MÚSICA

 

 

Um furacão chamado Rita

Ela é uma mistura de raças, ritmos e crenças. Nasceu Rita, bem próximo à linha do Equador, pegou a estrada e com o vento de Iansã passou a distribuir o seu calor pelo resto do Brasil. Não tem como não ser poético ao falar de Rita Benneditto, pois sua essência no palco, inspira palavras e sentimentos típicos dos poetas populares, dos cordelistas e de todos os outros que ousam amar a cultura brasileira, tanto na sua estética primitiva, como nos seus mais variados tons e sons.

Quando ela sobe ao palco uma espécie de fogo sagrado se incendeia e, como num encantamento, sua voz casa o moderno com toda a ancestralidade tão presente em sua história.

Rita é a décima filha de uma família grande, de onze irmãos. E foi com o paí, de nome Benedito, que ela começou a dar os primeiros passos no universo da música. Ele tinha um grupo de pau e corda e nas festas e encontros de família, sempre reunia todos em torno da música. E era só começar a cantoria, que a pequena Rita se encostava para mostrar o seu valor.

E foi assim, dentro de casa, que ela começou a fazer contato com a toda a riqueza da cultura musical do Maranhão.

A mãe, queria que os filhos seguissem as profissões tradicionais, como medicina, engenharia ou outra, que pudesse garantir a segurança de uma vida sem sobressaltos, mas por mais que tentasse, a música estava ali, meio que fazendo frente, às possíveis escolhas de Rita por uma caminho profissional mais dentro do universo da mãe. Tanto, que induzida, ela tentou fazer medicina, e não passou no vestibular. Decidiu então, encarar a enfermagem, e também não logrou muito êxito. Quase terminou o curso, mas o chamado da música se tornou mais forte. Ela ainda tentou o curso de veterinária, e nem mesmo a saúde  dos bichinhos  conseguiu deter a vocação da menina para a música.

Com 15 anos, ao entrar para o ensino secundário, se matriculou na escola técnica de música, mas o ambiente não oferecia a estrutura desejada, pois faltava tudo…até os professores.

Desestimulada com  o ambiente acadêmico, Rita decidiu ganhar as ruas, as manifestações populares e foi nesse universo que ela encontrou o manancial para seguir sonhando com os palcos. Os terreiros de terecô, tambor de mina, de crioula e outros expoentes da “encantaria” calavam fundo no coração da menina e  a influência da irmã mais velha, que trabalhava numa loja de discos e o rádio foram determinantes para moldar a artista que Rita, se transformaria nos anos seguintes.

Rita, então, começa a ganhar os palcos de São Luís e em 1989, depois de cantar pelos bares da Ilha e participar de muitos festivais de música,  monta o seu primeiro show no teatro municipal Artur Azevedo. Uma produção nada convencional, pois misturava as influencias dos terreiros de umbanda do Maranhão com a música de Vila Lobos e, como não poderia deixar de ser, o resultado é digno de uma artista ousada, quê, para muitos, poderia até parecer estranha, mas  que sabia como ninguém, deixar sua marca autoral. Batizado de Cunhã, nome das índias em processo de passagem para a vida adulta, e com direção do amigo, Zeca Baleiro, o show no teatro municipal de São Luís, acaba se tornando o passaporte de Rita Ribeiro para os palcos do eixo sul do Brasil.

Foto Thais Gallart

“O rio nos leva para onde temos que ir”

Depois de fechar seu ciclo em São Luís, Rita decide ir para São Paulo. A mudança, de cara, revela a diferença entre a Ilha maranhense, povoada de encantos e aconchego, devido a sua geografia e horizontalidade, com a maior cidade do país,  sua verticalidade concreta e seus desafios cotidianos, para um artista pouco conhecido e, que por sua vez, não conhecia ninguém.

Foram tempos duros. A cidade e seu gigantismo não deram trégua à Rita, que sobrevivia de “bicos” e cantando na noite da cidade que nunca dorme.

Rita chegou a trabalhar, entre outras coisas, como pesquisadora em institutos de pesquisas e recepcionista de uma escola para crianças especiais.  Mesmo, sem formação acadêmica, desenvolveu vários pequenos projetos com as crianças autistas, enquanto batalhava a carreira musical.

Num golpe de sorte ou destino, conhece Chico César, que já se destacava no cenário nacional com o hit “Mama Africa” e logo depois convence o amigo Zeca Baleiro, também, a se mudar para São Paulo. Zeca vem com a esposa e durante um ano moram na casa de Rita, até que, finalmente encontra um lugar para se estabelecer com a família.

Com elos mais fortes, em 1997, Rita Ribeiro consegue lançar o primeiro álbum – Rita Ribeiro, pela gravadora Velas. O trabalho revela uma nova intérprete para a musica popular brasileira e ela passa a ser chamada para shows em todo o país. Várias das 14 faixas do disco começam a ser executadas nas rádios, com destaque para “Lenha”, de Zeca Baleiro e “Impossível acreditar que perdi você”, sucesso de Márcio Greik  nos anos de 1970.

Dois anos depois, Rita de Cássia Ribeiro, lança o seu segundo CD, “ Pérolas aos povos”. E foi com esse trabalho, que a cantora ganhou o mundo. Se apresentou no festival Todos os Cantos do Mundo e com o lançamento do CD nos Estados Unidos e Canadá, Rita cantou para mais de 15 mil pessoas nos palcos de São Francisco, Los Angeles, Toronto e Montreal e ainda foi indicada ao Grammy, na categoria de melhor álbum de pop latino.

