Por Anna Shen

As consequências da pandemia de COVID-19 continuam: à medida que mais pessoas ao redor do mundo perdem seus meios de subsistência, o tráfico humano está em ascensão. Os serviços de apoio aos sobreviventes foram encerrados, e os ganhos passados para combatê-lo desapareceram. O financiamento secou.

Considere o seguinte: O tráfico de pessoas é global — de acordo com a ONU, existem hoje 40 milhões de vítimas em todo o mundo. Os Estados Unidos também foram classificados como uma das três principais nações de origem do tráfico de pessoas, de acordo com um relatório do Departamento de Estado dos EUA.

O sobrevivente do tráfico humano Harold D’Souza não é indiferente aos perigos da escravidão moderna, muito invisível, bem na frente de nossos olhos. Em 2003, Harold deixou seu emprego na Índia como gerente de marketing de uma empresa multinacional de eletrônicos e lhe foi prometido um emprego de US $ 75.000, por seu traficante. Quando ele chegou em Ohio, a situação mudou. Começava uma jornada de 11 anos, “puro inferno”, como ele descreveu.

Ele e sua esposa foram forçados a trabalhar em um restaurante sete dias por semana durante 16 horas por dia. Seu empregador tomou seus documentos e o forçou a pegar um empréstimo de cinco dígitos de um banco, ficando com o dinheiro. Durante anos, eles foram verbalmente e fisicamente abusados. A esposa do Harold foi violentada sexualmente na frente dele. O traficante contratou um assassino para matar Harold. Surpreendentemente, o traficante ainda está livre apesar das evidências contra ele, já que as leis dos EUA muitas vezes são lamentavelmente aquém de um processo.

O casal D’Souza foi um dos poucos sortudos a vencerem as probabilidades; eventualmente escaparam de uma situação angustiante e começaram uma nova vida. Não tem sido fácil superar o trauma e as cicatrizes.

D’Souza comprometeu sua vida para ajudar as vítimas, fundando a Eyes Open International, que se concentra no combate à escravidão moderna. Ele dá palestras pelo mundo sobre o tema, foi nomeado pelo Presidente Obama para o Conselho Consultivo dos EUA sobre tráfico de pessoas, e continuou seu serviço sob o governo do Presidente Trump.

Ele falou com Anna Shen sobre a escravidão humana durante a pandemia, sua viagem de 10 dias por várias partes dos EUA encontrando sobreviventes, um filme biográfico em andamento sobre sua vida, e muito mais.

D’Souza holds his book: Frog in a Well: Turning Obstacles into Opportunities

– Qual é o estado atual da situação com o tráfico de pessoas nos EUA?

– Durante a pandemia de COVID-19, o tráfico aumentou. Os criminosos são mais agressivos, a aplicação da lei é falha. O governo Local e do Estado estão oprimidos. As pessoas estão economicamente mais instáveis; mais do que nunca, se tornam facilmente uma vítima do tráfico sexual ou de trabalhos forçados. Eu estou chocado que mesmo que eu diga aos indianos para não virem aos E.U.A, eles estão dispostos a pagar dinheiro a um agente. Há, dessa forma, muitas pessoas que os manipulam, cobrando de $40.000 a $100.000. As pessoas estão desesperadas e pagarão.

– O que acontece com uma pessoa quando paga um traficante?

– Uma vez que eles deixam sua Terra natal, somente 2 de cada 10 pessoas conseguem chegar aos E.UA. – 8 morrem ou são detidos e deportados. No ano passado, 311 indianos foram deportados da fronteira mexicana. A situação é terrível.

Muitos dos indianos que já estavam na América também foram deportados. É por isso que estou indo a Índia nos próximos dias – para orientar as pessoas. América é o destino, mas Índia é a fonte para traficantes. Há um ditado na Índia: “Ir para a América é como ir para o céu.” Ninguém compartilha os fatos reais sobre o que acontece aqui, que eles terminarão como escravos dos dias modernos.

– Você acabou de fazer uma viagem de 10 dias para se encontrar com os sobreviventes do tráfico humano. Onde você foi? O que você aprendeu?

Passei por Iowa, Nebraska, Colorado, Kansas, Missouri, Indianápolis e Chicago. Isso foi abrindo os olhos. As vítimas são mais isoladas do que nunca. Devido a pandemia, as organizações que apoiam as vítimas limitaram o serviço ou encerraram. Os fornecedores de alimentos e as igrejas fecharam suas portas. Uma vez que a maioria das vítimas não tinham documentos, não receberam ajuda de custo. Muitos cometem suicídio e vivem sob medo constante.

