O Núcleo de Acompanhamento de Políticas Públicas de Igualdade Racial da Fundação Perseu Abramo divulgou hoje uma carta-manifesto em apoio à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de obrigar os partidos políticos a distribuírem igualmente os recursos e tempo de mídia. Partidos consrervadores têm travado uma batalha contra a medida. Eles querem que essa regra só seja aplicada nas eleições de 2022.

“É dever do Poder Judiciário impedir que a exclusão de negros da política prossiga perpetuando um verdadeiro estado de coisas inconstitucionais”, diz a carta. “Por isto, os partidos políticos devem tratar equitativamente os candidatos e candidatas resguardando o regime democrático e os direitos fundamentais, ainda mais quando se está falando de dinheiro público”.

Leia abaixo a carta na íntegra:

CARTA-MANIFESTO DO NÚCLEO DE ACOMPANHAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE IGUALDADE RACIAL DA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO PELA DIVERSIDADE RACIAL NAS CAMPANHAS ELEITORAIS

“essa cor convencional
da escravidão tão semelhante
à da terra, abriga sob sua superfície
escura, vulcões, onde arde
o fogo sagrado da liberdade.”
(Luiz Gama)

Nos últimos tempos a luta empreendida pelos Movimentos Negros contra o racismo estrutural foi reconhecida pelos poderes tornando-se uma questão de Estado. Neste sentido, políticas afirmativas começaram a ser adotadas com o objetivo de promover a diversidade racial em instituições, como universidades e no serviço público.

É inquestionável que o racismo estrutural existente em nossa sociedade se reflete no pleito eleitoral. Os critérios historicamente utilizados pelos partidos funcionam como uma espécie de filtro racial na medida em que excluem candidaturas negras de concorrerem a cargo político. Desta forma, quanto mais alto o cargo, menor a participação de negros concorrendo e, por consequência, menor a representatividade nas diversas funções políticas. Assim, as leis e ações aprovadas pelos eleitos tendem a invisibilizar ou não levar em conta fatos sociais importantes para boa parte da população, que não vê suas demandas sendo atendidas pelo poder.

É importante reconhecer que existe um déficit democrático por conta da baixa representação de negros na política. Pesquisas apontam que embora 55,7% dos brasileiros sejam negros (pretos e pardos), eles representaram apenas 27% dos eleitos em 2018. No Congresso Nacional só 17,8% dos parlamentares são negros. Juntando todas as cadeiras da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, elas somam 594, mas apenas 106 são ocupadas por pessoas negras.

Outro aspecto importante é ressaltar que, de acordo com o TSE, o total de recursos distribuídos entre os 33 partidos para as campanhas em 2020 será maior do que dois bilhões de reais. Este dinheiro (do chamado fundo eleitoral) é recurso público proveniente de impostos pagos por todos os brasileiros indistintamente. Neste sentido, é mais do que justo e necessário que os referidos recursos sejam distribuídos de modo equitativo promovendo na política, a diversidade de gênero e raça que há na sociedade brasileira.

Destaque-se ainda que a inclusão das pessoas negras nos processos políticos decisórios tem um potencial para democratizar a definição da agenda pública. A diversidade de experiências trazidas por grupos tradicionalmente excluídos contribui para enriquecer a pauta política que tende a ganhar muito com as diferentes ações construídas pelos novos representantes do povo.

Por conta disto, recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela diversidade de gênero e raça nas candidaturas dos partidos políticos. Desta forma, os recursos públicos do fundo eleitoral, bem como o tempo de rádio e TV, deverão ser distribuídos de maneira proporcional à quantidade de candidatos homens e mulheres e também de negros e brancos.

Na referida decisão do STF, o ministro Ricardo Lewandowski determinou que a promoção da diversidade racial nas candidaturas seja aplicada ainda nas eleições municipais deste ano, contudo, partidos conservadores querem que essa regra só seja aplicada nas eleições de 2022.

Esta carta-manifesto é para apoiar a referida decisão do Supremo que obriga os partidos políticos a distribuírem igualmente os recursos e tempo de mídia, já nas próximas eleições. É dever do Poder Judiciário impedir que a exclusão de negros da política prossiga perpetuando um verdadeiro estado de coisas inconstitucionais. Por isto, os partidos políticos devem tratar equitativamente os candidatos e candidatas resguardando o regime democrático e os direitos fundamentais, ainda mais quando se está falando de dinheiro público. Como bem explicou o ministro Roberto Barroso:

“Se o racismo no Brasil é estrutural, é necessário atuar sobre o funcionamento das normas e instituições sociais, de modo a impedir que elas reproduzam e aprofundem a desigualdade racial. Um desses campos é a identificação de casos de discriminação indireta, em que normas pretensamente neutras produzem efeitos práticos sistematicamente prejudiciais a grupos marginalizados, de modo a violar o princípio da igualdade em sua vertente material.”

A igualdade racial é pra valer e deve ser entendida como medida republicana para promover o estado democrático de direito. Diversificar a representatividade política é uma medida importante para construção de ações que combatam as injustiças sociais. Precisamos apoiar a decisão do STF e garantir que parte dos recursos do fundo eleitoral, bem como do tempo de propaganda sejam igualmente destinados para candidaturas negras por uma questão de justiça.

Dizemos não ao racismo!
#NãoAoRacismo!

Núcleo de acompanhamento de Políticas Públicas de igualdade racial da Fundação Perseu Abramo

O artigo original pode ser visto aquí