A internet está presente no cotidiano de grande parcela da sociedade, mas isso não significa que todas as pessoas estejam preparadas quando o assunto é a educação formal via remota. Os jovens estudantes das universidades públicas que o digam. A nova modalidade de ensino imposta pela Covid-19 tem apresentado muitas falhas, as quais, conforme esses jovens, poderiam ser minimizadas se tivesse havido diálogo e maior preparação.

Clara Amim Bonina, estudante de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) diz que a universidade pública precisa manter-se ativa, sobretudo pelo papel social que exerce. Ressalta que a instituição acertou ao retornar as atividades letivas, “até para não dar vazão à visão distorcida de que as instituições públicas de ensino não têm importância”. Outro fator positivo na opinião de Clara é a adaptação aos novos tempos, cujas dinâmicas exigem o trânsito pelo presencial e pelo virtual.

A futura arquiteta destaca a falta de diálogo como um dos pontos negativos. “O calendário nos foi imposto”, reclama. De acordo com ela, o próximo período na UFRJ está programado para acontecer entre os meses de novembro de 2020 a fevereiro de 2021, o que, para Clara, comprometrá o aproveiamento, já que “haverá muitos feriados em novembro e em dezembro e, na prática, haverá apenas três meses de aulas”.

Pedro Henrique Pereira, estudante de Artes da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) afirma que faltou um melhor planejamento. Salienta que, embora a instituição tenha buscado minimizar os prejuízos, princiapalmente para estudantes mais carentes – com equipamentos de acesso, ou com edital para ajuda visando a conectividade – , muita gente ficou de fora. “Para se ter uma ideia, o quadrimestre já acabou e o edital ainda está vigente”, observa.

Para Clara, outro ponto negativo diz respeito à falta de uma padronização que permita ao corpo discente ter maior tranquilidade na hora de lidar com as atividades e com a comunicação com os docentes. Ela, diz, no entanto, que a responsabilidade não deve ser colocada nos docentes, mas na gestão da univeridade, que deveria haver planejado melhor, treinado o corpo docente em uma plataforma única e não deixar à livre escolha, porque isso não ajuda a nós, estudantes”, reclama.

Emília Chiapetti, que estuda Cinema na Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB) afirma que a instituição recomendou algumas plataformas, como Google meet e Google Clasroom, mas deixou o corpo docente livre para escolher junto com o corpo discente. Para ela, que está cursando apenas uma matéria, compartilhada por duas professoras, “tem sido muito dinâmico, pois elas utilizam recursos variados. Mas tenho colegas que reclamam muito de outros docentes que apenas “ficam falando, falando…”, conta.

Conforme Ingrid Viana, estudante do Bacharelado Interdisciplinar em Saúde da Universidade Federal da Bahia (UFBA), sua intenção era não participar desse período excepcional. “Mas, como sou bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB), que exige do bolsista estar matriculado nesse semestre suplementar, estou cursando”, observa. De acordo com ela, “às vezes fica uma bagunça, pois muitas pessoas acabam falando ao mesmo tempo; ou a conexão da internet cai, entre outros empecilhos; mas espero que ao longo desse semestre todos possamos nos adaptar melhor para que essas aulas fluam de um modo mais promissor”.

Foto Tim Gouw/Unsplash

Para Emília Chiapetti “tudo foi muito confuso no começo, pois os professores estavam perdidos e os estudantes ficaram igualmente perdidos na hora da matrícula”. No entanto, ela diz que sua experiência tem sido positiva, porque serve para reaproximá-la dos colegas e dos docentes, “pois a quarentena requer que ocupemos nossas mentes”.

Estudante de Comunicação Social da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), em Ilhéus, Bahia, Fabrício dos Santos Gomes diz estar preocupado com o ensino remoto, pois considera “extremamente necessário estar em sets de gravação, em estúdios de som e de imagem, além de interagir com pessoas que estão no mercado”. Para ele, trocas de experiências e debates fazem parte de seu curso, “que exige presença física”. “Eu fiquei um pouco angustiada, pois, para mim, a realização de um semestre letivo suplementar não obrigatório traria vários problemas, entre eles as questões sociais, pois alguns estudantes têm mais privilégios do que outros, ressalta Ingrid Viana.

