Ele voltou andando, no dia mais frio do ano, a mente em branco, sem conseguir encaixar os últimos
acontecimentos em parte alguma. Quando chegou no banheiro, ela jogou as roupas no chão e se deparou
com uma imagem no espelho. Os olhos acesos, brilhantes como a luz do fogo de agora a pouco,
escancarados como os de uma presa em fuga. A face, geralmente tão pálida, tinha recebido um tom
rosado vibrante. A boca estava um vermelho escuro. Transfigurada, uma obra de arte de tão linda, mas
magoada até os ossos. O motivo sempre tinha sido amor. Ele, que não tinha nada mais o que fazer ali,
resolveu aparecer depois de tempos para tirar satisfação de palavras jogadas ao vento, do que tinha ficado
sabendo. Ela não queria dar satisfação e nem tirar. Qual era o motivo agora? Aquele desejo desenfreado e
totalmente fora de contexto, quando ela acreditava já ter superado qualquer sentimento. Não teria
problema, a não ser por um detalhe: a condição sempre tinha sido o carinho. Se entregar assim, sem
aquele elo dourado que um dia foi o amor dos dois, parecia errado. Ele não pôde aguentar com as
insinuações dela, tudo era muito familiar e era mais fácil e até mais prazeroso, simplesmente ceder. E eles
cederam aos próprios desejos, porque havia receio demais em ceder novamente um ao outro, mas ela não
conteve os suspiros e, no meio da confusão, não sabia dizer se era só sua imaginação ou ele realmente a
tinha chamado de “amor”, como sempre fez. E dessa recaída, a bem dizer, de comum acordo, a
madrugada avançou num piscar de olhos. Quando o fogo apagou, ficou o escuro, o vazio, o receio e a
saudade.