Dividir para dominar. Estratégia que intitula o livro do historiador holandês de Henk Wesseling – “Dividir para dominar: a partilha da África – 1880-1914”. A estratégia mantém-se viva, bem adaptada e reproduzindo-se – muitas vezes em campos autoproclamados progressistas.

Neste sábado, 29/05, quando a sociedade brasileira humilhada, esbagaçada, fragilizada, vulnerável como nunca antes – quase morta –, arranja forças e se organiza, de pronto surge um discurso de que ir pra rua é se igualar ao que faz o fascismo. Ou seja, é promover a morte.

Não! Não é a mesma coisa. Nunca foi. Nunca será! Nem forçando a barra para ver o que não existe de fato. Afirmar isso é má fé. E uma bela ajuda ao fascismo, que teme mesmo é povo de rua.

 

Autonomia sempre

Esse discurso de que “se formos para a rua, seremos como os fascistas” pode ser ingênuo, mas é eficiente em diluir a justa indignação que se organiza. A essa altura da pandemia, esse discurso não conscientiza ninguém a se proteger mais ou menos. Fale sério!

A questão é que, ao julgar e definir o que outras pessoas devem ou não fazer, (re)produz-se a opressão contra a qual se luta. Para o fascista, o povo é sempre incapaz, semi-humano, gado. Por isso, deve ser controlado, tutelado, governado. Qualquer semelhança com práticas “progressistas” – seja em famílias, escolas, empresas, igrejas, universidades, partidos – não é mera coincidência.

Cada uma, cada um com a vida em risco sabe melhor que ninguém o que tem a fazer e como pode fazer nesse momento.

 

Convergir nas diferenças

Conversei esta semana com um amigo de São Paulo. Um companheiro de escrituras e reflexões – sobretudo em tempos de pandemia.

Fisioterapeuta, ele não vai comparecer às ruas no sábado. “Eu estou no hospital. Todo dia recupero gente com sequelas graves de Covid-19. Não consigo convidar ninguém pra rua nesse momento”.

Solidarizo-me com ele. Respeito em máximo grau a decisão. Particularmente, fujo de história pessoais, nomes, famílias, traumas, dores. Pra não sofrer demais, busco proteção em estatísticas, conceitos e teorias. São minhas barricadas nessa luta. Escolhas que profissionais da Saúde nem sempre têm.

Diariamente, meu amigo fisioterapeuta atua, com a dor de quem deve reaprender a respirar, falar, comer, andar – viver.

Ainda que eu imagine com a máxima empatia, não vivencio isso. Das minhas barricadas-privilégios, vejo o terrorismo do estado, gerando dor, humilhação, doença, fome e mortes. Muitas mortes. Firmes no rumo de um milhão. Sem nada que as pare até o momento.

O que fazer contra esse estado de coisas? Esperar por resultados da CPI? Pra quando? Ou esperar por soluções eleitorais pra 2023?

 

“Ação já!”

Nesse passo, vejo uma multidão prestes a ocupar leitos e túmulos. Milhares ou milhões necessitando de fisioterapia daqui a dias, meses, anos. E essa visão me joga à rua, com as palavras de Ricardo Magón na cabeça: “Rebeldia é vida. Submissão é morte”.

Caso você não possa comparecer às manifestações neste sábado, 29 de maio, apoie e respeite as pessoas presentes. Manifeste-se de casa, da varanda, da janela; na esquina, na calçada, na praça, no campinho, nas redes sociais. Nem que seja em pensamento – naqueles territórios onde “viver” é manter silêncio.

Assim, em algum nível, nesse M29, estaremos conectadxs, em diferentes lugares, de diferentes formas. Mas na mesma vibração, na mesma energia, na mesma resistência.

Porque somos isso – diferenças na mesma luta, contra o fascismo. Então, manifeste-se. Da sua forma. De onde for. Como puder, na sua dor. No seu luto.

Mas rebele-se pela vida! hoje e sempre.