Despreparo docente

O estudante de Engenharia de Controle e Automação da Univeridade Federal de Lavras (UFLA), em Minas Gerais, João Amim Bonina diz que foi acertada a decisão de retomada das atividades letivas nas universidades. Relata que em relação a seu curso não houve um estranhamento generalizado com as atividades remotas. “Já estávamos, de certa forma, habituados ao ambiente virtual porque há muitas disciplinas que nos impõem a trabalhar com o computador, com certos programas, o que nos deu uma vantagem. Mas em outras, não”. Conforme João, “o docente precisa planejar a aula, adaptando-a à nova modalidade. “Não basta levar para a tela do computador o slide que usava no modo presencial”, avisa.

Ainda de acordo com o futuro engenheiro, falta também que alguns docentes se planejem melhor no tocante às cobranças. “Eu preciso saber quando serei cobrado, para me planejar, me organizar. Tem professor que possibilita isso; outros, não”. Pedro Henrique corrobora quando afirma que esperava uma melhor preparação do corpo docente. “A gente ficou sabendo que haveria curso para os professores se adequarem, mas não sei se existiu. O fato é que a gente não percebe”. O estudante de Artes salientou, no entanto, que a UFSB tentou fazer o mínimo, com disponiblização de equipamentos, a exemplo de computadores, embora, por vezes, estes estivessem com defeito.

João Bonina lamenta que “muitos estudantes ficarão em desvantagem, ficarão desligados das universidades e não terão as mesmas chances no mercado de trabalho”. E salienta que, mesmo quando as instituições fornecem internet e equipamentos, ainda permanece a exclusão daqueles que vivem em áreas onde não há conexão à rede, como Fabrício Gomes, que reside em zona rural e teme ser um desses exluídos devido ao fato de sua conexão de internet ser muito precária. “Eu fiquei contente com a volta às aulas, porque tanto tempo afastado dá até saudade. Mas estou preocupado com a questão do acesso a internet”.

Foto Brooke Cagle/Unsplash

É preciso mais humanidade

Já matriculado para o trimestre excepcional que iniciará no próximo dia 5 de outubro, Fabrício revela que sente medo de não conseguir resolver a questão do acesso à rede. “Ainda tenho dúvidas se conseguirei”. João Bonina, reiteira “a necessidade de encontrar uma maneira para incluir a todos”. Diz, ainda, que está decepcionado com a oferta de disciplinas referente a seu curso. “As aulas online possiblitam mudanças definidas em conjunto entre a turma e o professor, então, me pergunto por que não abrir mais possibilidades de horários? Para quem, como eu, está quase no final do curso, foi impossível a matrícula em matérias optativas, pois chocam com as obrigatórias”, reclama. De acordo com ele, “faltou imaginação na montagem da oferta das disciplinas”.

“Não é justo que nem todos possam participar. “Dizem que é voluntário. Mas penso que só é assim quando todo mundo que quer participar, pode paticipar. E não tem sido assim”, assinala Emília Chiapetti. Conforme a estudante, a UFRB buscou minimizar os ônus, providenciou chipe para viabilizar acesso a internet a quem não dispunha, mas, de acordo com ela, os beneficiários teriam que se deslocar para ter acesso ao material, o que foi impossível para muitos.

No Brasil da “PEC da morte” (Emenda Constitucional 96/2016)”, que congelou por vinte anos todos os gastos federais com base no Orçamento 2016, a pandemia só veio agravar ainda mais a situação.Os problemas relatados pelos jovens universitários, assim como tantos outros não revelados neste texto só mostram uma coisa: a Covid-19 expôs, ainda mais, as fragilidades da educação superior no país. Conforme o ANDES, entidade que representa em nível nacional os docentes universitários, o Ministério da Educação pretende cortar 18,2% do Orçamento de 2021, o equivalente a aproximadamente 1,4 bilhão de reais em comparação ao orçamento de 2020.

A reversão desse quadro não será fácil. Para Emília, “o maior desafio é tratar tudo com mais humanidade”. Ela defende diálogo da Universidade com todos os grupos envolvidos no processo. Fabrício, mais pragmático, aposta na chegada de uma vacina para que as atividades retornem à normalidade. Pedro Henrique pensa como Emília e acrescenta que as universidades precisam ser valorizadas pelo Estado, o que não tem ocorrido, “principalmente na atual conjuntura”. Ingrid Viana aponta o combate às desigualdades, enquanto João e Clara reafirmam a necessidade de valorização da função social das universidades públicas, bem como a luta contra o sucateamento, intensificado pelo governo atual.