que procuro sempre levantar é a do alcance. Para quem estamos nos abrindo?

Se estamos na internet, estamos nos expondo para todos; para quem queremos e também para quem não queremos. Uma publicação pode rapidamente sair do nosso círculo de amigos e tomar proporções públicas catastróficas. Enganam-se aqueles que crêem que existe real privacidade e pretensa proteção pelo anonimato digital.

Fazendo um rápido paralelo sobre as questões de privacidade, recentemente a imprensa internacional vem noticiando alguns casos sobre a tecnologia Airtags da Apple que merecem destaque e, claro, a geração de uma discussão ampla, seguida de uma revisão mais completa da segurança da tecnologia.

Esses pequenos gadgets foram concebidos originalmente para auxiliar com uma demanda justa de encontrarmos objetos perdidos. Esse “chaveiro digital” é capaz de fornecer com uma precisão menor que meio metro a sua localização. Por isso, seria um apetrecho tecnológico extremamente útil para localizar coisas que perdemos com facilidade, como chaves, óculos, estojos e pequenos outros objetos. Mas e se algum infeliz tivesse a ideia de começar a usar a mesma tecnologia para rastrear pessoas?

Lamentavelmente, isso é uma realidade, segundo apontam reportagens amplamente difundidas pela CNN, The Guardian, Daily Mail e BBC.

Mulheres americanas de diversos estados acionaram a polícia após perceberem que estavam sendo monitoradas em tempo real por estranhos. Provavelmente, “recebiam” contra sua vontade uma Airtag, que por suas dimensões diminutas, era facilmente ocultada dentro de uma bolsa ou acoplada na parte inferior de veículos.

A partir daí, as vítimas eram constantemente monitoradas à distância. O seu perseguidor (ou perseguidora) conseguia descobrir facilmente o seu endereço residencial, onde trabalhava, quais eram os seus locais favoritos e, assim, traçar todo um perfil logístico da pessoa “investigada”. E, obviamente, conseguimos conjecturar quais as intenções que esses algozes teriam.

Essas mulheres – como também poderiam ser homens, por que não? – são vítimas. Isso é fato e ninguém discute. Contudo, é sempre bom pensarmos: há algo que podemos fazer para evitarmos esse tipo de perigo?

Por ora, penso que no que tange ao uso das Airtags, precisaremos que os especialistas da Apple tenham o bom senso em encontrar limites para a ferramenta, já que até o momento se restringiram a criar um pequeno – e insuficiente – guia de segurança.

É possível que a ação da companhia seja mais para tentar mitigar os danos à sua imagem do que as ameaças e riscos reais aos usuários. Contudo, quando se trata de autoexposição, há sim algumas coisas que podemos fazer. Não se trata de criar uma visão de culpa para a vítima de um perseguidor, mas apenas demonstrar precauções úteis que não farão mal nenhum, pelo contrário.

Uma das primeiras sugestões de segurança que dou quando indagado é a de não preencher completamente as perguntas que são colocadas no seu perfil de redes sociais (ou como eu gosto de dizer: “não alimente os stalkers” – nomenclatura dada para definir aqueles que coletam informações e perseguem digitalmente outras pessoas).

Talvez seja válido você indicar para todos que o encontrarem que você tem um relacionamento sério. Isso é ótimo. Inclusive poderá servir como barreira de constragimentos desnecessários. Porém não vejo como mandatório vincular o nome do cônjuge e marcar todos os seus filhos e demais parentescos. Isso facilita – e muito – a ocorrência de crimes digitais que usam engenharia social, mas isso será tema de outra coluna.

O seu trabalho, o seu restaurante favorito, os shoppings que frequenta (e quando frequenta), tudo isso pode ser usado para chegarem até você. E não é exagero.

Tomemos o exemplo das celebridades. Muitas já possuem o hábito de postarem suas viagens ou idas a restaurantes e outros lugares públicos apenas quando já não estão mais lá. Isso as protege de serem incomodadas por fãs que eventualmente poderiam não respeitar o seu momento privado quanto de serem perseguidas em tempo real por algum outro mais perigoso. John Lennon teve sua vida ceifada por um de seus admiradores. Então, que tal pensarmos duas vezes antes de fazermos um check-in e postarmos na internet?

Além disso, termos um cuidado maior com o que postamos não é nada demais. É um esforço simples que incorporado às nossas rotinas digitais fará a diferença. É como possuirmos uma espécie de apólice de seguro que torcemos para nunca ser usada.

Por último, não devemos nos esquecer de que nossos cuidados também se estendem àqueles que queremos bem. Aquela foto linda com os filhos numa manhã de outono receberia muitas curtidas. Mas será que vale a pena postar e deixar o uniforme das crianças à mostra? Rapidamente seria possível para uma pessoa mal intencionada obter informações sensíveis sobre elas.

Mesmo correndo o risco de ser enfadonho, novamente, ressalto que não é culpa da vítima ser perseguida. Você ter sua vida exposta ou violada só porque gosta de ser social e quer compartilhar com pessoas próximas as suas alegrias não deveria ser considerado por ninguém um erro. E não é. Porém, infelizmente – pelo menos por ora – nem tudo é perfeito e o que produzimos na internet pode ter um alcance inimaginável. E pior: causando cicatrizes virtualmente indeléveis.

Eu não aconselho ninguém a seguir meus passos e ser um pseudoermitão digital. Mas faça um favor a si mesmo (e a quem você gosta) e sempre pense duas vezes se o seu post pode deixar você um pouco mais vulnerável. Afinal, como o título sugere, ter seguidores é bom, mas perseguidores…


* Raphael Pinheiro é pós-graduado em Marketing Digital e profissional com mais de duas décadas de experiência na área de tecnologia. Atualmente, é editor-chefe do Portal da Academia Brasileira de Letras, uma das maiores e mais importantes instituições culturais do país.