O regime democrático instaurado na Gŕecia Antiga, apesar de estabeler a isonomia (igualdade de todos os cidadãos perante a lei), a isegoria ( direito de todos os cidadãos no que se refere à liberdade de expressão) e a isocracia (ou igualdade de todos quanto ao poder) era excludente. Porque a cidadania foi assegurada apenas às pessoas do sexo masculino maiores de 18 anos, nascidas em Atenas e de filiação ateniense. Hoje, todas e todas temos status de cidadãs/cidadãos. Sendo assim, podemos afirmar que a democracia contemporânea é inclusiva? Para responder a essa questão, tomarei como exemplo a cobertura eleitoral realizada pela mídia no país considerado “a maior democracia do mundo”, os Estados Unidos.

As referências aos sistemas democráticos das sociedades contemporâneas, notadamente dos Estados Unidos costumam imprimir um caráter mais amplo – por vezes até totalizante – da democracia. A realidade, no entanto, demonstra que esta também é limitada, restrita, ainda que se diga o contrário. A atuação da mídia pode ser um indicativo dessa restrita democracia estadunidense (o que que pode ser aplicado, também, a outros países, a exemplo do Brasil).

Quando vemos a cobertura midiática das eleições presidenciais nos Estados Unidos é impossível não notar uma limitação quase que exclusiva a discussões que giram em torno de apenas duas das candidaturas: a Republicana e a Democrata, respectivamente representadas neste ano de 2020 por Donald Trump e Joe Biden.

As mediações se limitam aos programas e/ou às polêmicas referentes a esses dois grupos e deixam de fora as demais agremiações partidárias, como o Partido Libertário, que tem como candidatos a professora universitária Jo Jorgensen e o empresário Spike Cohen; o Partido da Constituição, representado nessa disputa eleitoral pelo executivo Don Blankenship e pelo presidente do partido, William Mohr; e o Partido Verde, cujos representantes neste pleito de 2020 são o co-fundador do partido Howie Hawkins e a ativista e motorista Angela Walker (mulher negra).

Essas candidaturas ficam literalmente de fora das discussões realizadas pela maioria dos meios de comunicação de grande alcance, o que contribui, de modo significativo, com a desinformação e a polarização do processo eleitoral, como se as cidadãs e os cidadãos estadunidenses não tivessem outra alternativa diferente de Trump e Biden.

Discursos hegemônicos

As coberturas se limitam aos candidatos que ocupam a primeira e a segunda colocações nas pesquisas de intenção de voto e desconsideram os princípios do regime democrático, uma vez que essa polarização pode ser avaliada como um impedimento aos demais grupos políticos de tornarem visíveis suas proposições de governo. Diferentemente do que ocorre no Brasil, não existe o horário eleitoral gratuito nos Estados Unidos. Este, apesar das limitações, de certa forma coloca todas as candidaturas em “pé de igualdade”, na medida em que oportuniza projeção dos diversos discuros, através do rádio e da televisão.

Apesar das diferenças consideráveis de tempo disponível para cada candidatura ou coligação, ou mesmo da quantidade de recursos que cada partido dispõe para elaborar sua propaganda eleitoral que irá ao ar, há uma oportunidade de exposição e, portanto, de uma maior condição de visibilidade midiática. Não podemos afirmar que se trata de um processo igualitário, entretanto, a mídia hegemônica é obrigada a veicular, mesmo que minimamente, as candidaturas consideradas “pesquenas”, “fracas”, “irrelevantes” (considerando-se suas projeções nas pesquisas de intenção de votos).

Ao levarmos em conta a não-inclusão de todos os agentes sociais nos processos de divulgação midiáticos – neste caso específico, de todos os candidatos e candidatas que se propõem a disputar o cargo de chefe de governo dos Estados Unidos –, podemos afirmar que a sociedade fica limitada no que diz respeito a conhecer os planos, as propostas e as críticas aos adversários na disputa eleitoral à Casa Branca.

Considerando-se esta perspectiva analítica é possível afirmar que a democracia estadunidense, neste caso representada pela comunicação hegemônica, apresenta um perfil que evidencia apenas dois lados – os dos porta-vozes dos discursos hegemônicos – e exclui os demais sujeitos sociais que se colocam em posições diversas, e, por vezes, antagônicas a esses representantes do poder vigente. Isso nos autoriza a afirmar o caráter excludente da democracia naquele país, que, diga-se de passagem, não é comprovável apenas a partir da perspectiva comunicacional.