A Pressenza começou nessa semana uma série de lives com candidatas e candidatos  de todas as regiões do Brasil. Nossa proposta é conversar com pessoas engajadas com as periferias, com o povo negro e com a luta por direitos humanos. Por isso vamos ouvir candidaturas progressistas, humanistas e comprometidas com as pautas sociais.

Na última quarta-feira ouvimos Maiara Felício, de 26 anos, que é pré-candidata a vereadora pelo PT na cidade de Nova Friburgo, região serrana do Rio. Ela é militante do movimento negro, modelo, fotógrafa, influencer e acredita que os espaços de poder devem ser ocupados por mulheres pretas. Destacamos aqui alguns trechos importantes dessa conversa e das propostas de Maiara para a cidade. Confira.

Para assistir a entrevista completa, acesse nosso canal no Youtube.

Nada de “Suíça brasileira”, somos uma cidade preta

“Nunca tivemos uma vereadora preta em Nova Friburgo e isso é algo que choca muito porque somos mais da metade da população da cidade. Dentro da Câmara de Vereadores hoje a gente tem um vereador preto, duas mulheres que não são pretas e o resto se encaixam nesse estereótipo que a gente está acostumado a ver: homem branco, com mais de 40 anos, cis, hétero, enfim, tudo que já estamos cansadas de ver.”

Mulheres negras no poder

“Quando a gente fala de negritude e racismo, não temos como desvincular do matriarcado. Se pensarmos na África antiga, nos quilombos pelo Brasil ou nas organizações da militância hoje em dia, vamos ver um protagonismo das mulheres pretas. Se existe esse protagonismo nas cidades, nos bairros, nas periferias, nos espaços de poder não pode ser diferente. O que aconteceu ao longo da história foi um apagamento desse protagonismo das mulheres, nossa luta é para assumir esse protagonismo na política.”

O que precisa mudar

“Não tem como falar de negritude sem falar do tráfico, que se apropria dos nossos corpos e que corrompe nossas histórias. O município não consegue apresentar alternativas para lidar com essa situação e os projetos sociais conseguem transformar essa realidade, mas quem atua promovendo essa mudança não é o poder público quem promove e sim os movimentos sociais. Eu digo isso porque eu sou uma “cobaia” desses projetos sociais.”

Coletiva Mulheres na serra

“A gente luta pelos direitos das mulheres, discutimos muito numa esfera de gênero. A Coletiva é um lugar para amparo, de acolhimento mesmo para a gente se articular enquanto mulheres de Nova Friburgo. É um lar para a gente. E aí não importa se você está com a sua cria e quer participar de atividade, a gente tem ali um lugar realmente de carinho para conseguir ouvir a todas.”

Foto de Maira Felício

Mulheres inspiradoras

“Nós trabalhamos na perspectiva dos quilombos, ou seja, verdade é o que eu consigo acessar. Não queremos falar difícil, queremos falar para todo mundo entender. Se eu estou falando com você e a minha mãe consegue entender, é porque estou no caminho certo. Então, a mulher que me inspira é a Maria, que mora aqui na rua e quando chega o Dia de Cosme e Damião, mesmo tendo pouco dinheiro ela consegue fazer uma festa para as crianças do bairro. É a Carla, que é professora e mesmo com a pandemia, consegue atender os estudantes da rede pública e fazer um trabalho excepcional. Antes ela atendia 70 alunos, agora ela atende o morro todo. A Carla é minha referência. Minhas referências são as mulheres da minha vida, minha professora de português, que me ensinou muita coisa e é responsável por eu conseguir me comunicar da forma como eu me comunico hoje. Tem a minha irmã, que tem dois anos mais que eu, mas cuidava de mim quando minha mãe precisava sair para trabalhar como doméstica. Não tem como eu esquecer dessas mulheres, mulheres de verdade e que estão comigo todos os dias.”

Muitos olhares e mais diversidade na política

“Eu acredito que nós, em nossa diversidade, conseguiremos fazer a diferença. Essas pessoas que têm cor, gênero, idade, e orientação sexual definidas já estão lá há muito tempo e não resolveram nosso problema até hoje. Os olhares, as mãos que estão ali tem que ser uma diferente da outra para que todo mundo seja ouvido e a gente consiga transformar a realidade de todo mundo.”

A decisão de se tornar pré-candidata a vereadora

“É algo muito louco e novo que o a gente está se propondo a fazer, mas já não temos muitas opções porque nosso povo, o povo preto, está morrendo. Nós estamos sofrendo com a violência policial, a violência na saúde, na educação, em nosso acesso à cidade.  Temos que ousar mesmo, com medo por assistir casos como o de Marielle Franco, que foi assassinada simplesmente por ser quem era e defender o que defendia. Temos medo, mas temos que ir porque estamos no saldo negativo e se a gente não ocupar os espaços de poder, outras pessoas vão tomar o nosso lugar e continuar fazendo o que fazem.  É a nossa história e somos nós que vamos contar! Nós, negritude, nós periferia, população LGBTQIA+.

Nós por nós

“As pessoas chegam para mim e falam “sua galera está trabalhando para caramba”! Sim, estamos e não temos dinheiro. É importante dizer isso.  Estamos fazendo campanha com uma equipe formada por pessoas que tem entre 16 e 23 anos e estamos construindo um conteúdo de qualidade. Eu não tenho nem como agradecer a essas pessoas que estão comigo e acreditam. Somos um quilombo formado por mulheres pretas e LGBTs e são essas mãos que estão construindo nossa campanha.

O homem branco e hétero, ele já nasce com tudo pronto. A sociedade diz para ele que ele tá pronto, que ele pode falar, nem que sejam asneiras, que ele tem legitimidade e direito de levantar a voz para nos interromper e falar o que bem entende.  Por isso que quando as pessoas se deparam com nosso material circulando nas redes sociais, acreditam que tem dinheiro investido e que as pessoas que estão produzindo estão dentro desse padrãozinho que a sociedade está acostumada a engolir. E na verdade não: somos nós, sempre fomos nós.”

Eleições 2020

“Estamos atravessando um período muito difícil, coisas inimagináveis estão acontecendo, como a gente ter que explicar, em pleno século 21, que a Terra não é plana. Ou explicar para as pessoas que precisa tomar vacina. Enfim, não é fácil seguir do lado certo da história, mas enquanto a gente estiver de pé, estaremos dispostos a reconstruir a história desse País. A esperança vai continuar com a gente. Eu prefiro dedicar minha vida, perder ou ganhar – depende do ponto de vista –  minha Juventude nessa militância porque eu sei que vale a pena.”

Na próxima semana, dia 23 de setembro, nossa entrevista será a pré-candidata a vereadora LUANA NEGRALU, do PSOL,  também de Nova Friburgo. Acompanhe em nossas redes sociais.