Comentário: Embora a publicação desta nota tenha sido atrasada involuntariamente, é importante fazê-la porque ela se refere ao início da última crise entre os governos do Marrocos e da Espanha, e este é um assunto sobre o qual nossos leitores podem ter poucas informações. Obviamente, o conflito é muito sério, pois afeta milhares de migrantes, continua em desenvolvimento e, por esse motivo, continuamos a noticiá-lo.

 

Na madrugada do dia 17 de maio, dezenas de marroquinos começaram a entrar em Ceuta (Espanha), totalizando quase 8.000 pessoas. Chegaram a nado, ultrapassando os diques de Tarajal e de Benzú – pontos onde termina a cerca construída pelo governo espanhol para impedir a entrada de migrantes e que faz parte da Fronteira Sul da União Europeia. Os migrantes chegaram à Espanha fugindo da grave situação econômica que vivem no seu país e tiveram o incentivo e apoio dos militares marroquinos presentes na zona, como pôde ser notado e depois confirmado pelos próprios migrantes.

Com isso, gerou-se uma crise entre o governo marroquino e o espanhol, na qual as maiores vítimas foram os próprios migrantes. Mais da metade voltou ao Marrocos de maneira voluntária e muitos outros foram expulsos imediatamente, aumentando assim as chamadas “devoluções quentes”. E não podemos esquecer o jovem que morreu ao tentar chegar ao território espanhol e aqueles que hoje estão hospitalizados.

Parece que, mais uma vez, o Marrocos continua a chantagear a União Europeia, enquanto esta organização e a comunidade internacional fecham os olhos diante da violação sistemática dos direitos humanos no seu vizinho do sul. Um sinal de que alcançou seus objetivos é que, ao escrever esta nota, o país impediu a entrada na Espanha de outros 100 migrantes que tentavam entrar.

O que aconteceu naquela semana resultou da ameaça do governo marroquino, depois que Brahim Ghali, presidente da República Árabe Saaraui Democrática e secretário geral da Frente Polisario, tenha sido transferido para um hospital em Logroño (Espanha) “por razões humanitárias” devido ao seu estado de saúde.

No entanto, essa postura não é nova. Ela se repete de vez em quando e desde os últimos meses de 2020, e é evidente a facilidade com que saem os barcos do Saara Ocidental para as Ilhas Canárias. Com isto, o governo marroquino pretende negociar melhores condições econômicas com os seus parceiros do Norte e, atualmente, o apoio da União Europeia à sua posição no conflito do Saara Ocidental.

Até o momento, o Saara Ocidental é considerado pela ONU e pela maior parte da comunidade internacional como a última colônia da África e território ocupado pelo Marrocos (Marcha Verde. 1975). Enquanto isso, aguarda um referendo que foi acordado mas que nunca aconteceu, e que tanto as Nações Unidas quanto os responsáveis que conduziriam essa consulta popular não se preocupam em realizar, e que possibilitaria ao povo Saaraui escolher o seu futuro, incluindo a Espanha.

A Espanha continua a ter uma grande responsabilidade neste assunto, já que abandonou o seu dever histórico por ter sido uma metrópole, e pelo fato de que entregou a última de suas colônias a seu amigo do sul, o Marrocos. Na verdade, houve um acordo entre o então rei da Espanha, Juan Carlos I, e o pai do atual rei marroquino, Hassan II. Hoje, a população saaraui continua a lembrar que foi e continua a ser a 53ª província espanhola, já que nunca teve acesso à independência.

Por outro lado, a situação tem sido complicada para os saarauis, visto que em dezembro de 2020 – já em plena luta armada – Donald Trump, numa das suas últimas decisões internacionais, reconheceu o Marrocos como a melhor opção para governar o Saara Ocidental em troca de fazer o mesmo com Israel em relação à Palestina. E Joe Biden não reverteu essa decisão. Depois deles, quatro ou cinco outros países reconheceram tal status e o governo marroquino continua a pressionar para que a União Africana faça o mesmo.

Voltando à crise migratória que existe entre a União Europeia e o Marrocos, as cercas de Ceuta e Melilla – duas cidades espanholas autônomas localizadas em território africano – representam formalmente a Fronteira Sul da UE. Mas, na prática, é mais correto dizer que tal fronteira é móvel e muito mais ampla, pois o Marrocos tem cumprido o papel de ser o guardião da Europa nesta zona, não permitindo que os migrantes cheguem às cercas, e que aqueles que consigam chegar sejam fustigados pelo exército marroquino. Em troca, a Europa faz concessões ao governo alauíta.

Neste momento, especialmente no norte de Marrocos, a situação é de tensão. Várias dezenas de milhares de pessoas (e com elas, suas famílias) não têm como sobreviver, pois dependem economicamente da passagem diária às cidades espanholas para comprar e transportar produtos em troca de um pequeno salário. Com o Covid-19, o Marrocos fechou o caminho. Em contrapartida, o nível de desemprego na área disparou.

Além disso, crescem protestos silenciados com violência em diferentes áreas do país e, com eles, os presos políticos, embora, no momento, o maior conflito que o Governo marroquino enfrenta seja o conflito armado nos territórios ocupados do Saara Ocidental, para o qual procura apoio na União Europeia. Um conflito desencadeado em 14 de novembro de 2020, quando o Marrocos executou um ataque na passagem da fronteira de Guerguerat contra manifestantes pacíficos, o que levou à Frente Polisário a declarar guerra ao Marrocos.

Diante de toda esta situação, o que fazem a Espanha e o resto da União Europeia e da Comunidade Internacional é olhar para o outro lado, sem querer se comprometer com os Direitos Humanos e os acordos assinados.


Traduzido do espanhol por Aline Arana / Revisado por Graça Pinheiro