ENTREVISTA

Por Sabine Mendes

 

Entrevistamos Márcio Sno, desenvolvedor do projeto, para entender um pouco mais sobre o formato, suas origens e processo de criação

 

Você conhece o Encostinho? Talvez, já tenha encontrado o “diabinho gente boa”, criado em 2016, em algum evento literário pelo Brasil afora. Ou, talvez, tenha se surpreendido lendo Como Usar Corretamente Essa Orelha, nanozine-manual em forma de brinco. Seja como for, esses são apenas dois exemplos da infinita criatividade de Márcio Sno, zineiro, pesquisador e educador paulista, quando o assunto são as abordagens temáticas e os formatos de publicação.

Recentemente, Márcio começou a apresentar sua vasta produção — que inclui mais de 60 títulos em microzines, diversas oficinas e produtos audiovisuais — sob a marca MSP e lançou o projeto Zine Alheio. A proposta é apoiar autores interessados em produzir microzines. Segundo ele, pensar esses formatos é uma maneira de dar sentido ao impresso, reinventar sua razão de ser. O resto você descobre na entrevista a seguir.

PRESENZA: Márcio, conta para a gente como surgiu a ideia de trabalhar com microzines?

MÁRCIO: Em 2011, quando eu lançava o documentário Fanzineiros do Século Passado, no I Ugra Zine Fest, conheci pessoalmente a Fernanda Meireles, uma importante figura da cultura cearense. Entre outras coisas, ela levou o microzine A film with me in it, pelo qual me apaixonei de imediato. Fiquei um bom tempo perguntando sobre o processo de construção e ela nunca se lembrava. Quatro anos depois, resolvi, literalmente, desmontar o microzine. Entendi o mecanismo e passei a produzir! A partir daí, a maior parte de minha produção seguiu esse formato: já lancei algo em torno de 60 títulos diferentes.

PRESSENZA: E o que veio primeiro: a produção dos microzines ou a Márcio Sno Produções? Que tipo de atividades essa marca engloba?

MÁRCIO: O nome “Márcio Sno Produções” (MSP) é mais recente, mas as atividades que a MSP engloba acontecem desde 1993. Já cheguei a responder como Do It Myself, mas ficar explicando que essa marca era eu me encheu um pouco, então decidi usar meu próprio nome para já ir direto ao assunto! Atuo em várias frentes: quem conhece uma delas, acha que faço só aquilo. Muito me conhecem só pelos zines, outros só pelo Encostinho, mas minha atuação vai muito além que isso. Tenho um material considerável de pesquisa sobre zines em livros e documentários. Coordeno oficinas de zines, brinquedos de papel e quadrinhos. Também produzo conteúdo audiovisual, estilo tutorial e stopmotion. Além disso, sou ilustrador e brinco de construir coisas variadas. Então, estou sempre aberto para novas e audaciosas experiências.

PRESSENZA: Como você descreveria o impacto de formatos alternativos no mercado independente de publicações? Qual tem sido a reação de autores e leitores a esses produtos?

MÁRCIO: O zine te dá possibilidades de formatos e temáticas ilimitados. Pode tudo. Claro, com muito bom senso. Então, dia após dia, aparecem formatos mais variados de publicações. Eu mesmo, desde 2015, venho criando formatos e tamanhos fora do padrão. Penso em formatos diferenciados justamente para o impresso fazer sentido. Quando publico um zine A5, chapado, ele pode ser lido da mesma fora como arquivo pdf no computador, em um tablet ou no celular. A partir do momento em que você faz uma publicação que exige o dobrar e desdobrar, o simples movimento de abertura faz subirem coisas do papel. Você sente a textura, o cheiro, e esse tipo de sensação só pode ser viabilizada caso a pessoa tenha o material em mãos. Então, passei a pensar esses formatos para dar sentido ao impresso, à sua razão de ser, diferenciá-lo do digital. Claro que tudo isso causa um efeito grande nos leitores, que ficam encantados com essa possibilidade. Vejo como as pessoas se portam quando se deparam com minhas publicações: sempre tem uma reação diferente e isso prova a veracidade da minha teoria. Outros autores costumam observar esses formatos com um misto de espanto e encantamento. Acham que é difícil e tal. Não é. Gostaria que mais pessoas investissem em formatos semelhantes aos que faço. Não sou detentor deles e quero que mais e mais zines diferentes circulem!

