Era 21 de março de 2020 quando o isolamento social começou para mim. No dia seguinte completei 37 anos e passei o primeiro aniversário da minha vida sem nenhum abraço. Estava em isolamento até mesmo dos que vivem em minha casa pois havia viajado de avião. Agora já estou prestes a completar mais um ano em isolamento. Quase um ano em que sobrevivo diante da ausência de muitos abraços, de beijos,  de trocas físicas de afeto. Diante da dor, a distância e as ausências. Uma das equações mais difíceis de enfrentar na vida. Hoje, a dor chegou um pouco mais perto. Uma pessoa próxima se foi após lutar muitos dias na UTI contra a agressividade da COVID. Partiu.

Ficamos.

Ficamos e é difícil perceber a dor nos olhos de quem amo. Ficamos e o que sinto é um profundo pesar. Sinto meu coração cada vez mais apertado. Ficamos e o medo ganha raízes ainda mais profundas. Sinto meu corpo em desequilíbrio. Uma vontade imensa de acordar desse pesadelo coletivo, misturada com uma falta de vontade  absoluta de sair da cama.  Mais um dia que Manaus agoniza sem oxigênio. Mortes. Mais um dia que os bares do Leblon ficam lotados. Mortes. Mais um dia em que as praias do Porto da Barra, em Salvador, seguem cheias de gente sem máscaras. Mortes.

Mais um dia em que o ministro chama de D, o dia que nunca chega. Mortes. Mais de 207 mil vidas que terminaram em território brasileiro. Vidas tombadas em função da doença. Em função do descaso. Da ganância. De Bolsonaro, não se importa. A morte é estratégia do projeto político em curso. Mais de mil mortes diárias. “Não posso fazer nada”, diz o tal presidente e ainda é aplaudido.

Ele pode fazer. Pode! Mas não quer. Não vai e brinca. Satiriza a dor que nos sufoca a respiração.

Não é só Manaus que agoniza. Todos os dias me falta oxigênio. Todos os dias pessoas morrem em busca de fôlego.  Todos os dias depressão, insônia, solidão e a luta por manter viva a esperança. Agonia. Não pretendo com esse texto acentuar a tristeza de quem já está triste, mas para lembrar que não estamos sozinhos e os abraços represados se acumulam  para serem dados quando a vacina chegar, quando recuperarmos o fôlego.

Não tenho inveja de quem agora aproveita as praias lotadas, de quem se aglomera em festas, ou arrisca vidas para satisfazer prazeres momentâneos. De quem vai a bares e expõe a vida de trabalhadoras e trabalhadores. De quem enche o peito para dizer que não vai tomar vacina ou se recusa a usar máscara de proteção. De quem apoia as insanidades de um presidente irresponsável. Sim, meu peito está dilacerado, mas hoje ao receber a notícia da partida do irmão de meu pai, eu só lembrava de Darcy Ribeiro, quando  ao avaliar a própria vida, disse:

Fracassei em tudo o que tentei na vida.
Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui.
Tentei salvar os índios, não consegui.
Tentei fazer uma universidade séria e fracassei.
Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei.
Mas os fracassos são minhas vitórias.
Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.

A dor é terrível. O pesar endurece a travessia, mas eu realmente detestaria estar no lugar de quem agora acha que venceu. Toda minha solidariedade aos que se despedem dos amores, dos afetos, de companheiras e companheiros de vida em função da pandemia. Que a gente jamais perca a capacidade de amar e de lutar pela vida. E que o Brasil se afaste dessa política que usa a morte como ferramenta de poder e promoção da miséria.