Por Melissa Vida

Uma ativista ambiental e feminista negra kriol, Princess Barberena, foi detida por soldados nicaraguenses em 27 de setembro, junto com o guarda-florestal kriol Roger Joseph e outros 16 líderes, advogados e guardas-florestais negros e indígenas da comunidade indígena Rama Kriol. Os 18 ativistas foram mantidos em uma casa próxima à Boca de Sabalos, na região sudeste da Nicarágua, e, mais tarde, 17 foram soltos na mesma noite. Jaime McCrea Williams, presidente do Governo Territorial Rama e Kriol, foi levado pelo exército e desde então não foi mais visto. De acordo com o jornalista Gerall Chavez, McCrea supostamente foi levado para averiguação em Boca de Sabalos.

Os líderes Rama e Kriol foram detidos quando registravam a degradação ambiental e apropriação de terras na reserva biológica Indio Maiz, segundo a Organização Não Governamental (ONG) local Fundación del Rio. O equivalente a 70% da reserva pertence aos Rama e Kriol, que têm direitos políticos sobre suas terras desde 2002. Indio Maiz é uma das duas reservas biológicas da Nicarágua reconhecidas pela Unesco pela diversidade. É uma área fundamental para o corredor biológico mesoamericano. Desde 2015, guardas-florestais treinados pelo próprio povo Rama e Kriol monitoram o desmatamento e roubo de terras na reserva biológica, uma vez que a fiscalização de guardas-florestais do governo tem se tornado cada vez mais rara.

A pressão sobre comunidades autônomas indígenas e afrodescendentes tem crescido na Nicarágua e na costa caribenha na última década. O presidente Daniel Ortega planeja receber investimentos da empresa chinesa HKND para a construção de um canal interoceânico através da Nicarágua, invadindo assim a terra indígena. O projeto encontrou ampla resistência de comunidades indígenas e do público em geral. Os planos para o canal estão suspensos por enquanto, mas para advogados, acadêmicos e para o povo Rama e Kriol local, esta é a explicação para o aparente fracasso do governo em impedir o desmatamento na reserva. Os assentados são fazendeiros, mineiros e pastores cristãos que criam gado, formam comunidades, vendem terras ou encontram recursos naturais para vender. Entre 2000 e 2018, Indio Maiz perdeu 52% de sua cobertura de árvores. A ONG ambientalista nicaraguense Centro Humboldt alertou, em 2017, que se o desmatamento continuar no ritmo a atual floresta da Nicarágua pode desaparecer até 2028.

Guarda-florestais de Kriol. Foto tirada pelo autor em novembro de 2019.

O governo Ortega intensificou a repressão contra a oposição e organizações não governamentais desde 2018. Durante protestos contra o governo, mais de 300 jovens foram mortos à bala pelas forças de segurança antitumulto e paramilitares. Daniel Ortega é acusado de cometer crimes contra a humanidade. Desde então, mais de 50 jornalistas deixaram o país e 86 ativistas democráticos e membros da oposição política continuam atrás das grades, quase um ano após 96 prisioneiros políticos terem sido soltos. Muitos afirmaram ter sofrido tortura nas prisões nicaraguenses.

As comunidades indígenas e crioulas da Nicarágua obtiveram o legítimo direito sobre suas terras por meio da Lei n° 445 de 2002, que estabelece um regime de propriedade partilhada. No vídeo abaixo, Princess Barberena explica ao chefe das instalações militares que seu povo tem o legítimo direito sobre as terras. As imagens foram registradas durante a prisão.

Foi assim que o chefe das instalações militares chegou a essa comunidade indígena, acompanhado por vários membros do Exército, com rifles AK para intimidar os líderes indígenas que estavam tentando documentar a invasão às suas terras, que foram encorajadas pelo FSLN. pic.twitter.com/coxwDnhZYA

Barberena e outras mulheres afro-indígenas pedem que os soldados para de apontar os rifles AK-47 para o presidente indígena, Jaime Williams, quando Williams é levado. De acordo com comunicado à imprensa publicado depois pelo exército nicaraguense, as forças armadas estavam fazendo uma identificação de rotina das pessoas que estavam na reserva.

Um grupo do Exército Sandinista (exército do governo de Daniel Ortega, líder do partido sandinista) leva os líderes indígenas do território Rama Kriol como reféns. Aqui você pode ver o comportamento agressivo dos soldados, que apontam suas AK-47 para um homem desarmado que não faz nenhum gesto de resistência.


Traduzido do inglês por Mariana Branco / Revisado por José Luiz Corrêa da Silva

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