Já passou da hora de reconhecer que o experimento cruel de financiar o ensino superior através de empréstimos estudantis falhou.

Texto de Mary Green Swig, Steven L. Swig, David A. Bergeron e Richard J. Eskow

 

O princípio do acesso universal à Educação em nosso país antecede a descoberta dos Estados Unidos. O primeiro ensino público primário foi oferecido em Colônia da Baía de Massachusetts, em 1635, e seu Parlamento criou a Harvard College (Faculdade Harvard), no ano seguinte, para tornar a educação acessível a todos os estudantes qualificados. Mesmo antes da Constituição ser ratificada, o Congresso da Confederação promulgou o Land Ordinance (Estatuto da Terra) de 1785, o qual requeria que os povoados recentemente estabelecidos em territórios cedidos pelos britânicos tivessem um lote de terra dedicado para a instalação de uma escola pública. Também promulgou o Northwest Ordinances (Lei Noroeste), de 1787 que estabelecia diretrizes de como os territórios poderiam se tornar estados. Dentre essas diretrizes, havia uma exigência para o estabelecimento de universidades públicas e uma condição impositiva, pela “os meios de educação devessem ser para sempre encorajados”. Após a nação declarar independência, Thomas Jefferson lutou por um sistema formal de educação financiado através do sistema de tributação do governo.

A visão de Jefferson tomou forma no curso de mais de um século, quando estado e governos locais começaram a criar escolas primárias e depois escolas de ensino médio. O governo federal envolveu-se com o ensino superior no século XIX com a criação das faculdade públicas e outras instituições usadas inicialmente para ensinar agricultura e educação após a Guerra Civil. Tais instituições criaram oportunidades para pessoas que, por muito tempo, foram excluídas do processo de aprendizado, incluindo afro-americanos que foram escravos e outras pessoas em condições de pobreza, independentemente de suas origens.

Universidades e faculdades estaduais também se expandiram rapidamente. Em meados do século XX, a educação gratuita ou de baixo custo estava disponível em muitos estados americanos. Após a Segunda Guerra Mundial, o Governo Federal mais uma vez fez uso da educação, a fim de promover oportunidades aos seus cidadãos e crescimento econômico para todos. O G.I. Bill (programa de assistência a militares veteranos) teve gastos educacionais com oito milhões de pessoas, sem considerar a riqueza individual, o que ajudou a criar uma classe média robusta e a contribuir para o crescimento vibrante da economia dos anos 1950 a 1960. Enquanto essas oportunidades ainda eram negadas a muitas pessoas por causa do racismo, esforços estavam sendo tomados para melhorar o acesso à educação de pessoas não-brancas.

A era Reagan conduziu a uma crença de que programas governamentais, incluindo a educação, atrapalhavam os sonhos do povo e deveriam ser reduzidos severamente. Bens públicos passaram a ser vistos como investimentos de natureza puramente econômica. Por essas razões, entre outras, uma nação que havia expandido publicamente a educação financiada por séculos, decidiu retroceder. Ao invés de financiar o ensino superior seguindo o princípio de que isso beneficia a todos nós, o país começou a transferir o custo para os estudantes.

Nos anos 1950, como parte do Ato Nacional em Defesa da Educação, um sistema de financiamento estudantil foi criado como um experimento de engenharia social. Preocupados com a competição com a União Soviética, os legisladores queriam aumentar as competências dos estudantes em matemática e ciências. Para isso, o país precisava de mais professores. Então os legisladores ofereceram empréstimos a estudantes universitários com a oportunidade de terem metade do financiamento cancelado após dez anos, se eles se tornassem professores.

O experimento falhou. Pesquisadores não conseguiram provar que o programa de financiamento estudantil levou mais pessoas a serem professores, apesar de muitas tentativas. O experimento também foi cruel. Ao passar dos anos, o programa foi expandido com a afirmação de que o investimento pessoal de um estudante era um “investimento” que se pagaria com maiores salários. Bancos e outras instituições financeiras foram inseridas no processo e receberam incentivos e subsídios consideráveis para a questão dos empréstimos estudantis, sem considerar o ônus sendo imposto ao estudante. Esta oportunidade financeira foi dada a interesses bancários que já eram ricos, pouco pensando sobre o prejuízo resultante para um futuro economicamente sustentável.