Decididamente essa maranhense de São Benedito do Rio Preto, chegou para tomar um espaço aberto na MPB e o fez com a propriedade de quem se enxerga na sua própria história cunhada pelas cordas do pai e por todas as influências de sua terra, como o samba, o reggae, o forró e as cantigas de fé dos terreiros.

Em 2001, Rita lança “Comigo” revelando ainda mais sua maturidade como intérprete. Além de hits com uma pegada mais romântica, ela nos apresenta “ Românticos” e “Contra o tempo”, ambas do compositor mineiro Vander Lee. Cancões que se casaram perfeitas com o lirismo da voz da cantora. Em 2003, com o CD Novo Millenium, Rita Benneditto fecha um ciclo e o melhor ainda está para vir.

A macumba e o tecno o casamento improvável que já dura 17 anos. Foto Rogério Von Kruger

Já reconhecida nacionalmente, vivendo no Rio de Janeiro,  e sem precisar provar nada para ninguém, em 2006, a cantora se lança numa aventura quê, para muitos poderia parecer arriscada, mas não para ela. Antes dela, muitos cantores brasileiros já haviam levado para o palco e com sucesso, as cantigas dos terreiros de umbanda e candomblé, principalmente, Clara Nunes, Martinho da Vila, Roberto Ribeiro, Clementina de Jesus e outros, mas Rita Benneditto, não levou apenas os cânticos, mas toda a estética e essência  desses cultos.

Das gargalhadas das Pombas Giras  ao lamento no toque seco do tambor, que nos traz todas as memórias de um Brasil cativo, sofrido, mas que carrega em suas vísceras a energia bruta dos Orixás em todas as suas nuances carregadas de axé. Toda essa brasilidade se soma à modernidade dos sons eletrônicos e urbanos causando um efeito de êxtase no público.

Um projeto de alto impacto, que rendeu uma legião de admiradores pela ousadia da cantora,  e que recebeu elogios da crítica e no próprio meio musical.

Tecnomacumba conseguiu também um feito inédito, para um projeto musical brasileiro,  se transformando em enredo de uma escola de samba de São Paulo, ganhando o sambódromo, o maior palco da cultura popular brasileira.

“O Palco é um palanque e o artista um militante” – Em várias partes do Brasil, onde chega o Tecnomacumba, Rita sempre faz questão de repetir esse mantra, pois durante todo o tempo que passou em São Paulo tentando mostrar seu trabalho, sofreu vários tipos de preconceito – por ser mulher, nordestina e carregar as marcas do povo negro e índio em seu DNA.

Para ela, a classe política brasileira nunca entendeu a importância sócio-econômica do setor cultural e nos últimos anos, o quadro de descaso com o setor ficou ainda maior e, por isso, a necessidade de resistência, de se lutar por maiores investimentos, dando aos artistas  condições básicas para as pequenas e grandes produções.

Tecnomacumba é um exemplo de resistência, de uma intervenção cultural. Nasceu , cresceu e se mantem vivo, como um manifesto,  há 17 anos, reunindo grandes nomes da MPB e gerando frutos como o disco e o DVD. É um show que se transforma ano a ano e continua conquistando espaço.

Nas comemorações dos 15 anos do espetáculo, Rita compôs “ As sete Marias” – uma homenagem às mulheres encantadas – com os simbolismos das pombas giras –, e as reais, que fazem o mundo girar.

Foto Felipe Cohen

O desafio da pandemia – e a reinvenção dos artistas

Mesmo com o sucesso de Tecnomacumba, Rita Benneditto seguiu produzindo outros trabalhos, só e com a companhia de outros nomes da MPB. Com Tereza Cristina e Jussara Silveira montou o espetáculo “Três Meninas do Brasil” – mais um sucesso de critica e público. Fez também com Jussara Silveira “Som e Furia”, todo gravado na Chapada Diamantina, na Bahia. Nesse trabalho, as duas vozes passeiam de forma brilhante pelo universo da música árabe e indiana combinadas com sons eletrônicos,  percussão e elementos da cultura brasileira.

Logo no inicio da pandemia lançou “Amor Maior”, uma espécie de chamamento para a necessidade de transformação que o momento exige de cada um de nós. Para Rita a arte é imprescindível  e durante o isolamento, ainda mais. Como a maioria dos artistas, Rita Benneditto também lançou mão das lives para ficar próxima do seu público e tentar de alguma forma ser solidária com os músicos e outras entidades que assistem às populações mais vulneráveis. “ Nesse momento difícil pelo qual passamos, fiz da minha casa um palco e nele reuni grandes amigos   em torno daquilo que eu acredito – que é a nossa capacidade de se reinventar nas dificuldades”, explica Rita.

Durante a pandemia, Rita Benneditto promoveu várias lives com destaque,  para as que fez,  em homenagem ao Bumba meu Boi – manifestação cultural do Maranhão elevada a patrimônio cultural e imaterial da humanidade – , e a homenagem às Iabás – as guerreiras do panteão dos Orixás, Iansã, Yemanjá e Oxum.


Acesse a entrevista com a Rita nesse link

Para seguir Rita Benneditto nas redes sociais acesse: @ritabenneditto