DIA DA MULHER

Por Luciana Boiteux (@lucianaboiteux) e Maria Bertoche (@mariabertoche)*

 

Desde as mobilizações para o golpe contra a presidenta Dilma, vemos, no Brasil, um escancarar da misoginia – o ódio às mulheres. Do adesivo de carro aludindo ao estupro, até o deputado do “não te estupro porque você não merece” chegar a presidente, foram muitos ataques. Durante a eleição, nos mobilizamos em um grande “ele não” que reuniu quase metade do país, mas não conseguiu barrar os interesses do patriarcado capitalista – interesses que alimentam a violência contra nós, mulheres, e tantas outras.

Na última semana tivemos o veto presidencial à distribuição de absorventes higiênicos para pessoas de baixa renda, e ao mesmo tempo a absolvição por falta de provas no processo por estupro do empresário André Camargo Aranha. O primeiro caso mostra mais uma vez que as mulheres pobres e negras são as mais duramente violentadas pelas condições materiais e pelo Estado que deveria lhes dar suporte.

O segundo evidencia o problema da denúncia que faz com que apenas um a cada dez casos de estupro sejam denunciados, e choca pelo tratamento que o sistema de justiça deu à vítima Mariana Ferrer. Esses dois casos são o símbolo de uma violência sistemática e persistente, que nos fere e usurpa nossa dignidade.

Durante a pandemia, a ONU Mulheres alertou para o aumento da violência contra as mulheres e para a dificuldade de denúncia em razão do isolamento social. O Alto-Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) chamou atenção para o caso das mulheres refugiadas, com o aumento da violência contra elas em 90% de suas missões.

Tivemos, ainda, no Brasil, uma redução na pandemia dos já precários serviços de aborto legal e denunciamos o absurdo da negação da interrupção da gravidez da menina de 10 anos estuprada pelo tio no Espírito Santo, tendo ela sido transferida para Recife para poder realizar o procedimento. Aborto legal é um direito nos casos de estupro, em especial quando a vítima é menor de 14 anos, quando se trata de estupro de vulnerável. Maternidade obrigatória na infância é tortura.

Pesquisa da Confederação Nacional de Municípios revela aumento no registro da violência contra mulheres durante a pandemia em um quinto dos municípios pesquisados. Os números já eram altos: a pesquisa Visível e Invisível, encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e realizada pelo Datafolha, revela que em 2021, assim como em 2019, que cerca de um quarto das mulheres sofreu algum tipo de agressão. Cerca de 40% das mulheres sofreu algum tipo de assédio nos doze meses anteriores à pesquisa.

De 2019 para 2021, o aumento dos casos de feminicídio indica que talvez a diminuição no registro de lesões corporais seja não uma diminuição da violência, mas um efeito da dificuldade de denúncia, em razão do isolamento e da proximidade com o agressor.

No estado do Rio de Janeiro, o último Dossiê Mulher produzido pelo Instituto de Segurança Pública data de 2019, com dados referentes a 2018. Nestes dossiês e pesquisas, ainda não há dados sobre violência obstétrica, um dos lugares de vulnerabilidade da mulher e de forte intervenção do patriarcado, que no Brasil ainda nega às mulheres, em especial as pobres e negras, o direito à saúde reprodutiva, obrigando as mulheres a parir contra a sua vontade e dificultando o acesso até mesmo à interrupção legal da gravidez.

No geral, o aumento nas denúncias pode indicar tanto que a violência aumentou quanto que nós estamos encontrando caminhos de amparo legal. Sua diminuição pode indicar que a violência diminuiu ou que nós estamos nos calando. É necessário fazer pesquisas qualitativas e interdisciplinares, com acompanhamento real das políticas públicas, para poder ter a real dimensão do problema e condições de combatê-lo.

No governo miliciano e neoliberal de Bolsonaro e Paulo Guedes, temos cada vez menos dados, menos acompanhamento e menos políticas públicas, como mostra o veto à oferta gratuita de absorvente. A vida material das pessoas, com comida, renda, emprego, moradia, educação e saúde, vem piorando a passos largos, e a divisão do trabalho faz com que as maiores penalizadas sejamos nós, as mulheres, mas especialmente as mulheres negras, as mulheres trans, as mais pobres e as mulheres com deficiência. 