Apoiadores do financiamento de custo do ensino superior argumentaram que era mais barato emprestar dinheiro a estudantes do que para os governos federal e estadual fornecerem bolsas estudantis, mesmo após pagar subsídios ao setor privado por seus financiamentos. Toda uma indústria cresceu em torno desse processo. Agências de garantia estaduais e sem fins lucrativos foram criadas para garantir os empréstimos. Não importa o que acontecesse, essas agências eram pagas: quando os empréstimos eram emitidos, quando os empréstimos não eram pagos, quando os devedores ficaram inadimplentes, e quando cobravam os empréstimos inadimplentes.

Em resposta, a maioria dos estados criaram agências de garantia para que pudessem ganhar dinheiro de pessoas que precisavam pegar empréstimos para pagar pelas mensalidades e taxas sempre crescentes. Agora, os estados tiveram um incentivo extra para cortar o financiamento do ensino público superior. Eles não só iriam economizar, mas poderiam aumentar a necessidade de empréstimo dos estudantes, o que aumentaria seus rendimentos. Em muitos casos, essas agências não operam os empréstimos por conta própria. Elas passam o trabalho para cobradores de dívidas independentes que fazem as cobranças e são agressivos no tratamento dos casos.

O sistema ganhou vida própria. Em meados dos anos 1990, os empréstimos estudantis haviam superado as concessões de financiamento no ensino superior dos estudantes. Mas um sistema construído sobre financiamento da dívida só funciona se os tomadores de empréstimo efetuarem os pagamentos. Isso levou o Congresso a tornar o sistema ainda mais cruel com o Bankruptcy Amendments and Federal Judgeship Act (equivalente à Lei de Falências e Jurisprudência Federal) de 1984, que isentava os empréstimos estudantis dos processos de falência e submetia os tomadores de empréstimos a meios de cobrança draconianos. Esses meios incluíam penhora salarial sem uma ordem judicial, o confisco dos pagamentos da Previdência Social e devoluções de impostos. As administrações de Clinton e Obama tentaram atenuar o ônus levemente, permitindo que o Governo Federal emprestasse diretamente aos estudantes, enquanto introduziam opções de refinanciamento baseados na renda, mas a crueldade fundamental do sistema permanece inalterada até os dias atuais.

É hora de reconhecer que o experimento cruel de financiar o ensino superior através de empréstimos estudantis falhou. Quarenta e seis milhões de pessoas e suas famílias caíram em uma armadilha de empréstimos estudantis, incluindo pessoas que receberam treinamento vocacional, e enfraqueceram a força financeira do ensino superior. O débito inescapável é o maior condutor do colapso social. Isso tem acentuado a disparidade racial de renda e enfraquecido a economia como um todo, pois devedores são impedidos de comprar casas ou bens de consumo, de começar uma família, ou buscar novos ramos de negócios. É hora de restaurar fundos para o ensino superior e de cancelar o débito estudantil para as vítimas desse experimento falido.


  • Mary Green Swig é pesquisadora sênior da Advanced Leadership Initiative da Harvard University e co-fundadora da Freedom to Prosper.
  • Steven L. Swig é pesquisador sênior da Advanced Leadership Initiative da Harvard University e co-fundador da Freedom to Prosper.
  • David A. Bergeron é bolsista sênior de graduação no Center for American Progress. Bergeron atuou anteriormente como secretário assistente interino de ensino superior no Departamento de Educação dos EUA.
  • Richard J. Eskow é consultor sênior de saúde e justiça econômica na Social Security Works. Ele também é o apresentador de The Zero Hour (A Hora Zero), um programa progressivo sindicalizado de rádio e TV.

 

Traduzido do inglês por Jenifer Paz Araújo / Revisado por José Luiz Corrêa da Silva