Não é novidade que, há anos, grupos progressistas vêm reivindicando a regulação da mídia no Brasil, sem sucesso, inclusive mesmo o país estando governado por grupo dito progressista, como o Partido dos Trabalhadores (PT) de Lula da Silva e Dilma Rousseff. Mas, agora, parece que o ex-presidente petista resolveu compreender (talvez tardiamente) a necessidade de democratizar a comunicação; e tem insistido em falar sobre a regulação do setor, o que tem desencadeado a fúria dos barões da mídia.

Como sabemos, meios de comunicação hegemônicos se encontram concentrados nas mãos de grupos privilegiados que não têm interesse em trabalhar a informação de modo plural. No Brasil e na América Latina em geral a mídia hegemônica realiza um trabalho quase que pastoral no sentido de que a chamada “opinião pública” seja construída para satisfazer aos interesses dos grupos de poder.

Sem circulação plural de vozes

Em entrevista ao canal Russia TV (RTV), em 2018, no programa conduzido pelo ex-presidente do Equador Rafael Correa, o linguista, filósofo e ativista político estadunidense Noam Chomsky afirmou que o controle das grandes potências não se dá mais pelo aparato bélico, mas pelas corporações. Conforme Chomsky, o que antes ocorria por conta do controle das armas, agora fica a cargo das grandes corporações, entre elas as midiáticas. Logo, não devemos nos esquecer que os meios de comunicação desempenham papel fundamental nas sociedades contemporâneas, sobretudo a partir da criação de consensos (opinião pública), muitos dos quais, na contramão dos interesses da maioria.

De acordo com o professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB. Venício Lima, em seu “Política de comunicações: um balanço dos governos Lula (2003-2010)”, nos governos do petista não houve praticamente qualquer alteração na configuração do quadro de concentração da propriedade dos meios de comunicação no Brasil.

Mas não foi por falta de pressão, ou de apelo de grupos engajados na luta pela democratização da comunicação no país. Já em 2003, na gestão de Miro Teixeira como ministro das Comunicações, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) encabeçou uma crítica à falta de ação do governo em relação às outorgas e permissões relacionadas às rádios comunitárias no país. O ministro engavetou mais de 4 mil pedidos de outorga, como fizeram seus antecessores liberais.

Em 2007, o FNDC e o Coletivo Intervozes criaram a Frente Nacional por um Sistema Democrático de Rádio e TV Digital, uma organização com 117 entidades em todo o país que aprovou uma carta aberta ao governo Lula e ao Povo Brasileiro, na qual chamava a atenção do presidente para o pedido de socorro das empresas privadas de comunicação do país, através de financiamento pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES). Estava transparente naquela carta a preocupação das entidades com o tratamento que o governo dito de esquerda estava dando aos grandes conglomerados de mídia do país, dificultam a circulação plural de vozes.

Apoio às empresas do setor

Bruno Marinoni, no texto “Concentração dos meios de comunicação de massa e o desafio da democratização da mídia no Brasil”, afirma que entre 2003 e 2014 os governos petitstas injetaram R$ 6,24 bilhões na Rede Globo, R$ 2 bilhões na Record e R$ 1,6 bilhões no SBT. E que em 2013 os recursos gastos com a TV Globo chegaram a quase dobrar quando comparados com os últimos anos do governo de Fernando Henrique Cardoso. Outro dado importante é que, em 2002, a Globo ficou com 52% de tudo que foi gasto com TV pelo governo federal. Apesar apesar de que no final do primeiro mandato de Dilma Rousseff, em 2014, esse total tenha sido reduzido para 36%, o montante ainda é muito alto. Mas, segundo Marinoni, o auge dessa política concentradora se deu no primeiro ano do governo Lula, quando esse número chegou a 59%.

Além disso, para quem não está lembrando, em 2005 Lula colocou como ministro das Comunicação Hélio Costa, um jornalista e político com fortes ligações com a Globo; e que também tinha interesses no setor de mídia, pois era co-proprietário da Rádio Sucesso FM, na cidade mineira de Barbacena (ele vendeu sua participação quando assumiu o cargo no governo).

Como vemos, apesar das oportunidades de propor regulação para o setor das comunicações no Brasil, quando esteve no poder o Partido dos Trabalhadores (PT) fez exatamete o que todos os que estiveram no poder fizeram: apoiou as grandes empresas do setor, ignorou as reivindicações dos grupos que buscam democratizar a comunicação no país e, com isso, corroborou, inclusive, com as manobras que culminaram no impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, e a própria prisão de Lula, em 2018.

Agora, buscando voltar ao poder, Lula e seu partido reabrem a discussão sobre a regulação da mídia no país. E os ultraliberais, com quem eles têm conversado sobre possíveis alianças contra Bolsonaro, não estão gostando nem um pouco. E considerando o cenário no qual estamos, seria muito difícil que, eleito novamente presidente da República (e agora ainda mais coligado com grupos liberais), Lula consiga tocar nessa questão. O PT perdeu o timing.