Os criminosos estão ficando mais espertos e um passo à frente das autoridades legais. Encontrar novas vítimas é mais fácil: os desempregados estão fora de suas casas, procurando por qualquer trabalho ou ajuda, assim, os criminosos que dirigem ao redor podem encontrá-los mais facilmente e explorá-los. Algum desempregado pode estar parado em uma esquina, pedindo trabalho ou doações e ser vítima de um traficante. Há uma estatística que, se uma menina estiver na rua procurando por ajuda, dentro de 24 horas ela será escolhida e se tornará uma vítima de tráfico sexual.

– Seu criminoso nunca foi condenado. O que pode ser feito para evitar isso no futuro?

As leis têm que ser mudadas, com penalidades mais severas. Há bem poucas leis de proteção às vítimas, e poucas leis bem sucedidas para processar os criminosos, que também sabem lutar com sucesso em seus casos. O foco sempre foi nas vítimas, mas isso precisa mudar: Quando você processa um criminoso do tráfico, você salva 100 vítimas.

A mídia desempenha um papel muito importante, pois a cobertura intimidará os perpetradores, especialmente porque eles são muito ricos e de status elevado. Eles são intimidados pela cobertura negativa da imprensa. Além disso, as vítimas precisam falar, mas isso requer muita coragem.

– Há tanto foco na polícia hoje em dia. Como eles devem ser treinados para ajudar?

Neste momento, as autoridades legais estão sobrecarregadas com tantos problemas. Entretanto, necessitam ser treinados para reconhecer os traficantes à sua frente. Neste momento, o governo de Ohio está treinando oficiais de polícias para reconhecer o que estiver acontecendo bem diante de seus olhos. Por exemplo, recentemente um oficial parou alguém por estar em alta velocidade e viu cinco pessoas no carro. Ele questionou para onde estavam indo. Algo não estava certo. Descobriu-se que um dos passageiros do carro era vítima de tráfico sexual. A polícia a resgatou.

Este tipo de treinamento necessita ser global, e tem que vir da liderança superio– A polícia também precisa ser “informada sobre os efeitos do trauma”, ou seja, reconhecer quando estão falando com uma vítima de tráfico que pode estar no carro com seu agressor e, assim, poder falar de forma adequada com o policial.

– Focando no lado humanitário, você pode me dizer o que você acha que os outros deveriam saber, mas nunca pararam para pensar?

Há muita atenção sobre as vítimas livres, mas indo um passo adiante, quem é a pessoa debaixo de tudo isso? Ninguém lhes pergunta quais são seus sonhos. Todo indivíduo neste planeta tem sonhos, talentos. Nenhuma ONG, conselheiro ou órgãos da lei perguntam sobre seus sonhos – esta pessoa quis uma vez ser um doutor, ou um ato– Uma vez que a sociedade sabe que eles são uma vítima ou um sobrevivente, eles são estigmatizados. Muitas pessoas não dizem uma palavra sobre o que aconteceu porque têm medo de não conseguir seguir em frente ou serem capazes de viver uma vida normal.

Ainda choro à noite e sinto que falhei como um homem adulto. Eu ainda me pergunto: “O que eu fiz para entrar naquele lugar?” Eu ainda me esforço e vou à terapia. Trauma não tem data de validade. Mas com a bênção de Deus, ainda estou aqui para contar a história. Meu foco está na prevenção, na instrução, na proteção e no empoderamento de membros de comunidade, especialmente populações mundialmente vulneráveis.

Sei que ninguém pode me impedi– Ajudarei o maior número de vítimas a se tornarem sobreviventes e prosperarem o máximo possível e nenhum criminoso ficará no meu caminho. Eu agradeço a Deus todos os dias.

Isso faz parte de uma série de artigos em todo o mundo sobre o tráfico de pessoas. A cobertura IPS é apoiada pelo Airways Aviation Grou–

A Rede de Sustentabilidade Global (GSN) está buscando a Meta de Desenvolvimento Sustentável número 8 das Nações Unidas, com ênfase especial na Meta 8.7, que ‘toma medidas imediatas e eficazes para erradicar o trabalho forçado, o fim da escravidão moderna e do tráfico humano e assegurar a proibição e eliminação das piores formas de trabalho infantil, incluindo o recrutamento e uso de crianças-soldados, e até 2025 acabar com o trabalho infantil em todas as suas formas ‘.

As origens do GSN vêm dos esforços da declaração comum dos líderes religiosos assinados em 2 de dezembro de 2014. Líderes religiosos de várias religiões, reunidos, trabalhando juntos “para defender a dignidade e a liberdade do ser humano contra as formas extremas da globalização da indiferença, como a exploração, o trabalho forçado, a prostituição, o tráfico de pessoas” e assim por diante.


Traduzido do inglês por Mychelle Medeiros / Revisado por Larissa Dufner

O artigo original pode ser visto aquí