Com o avanço das políticas neoliberais, a precarização do trabalho e a péssima condução da pandemia, a demanda de cuidado aumenta. Dentro de casa, nos hospitais e nas escolas, o cuidado é exercido majoritariamente por nós mulheres, e nós estamos exaustas. A violência doméstica e a institucional, a perpetrada por nossos conhecidos, por desconhecidos ou pelo Estado, nunca é gratuita.

O bolsonarismo evidencia como essa violência é um instrumento para reforçar os papéis de gênero, de hierarquia e exploração. A delimitação do “ser mulher” ao que o patriarcado espera de nós, forçando nosso trabalho e nosso silêncio, tentando nos manter submissas e ainda criminalizando o aborto, o que consideramos mais uma violência de Estado contra as mulheres e pessoas que gestam.

Ao mesmo tempo, o feminismo e a luta das mulheres têm se espalhado. Cada vez mais meninas e adolescentes têm referências feministas antirracistas e classistas de luta; temos cada vez mais mulheres na política, em especial mulheres negras, embora ainda em número insuficiente e muitas delas eleitas por partidos de direita. Mesmo assim, os poucos mandatos combativos e feministas eleitos têm feito a diferença na política e avançado na defesa das mulheres e pessoas LGBTQIA+, a internet vem sendo uma grande aliada na criação de redes, na disseminação de informações e na introdução das pessoas nas nossas pautas e nas necessárias denúncias e ações virtuais de protesto diante da violação de nossos direitos.

Em alusão ao último 10 de outubro, Dia Nacional de Luta Contra a Violência à Mulher, proponho que para avançar na pauta precisamos dar um passo além.**

Não basta reconhecer a potência inegável, porém abstrata, desse grupo que mantém o mundo funcionando (crianças nascendo, doentes sendo cuidados, pessoas alimentadas e educadas). É preciso reconhecer que isso tudo é trabalho, e que é a exploração desse trabalho que produz a concentração de riqueza e aumenta a desigualdade.

Não é a independência de cada mulher individualmente que vai nos libertar e cessar a violência, mas o contrário: é só uma luta radicalmente socialista, que identifique a exploração e a combata, que pode construir um mundo em que nós mulheres, assim como todas as pessoas, tenhamos condições dignas de existência, em que o cuidado seja distribuído socialmente, em que todos tenham casa, comida, educação, saúde, segurança e dignidade. No contexto da pandemia, temos que acrescentar ainda a demanda por vacina e a luta urgente pelo fim do racismo, da desigualdade que afeta as mulheres negras em especial e de todos os tipos de violências contra mulheres que se agravam no último período.

É pela vida das mulheres, é pelo fim do racismo, do patriarcado e da exploração e pela superação do capitalismo!

* Luciana Boiteux é Advogada Feminista. Professora Associada de Direito Penal e Criminologia da FND/UFRJ. 1a. Suplente de vereadora pelo PSOL/RJ; e Maria Bertoche é professora de Filosofia da rede estadual do RJ, mestra em Ciências Sociais e presidenta do PSOL em Teresópolis.

**Esse texto foi originalmente publicado originalmente em https://catarinas.info/a-luta-contra-a-violencia-a-mulher-em-tempos-bolsonaristas/ em função do Dia Nacional de Luta Contra a Violência à Mulher.

Assista ao clipe com a música “Não ao Feminicídio”

Feliz dia da Mulher!!!

Não ao Feminicídio!

Ficha Técnica

Guilherme Maia:
Letra e Música

Álan Magalhães:
Música e voz

Alcir Passos:
Violão e arranjo de cordas

Edmilson Galdino:
Técnico de gravação, mixagem, masterização, flauta, violão de 7 cordas

Bimbinho do Quintal:
Pandeiro, Tantan, Chocalho e Tamborim.

Maguila do Quintal:
Cavaquinho

Felipe Boletta:
Cuíca

Gravado no Estúdio ESG
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Tel. (21)2741-0997.
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