CRÔNICA

 

 

Por Marco Dacosta

 

 

O navegante espanhol Ponce de Léon buscava a fonte da juventude na costa da atual Flórida, mas nada encontrou além da revolta dos índios Calusa, que habitavam o litoral há mais de mil anos. Antes dele, piratas invadiram aldeias de colonos e atacavam navios espanhóis. 

Foi em uma tarde de verão que pela primeira vez vi o farol de Sanibel, pequena ilha próxima ao litoral do sudoeste da Flórida, banhada pelo golfo do México. Santuário de animais e plantas, refúgio de aves e pessoas. A rua que corta a cidade tem nome de flor – periwinkle – e não há postes de luz para que os pássaros nos incomodem. É como estar numa vila hippie ao norte da Califórnia, com clima tropical e cercado de praias sem turistas. Pela vida sustentável parece ser a menos americana das cidades do país, com imensos depósitos de conchas coloridas e de formados engraçados.

A vida passa tranquilamente para a maioria dos moradores que optaram pela simplicidade de um trailer park – o único enclave que não é formado por mansões e condomínios. Entre canais e lagos frequentados por pequenos jacarés e emas cor de rosa ficam as pequenas e simples casas sobre rodas e jardins com estátuas de duendes e bandeiras americanas. Pensionistas militares, artistas, viajantes e aposentados se reúnem no mardi gras em um desfile em que sexagenárias são coroadas como rainhas da festa. Um pequeno zoológico de aves dos trópicos traz a sensação de estar vivendo no Caribe ou em alguma ilha perdida no pacífico. A pequena livraria da família Macintosh, o armazém e mercado, a maioria dos negócios locais. “Island Cow” – a vaca sagrada da ilha é apenas um restaurante que vende pratos deliciosos e hambúrgueres devorados. Há também pequenas lojinhas de conchas e artefatos de pedras transparentes.

A ilha não decidiu ainda se separar do país – mas criou leis e preserva uma vida totalmente diferente ao continente – que fica a poucos quilômetros, separada por um pedágio e uma série de pontes e pequenas ilhas interligadas.  “Nós vencemos o McDonald’s”, diz uma faixa na casa de um morador orgulhoso durante a celebração anual da conquista.  É verdade. Nos anos 70 a poderosa rede de fast food tentou abrir um restaurante na ilha. Comprou um terreno e anunciou a chegada, mas moradores se mobilizaram e conseguiram passar uma legislação que impede a abertura de restaurantes de redes nacionais, para proteção dos locais e familiares. A ideia mobilizou centenas de moradores e o resultado foi bem mais amplo, impedindo todas as outras cadeias de fast food de se instalarem na ilha. Não há nenhum lugar do mundo que tenha realizado algo similar. Moradores também insistem em ruas sem asfalto, iluminação noturna e todos equipamentos urbanos usados pela maioria das cidades. Em muitos lugares, nem há calçadas. 

A ilha pode deter as corporações, mas não a natureza. Os altos eucaliptos que foram transplantados da Austrália e que embelezavam as praias e seguiam lateralmente na principal artéria – a periwinkle – desapareceram durante o furacão Charley, em 2004.  Ainda me lembro dos ventos fortes e de ter ficado sem água e energia por semanas. Da pequena janela da casa de conhecidos na próxima Fort Myers, vi pedaços de árvores voando junto com telhados e plantas. Foi a minha primeira experiência com furacões, um fenômeno que faz parte daquela região, anualmente.  Charlie foi algo poderoso e inesperado, uma tragédia que marcou para sempre a vida de todos na ilha. Centenas de casas foram destruídas. Na onda da recuperação nos anos seguintes uma lição foi aprendida: jamais buscar vegetação que não seja natural da região. Os eucaliptos são naturais de lugares sem ventos fortes ou furacões, suas raízes são fracas e rasas. Ao contrário dos coqueiros, as altas árvores australianas não resistiram ao poderoso furacão. Nos anos seguintes muita vegetação nativa voltou a ser valorizada e hoje embeleza as avenidas e praias. 

No ponto extremo da ilha há um farol, que desde 1883 ilumina os barcos que cortam o golfo.  Há mais de cem anos famílias tinham uma ligação direta com Cuba – hoje um pequeno barco sai de Fort Myers diariamente em direção a Florida Keys, o ponto mais próximo de Havana.  Ponce de Leon, Barba Azul e tantos piratas passaram por ali em direção a uma pequena ilha ao norte chamada Captiva. Lá segundo a lenda – que inspirou o nome da praia – mantinham em cativeiro mulheres sequestradas. 

A fonte da juventude não está por lá.  Na verdade, Ponce não a encontrou. As águas mornas não nos fazem parar no tempo. De certa forma foram os moradores, que conseguiram inspiração nessa fonte imaginária para manter suas ruas e praias sem invasões de turistas predadores de seu meio ambiente. Os pássaros sobrevoam a ilha à noite sem nenhuma luz desorientado em seus trajetos. Os céus, ah os céus estão estrelados como na época dos piratas. Minha principal diversão a noite era desfilar meus olhos por tantas constelações. Eu olhava para o céu e via a mesma coisa que os piratas e Ponce de Léon viram – a fonte da juventude deve estar nessas pequenas coisas, quando preservamos a natureza para as futuras gerações.