OPINIÃO

Por Sérgio Mesquita

 

Começo inspirado em Giussepe de Lampedusa, nascido no final do século XIX, que em seu romance “Il Gattopardo, nos brinda como uma das melhores frases que define bem o sistema capitalista: “Algo deve mudar para que tudo continue como está”. A frase define bem como funciona o sistema ao longo de seus 400 anos.

O sistema que vem se “atualizando” ao logo de sua existência, sempre se renovando, porém, sem resolver suas incoerências. Continua moldando costumes, mexendo culturas, alterando Leis, morais e éticas. Práticas que ao longo dos anos desestruturaram países, negando a necessidade humana da vida em sociedade, cooperativa e solidária. Incentiva o egoísmo e o individualismo entre as pessoas – situação que permitiu sua sobrevivência até os dias de hoje. Sobrevivência que, quando colocada em xeque, utiliza-se de subterfúgios, como bem colocou John Adams, vice-presidente de George Washington em seu primeiro governo nos EUA (1797-1801): “Existem duas maneiras de conquistar e escravizar uma nação. Uma é pela espada, a outra é pela dívida”. Táticas utilizadas até tempos recentes, e ainda presentes, que se somam a atual forma de dominação, a “Guerra Híbrida”. Modismo por que passaram os países árabes, a Ucrânia, o BREXIT na Grã-Bretanha, a eleição do Trump nos EUA e, recente, em nossa vida Tupiniquim, o golpe de 2012, sua continuação em 2016, a prisão do Lula e a eleição do Bolsonaro. O Capitalismo intervindo diretamente nos resultados eleitorais destes e outros países – o “Soft Power”.

O modelo de produção do sistema, para sobreviver, depende de alguns processos que impactam diretamente no comportamento da sociedade:

  • Deterioração programada: data de existência curta e não especificada; 
  • Obsolescência Programada: tem sempre uma nova versão com um botãozinho a mais; 
  • Consumismo Exacerbado: consequência direta dos pontos acima; 
  • Depredação Ambiental: o consumismo e a poluição ambiental pelos gases e a química despejada nas águas e solos, além do lixo eletrônico (sucatas); 
  • Sociedade Adoentada: pelo estresse, consumo de venenos agrícolas, da manipulação genética e química dos alimentos, dos remédios psicotrópicos e da frase: “tempo é dinheiro”, entre outros.

Para se garantir os pontos acima, o sistema também precisa manter a Economia definindo a Política, e não o contrário, que seria o lógico, a Política definindo a Economia. Para tanto faz-se necessário:

  • “Des-Constitucionalização”: Alterar a Constituição desregulamentando ao máximo suas Leis, inclusive a Independência entre os Poderes da União; 
  • Des-Democratização: O sistema não combina com a Democracia, que atrapalha diretamente na questão apontada no item (1); A população deve seguir os ditames do modelo econômico, a questão social é negligenciada; 
  • “Ecocídio”: Desregulamentação das Leis que tratam da proteção ambiental, na busca de total liberdade no agir e depredar o ambiente e comunidades originárias; 
  • Todos os bens são de Consumo: Precificação dos bens públicos, chuva; aquíferos, lagos, rios, praias, lazer público, tudo passa a ter preço, inclusive, como previsto no filme de Mel Brooks, “SOS Tem um Louco Solto no Espaço”, o ar passa a ser vendido em lata, vira uma “commodity”.

Pelas razões colocadas acima e outras, a frase de Giussepe cai como uma luva ao definir as “mudanças” no sistema capitalista – hoje “financeiro”, e em possível mudança para o “capitalismo de vigilância”: Algo deve mudar para que tudo continue como está”. No frigir dos ovos, continua sendo Capitalismo. É por isso, que precisamos hoje discutir que algo deve mudar, para que nada continue como está.

A partir dos nove pontos acima, podemos concluir que o Modelo de Produção Capitalista é o que dita as regras hoje. É ele que influencia no comportamento da sociedade, apontando, ou melhor, vendendo o que ele diz ser bonito, ser melhor. As horas que devem acontecer o jogo de futebol, de maneira a não atrapalhar a venda de publicidade – lembram da Copa do México (1986), com jogos marcados a partir das 12h? Quando o Maradona foi reclamar,  a FIFA fez com que se calasse. A margarina é melhor que a manteiga,  o óleo de soja é melhor que o azeite, o tomar vitamina C, monoculturas em detrimento da produção diversificada de alimentos, e muitos outros exemplos de impactos diretos em nossos comportamentos.

Não satisfeito, o modelo de produção Capitalista também influencia diretamente o modelo de produção do Conhecimento. É ele quem quer acabar com o ensino público nas três áreas (Fundamental, Médio e Superior). Influencia diretamente nos Currículos, no acesso à escola ou mesmo (já que vivemos em tempos de Idade Média, Terra Plana), acabar com as escolas (que atendem a Classe Trabalhadora), e regulamentar o estudo em casa, via tutoria (nem Margaret Thatcher pensou isso). Ciência e Pesquisa são vistas como coisas de bruxarias e, como tais, devem queimar na fogueira. Trocando em miúdos, temos a tríplice hélice (universidade, indústria e governo), que define como pensarmos e o que aprender, para manter alimentado o atual modelo de produção capitalista. 

Esse Modelo passou a ser questionado por cientistas e pesquisadores, em especial por aqueles ligados às Universidades Públicas e Instituições de Pesquisas. Passam a perceber seus cursos e pesquisas, a partir de uma visão de mundo mais abrangente, de modo integrado e não separado, como acontece hoje – “cada um em seu quadrado”, para manter o atual modelo funcionando. Universidades já avançaram como a UFERJ, que criou o Núcleo Interdisciplinar para o Desenvolvimento Social onde os alunos das ditas Ciências não Humanas (Exatas) passam a desenvolver trabalhos com um pé nas Ciências não Exatas (brincadeira do Prof.  Dr. Renato Dagnino, da UNICAMP – como coloco, “tudo junto e misturado”). Uma série de Universidades Públicas, como a Santa Maria-RS, do Paraná, Pará e outras começam a trabalhar e discutir internamente suas grades curriculares e seus modelos de produção do conhecimento. A Universidade de Campinas, este ano, realizou uma série de Seminários com o título “Como Implantar a Tecnociência Solidária à Política de Inovação da UNICAMP”, do qual tive o prazer de assistir (e ser influenciado), e encontra-se disponível na Internet.

Um novo Modelo de Produção do Conhecimento, que impacte no Modelo de Produção de Bens e Equipamentos, que dê a devida atenção ao Ambiente, e exaustivamente debatido com a Sociedade Civil, pode salvar o nosso futuro, enquanto humanidade. Que nos leve a transformar a Tríplice Hélice em uma Hélice Quíntupla (Sociedade, Ambiente, Universidade, Governo e Indústria). Talvez assim, possamos ter um mundo, onde nossa preocupação possa passar a ser em como gastar nosso dinheiro, em nosso tempo livre. Keynes pensou este mundo em 1930, para dali a 100 anos (2030). Como já perdemos uns 85 anos que trabalhemos  para o mais breve possível.

Há Braços 

Sérgio Mesquita

“Transformar em imperdoável o que hoje é aceitável”

Délcio Teobaldo