Na sexta-feira, 23 de outubro, na Organização das Nações Unidas (ONU) e em um evento online organizado pelas Missões Permanentes da Áustria, Brasil, Costa Rica, Indonésia, Irlanda, México, Nova Zelândia, Nigéria, África do Sul e Tailândia, em colaboração com a Campanha Internacional para Abolição de Armas Nucleares, foi anunciado que a Jamaica e o Nauru ratificaram o Tratado sobre a Proibição das Armas Nucleares (TPAN), totalizando 49 países. Na sexta-feira à noite, Honduras também depositou os instrumentos de ratificação, atingindo assim um total de 50 países, desencadeando a entrada em vigor do tratado em 90 dias, no dia 22 de janeiro de 2021.

As implicações desse tratado são gigantescas, pois estabelece nas leis internacionais a proibição das armas mais destrutivas já inventadas. De acordo com os termos do tratado, será ilegal para os Estados-membros “desenvolver, testar, produzir, adquirir, possuir, estocar, usar ou ameaçar usar armas nucleares”. Além disso, o tratado também obriga os Estados-membros a prover assistência adequada para indivíduos afetados pelo uso ou teste de armas nucleares, assim como tomar medidas necessárias e apropriadas para recuperação ambiental, resultante de atividades relacionadas ao uso ou teste de armas nucleares.

Este novo documento de lei internacional preenche de forma eficiente uma lacuna que existia desde o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) de 1970. De acordo com os termos desse tratado, cinco países – EUA, Federação Russa, China, França e Reino Unido – foram reconhecidos como potências nucleares e todos os outros países foram pressionados a renunciar programas de arma nuclear em retorno da promessa de “usos pacíficos da energia nuclear”. Entretanto, o artigo VI do tratado diz:

“Cada Parte deste Tratado compromete-se a entabular, de boa-fé, negociações sobre medidas efetivas para a cessação em data próxima da corrida armamentista nuclear e para o desarmamento nuclear, e sobre um Tratado de desarmamento geral e completo, sob estrito e eficaz controle internacional.”

Desde então, militantes ao redor do mundo têm pressionado as potências nucleares a cumprirem suas promessas.

Enquanto isso, outras quatro nações (Índia, Paquistão, Israel), que nunca assinaram o TNP ou se retiraram dele (Coreia do Norte) começaram a desenvolver suas próprias armas nucleares, deixando o TNP em uma espécie de limbo perpétuo, em que os cinco países iniciais detentores de armas nucleares recusavam-se a sequer conversar sobre desarmamento antes das outras quatro se juntar ao TNP e desistirem de suas armas. Isso é algo que claramente nunca irá acontecer, considerando a atual geopolítica global com constantes tenções entre: Índia e Paquistão sobre o estado de Caxemira; Índia e China sobre suas disputas de fronteira; Coreia do Norte e Estados Unidos, em um conflito que ocorre desde 1950; Israel e muitos outros países do mundo Árabe.

Apesar do fato de que, a cada cinco anos, Estados-membros do TNP se reúnem para avaliar o progresso e planejar futuras melhorias, o processo tem estado completamente paralisado devido ao tratado nunca ganhar a adesão universal que lhe é requerida.

A única vez em que a legalidade das armas nucleares foi desafiada ocorreu em 1996, quando um grupo de militantes levou um caso para a Corte Internacional de Justiça em Haia. Os juízes nesse caso estabeleceram que armas nucleares são ilegais a menos que a própria existência do país esteja sobre ameaça. Essa brecha do tamanho de um caminhão permitia que os países em posse de armas nucleares se agarrassem em suas armas.

Agora, o TPAN não só muda o cenário para sempre, como permite uma mudança revolucionária nas leis internacionais, ao fechar aquela brecha. O tratado proíbe o uso de arma nucleares em quaisquer circunstâncias.

Tal é o temor que esse novo tratado tem gerado que, nos dias após a ratificação dos 50 países ser confirmada, os Estados Unidos tomaram a medida sem precedentes de escrever para todos os Estados-membros pedindo que retirem os seus instrumentos de ratificação. Talvez essa seja o último suspiro agonizante da administração de Trump. Porém, não foi Trump que inventou o apego dos Estados Unidos às armas nucleares, ele só está seguindo a mesma linha administrativa norte-americana desde a presidência de Harry Truman em 1945

É fácil de se imaginar que, à medida que mais e mais nações ficam frustradas com as intransigências das armas nucleares, uma a uma podem escolher abandonar o TNP e depositar a sua fé no TPAN, que trata todos os Estados-membros igualmente e provém um caminho para que um país em posse de armas nucleares ratifique o TPAN e, consequentemente, garante um processo de desarmamento.

O novo cenário, inquestionavelmente, terá um impacto em outras áreas e, inclusive, tal impacto já pode ser visto. Algumas instituições financeiras, sensíveis as opiniões de seus consumidores, já se desvencilharam de corporações que lucram a partir da produção de armas nucleares. A campanha Don’t Bank on the Bomb (“Não Invista na Bomba”) já reportou diversas ocasiões bem-sucedidas em que fundos de pensões e bancos viraram as costas às rendas de fontes antiéticas. Ademais, campanhas em países detentores de armas nucleares e em países (como membros não-nuclear da OTAN) que fingem se apoiar em armas nucleares por segurança, aumentarão consideravelmente conforme a estigmatização de armas nucleares ganha força devido a sua ilegalidade, pressionando os parlamentares a mudar as políticas de defesa nacional.

Talvez esse não seja o melhor tratado do mundo. A medida que mais e mais nações juntam-se a ele talvez seja preciso aprimorá-lo ou até mesmo substituí-lo. Certamente o fato de que o preâmbulo preserva o direito de explorar a energia nuclear apesar dela ser tóxica, podendo fugir do controle humano e causar consequências imensuráveis para o planeta – como vimos anteriormente em Chernobyl e Fukushima – e que é a percursora necessária para a extração de plutônio, essencial para bombas nucleares, permanece problemático.

No entanto, hoje é dia júbilo e celebração, pois o mundo deu mais um passo coletivo em direção à um mundo livre de armas nucleares. Como disse Setsuko Thurlow, sobrevivente de Hiroshima e militante incansável, em seu discurso na premiação do Nobel da Paz em 2017: “Que esse seja o principio do fim das armas nucleares.”


Traduzido do inglês por João Victor Anastácio de Oliveira / Revisado por Larissa Dufner