PRESSENZA: Já que o lance é inspirar, conta para a gente, então, um pouco sobre seu processo como autor: há temáticas ou modos de fazer que se destaquem no dia a dia da criação?

MÁRCIO: Costumo dizer que “tudo que eu toco, vira zine”. Tudo que me cerca me inspira de alguma forma, positiva ou negativamente. Um “oi” pra vizinha, uma atitude de minha cachorrinha, uma fala que escuto no trem, uma situação que observo, uma notícia, uma música, um poema… Enfim, muita coisa me inspira e cada processo de criação é diferente do outro. Talvez o que sempre se repita que vou escrevendo frases num caderninho e, depois, passo a pensar no roteiro e na organização das ideias. Por conta de minha alta produção em microzines, geralmente as ideias vêm nesse formato, ou seja, em frases curtas e com possibilidades de ilustrações simples e objetivas.

PRESSENZA: Você tem desenvolvido parcerias interessantes com outros autores, como no caso do microzine odafarmácia, do poeta Anderson Pereira (Campo Limpo Paulista/SP). Pode nos contar um pouco mais sobre esse trabalho e sobre a série Zine Alheio?

MÁRCIO: O Anderson, tempos atrás, adquiriu um monte de materiais meus e, mais recentemente, me procurou com a proposta de eu editar um zine para ele. Amo editar, mas nunca tinha passado por uma experiência parecida. Topei para sentir como é. Durante o processo, me veio essa ideia para a série Zine Alheio: lançar microzines de outros autores como forma de estimular que mais gente publique. Quem não tem muita habilidade com o formato, já pode contar comigo para viabilizar o seu projeto. Ou seja, estou disponível para ajudar quem tiver interesse em lançar microzines e, caso o projeto converse com a linha editorial com a qual me identifico, a gente faz uma parceria. A proposta é que esse título entre para o catálogo da MSP. O autor recebe 20 cópias do microzine e ofereço cópias adicionais a “preço de fábrica”. Trabalhar com Anderson foi bem legal, pois ele nunca tinha passado por uma experiência de autopublicação. Então, meu papel de editor veio com uma responsabilidade maior. Tinha de dar meus “pitacos” sem tirar a originalidade dos textos, além de lidar com a ansiedade dele. Cada “oi” no WhatsApp era uma mudança que ele estava propondo! Mas o resultado de odafarmácia foi bem acima do que esperávamos. Tenho um baita orgulho de colocá-lo pra circular.

PRESSENZA: Pensando em futuro, o que a MSP ainda não fez, mas adoraria fazer?

MÁRCIO: Ah, muita coisa ainda… Tem projetos que eu quero retomar também e não consigo, por falta de tempo e inspiração. Gosto de fazer tudo no momento certo, quando estou muito inspirado e as coisas fluem naturalmente. Não suporto fazer nada forçado. Se faço, nunca sai da forma que eu gostaria. Quero receber inspirações do além para iniciar minha série em stopmotion. Já tenho uma boa estrutura, mas as ideias ainda não chegaram de forma interessante. Queria muito fazer um podcast, trocando ideias com amigos de variadas áreas, sobre assuntos pouco convencionais. Tipo, conversar com o vocalista de uma banda, mas falar sobre filhos, viagens e cachorros. Sem nenhuma expectativa de que isso virar algo maior. Assim como todos os meus projetos, quero apenas fazer. Se virar, maravilha; se não, tudo bem também.

PRESSENZA: Que recado você gostaria de deixar para autores interessados em produzir microzines e outros formatos inovadores, mas ainda não sabem como começar?

MÁRCIO: Simples: comecem. Não tenham medo, não achem que estão fazendo algo absurdo ou algo que já exista. Façam. O que vai definir se o seu projeto é relevante é como você vai desenvolver o conteúdo. Logo, de nada adianta um formato super diferenciado, cheio de dobras, cortes, etc., se o conteúdo não trouxer nenhum tipo de sensação ou reflexão para quem lê. Faça seu experimento, mostre para pessoas próximas e perceba a reação delas. Se algo mexeu com elas, você está no caminho certo. Não tenha medo de experimentar, de errar. Isso faz parte e torna a coisa mais orgânica, mais humana.

Para mais sobre os projetos da MSP, acesse: https://linktr.ee/marciosno e siga o Márcio no Instagram