Por Gabinete de Crise Sociedade Civil, BH

Audiência foi realizada ao longo de oito dias para determinar se ação coletiva movida por 200 mil brasileiros pode ser julgada por um tribunal de Manchester; empresa é sócia majoritária da Samarco juntamente com a Vale.

 

Terminou na quinta-feira 30 de Julho, a audiência de julgamento da ação coletiva movida na justiça inglesa por entidades e 200 mil brasileiros contra a empresa BHP Billiton, proprietária da mineradora Samarco. A ação pede o julgamento da empresa no Reino Unido por danos estimados em R$ 33 bilhões pelo rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, em novembro de 2015.

O processo pode se tornar o maior em termos de vítimas e valores do Reino Unido e a beneficiar brasileiros. O rompimento da barragem do Fundão deixou 19 vítimas, sendo que um dos corpos jamais foi encontrado. Entre Mariana e o mar no Espírito Santo, calcula-se perto de 700 mil atingidos ao longo da bacia hidrográfica do rio Doce, que foi contaminada por uma avalanche de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro. Também foi constatada a presença de metais pesados na lama do desastre.

Os atingidos pelo rompimento são representados pelo escritório de advocacia internacional PGMBM. O escritório alega na ação coletiva que a BHP ignorou os alertas sobre a capacidade da barragem de Fundão, em Bento Rodrigues, pequeno distrito a 35 quilômetros de Mariana e assim, a multinacional, que controla a Samarco junto da Vale, é em última instância responsável pelo caso.

Durante o julgamento do caso, que durou oito dias, a mineradora anglo-australiana BHP pediu que a ação coletiva fosse paralisada ou suspensa, alegando que ela duplica processo já em andamento no Brasil e que as vítimas já têm recebido reparações. A empresa ainda minimizou e classificou como “sem sentido” e “perda de tempo” o processo devido ao maior desastre ambiental da história do Brasil. A notícia causou revolta entre os moradores atingidos.

“Perda de tempo são as reuniões intermináveis com a Fundação Renova, que sempre posterga o direito dos atingidos. São os cinco anos de luta sem obtenção de resultados concretos, vendo vidas se perderem sem conseguir a reparação almejada. Na visão dos atingidos, a ação da Inglaterra se constitui na última esperança de se obter justiça. No Brasil, infelizmente, não há justiça quando se confronta o poder econômico-financeiro, que sempre prevalece”, desabafou à reportagem do Estado de Minas a estudante de direito Mônica dos Santos, de 35 anos, membro da comissão de atingidos de Bento Rodrigues.

A expectativa dos atingidos no Brasil é grande, já que a maioria considera ter sido atendida apenas emergencialmente. “Passados cinco anos, o que se vê é o mesmo que ocorreu na época do rompimento da barragem, quando a BHP alegou que a responsabilidade era toda da Samarco e que ela não tinha como fiscalizar, apesar de deter 50% do capital da empresa”, compara Mônica.

Agora os juízes devem decidir até setembro se acatam e julgam a ação em um tribunal de Manchester. Caso os juízes deem sinal verde para a tramitação do processo, mais sessões são esperadas para determinar responsabilidades e quantificar danos.

Defesa dos atingidos

Para o sócio-administrador do escritório que defende os atingidos, Tom Goodhead, o direito a processar a BHP é nítido. “Temos uma companhia com sede na Inglaterra, que produziu um dano considerável a nossos clientes brasileiros e esses buscam compensação no sistema de Justiça onde está sediada a responsável”, afirma. Entre os argumentos dos advogados do PGMBM, consta que nenhuma das milhares de ações no Brasil chega às mais altas cadeias de responsabilidade da BHP, na Inglaterra e na Austrália, onde estão os reais controladores de todo o grupo e que são o alvo do processo de indenização.

“As empresas controladoras não estavam afastadas dos eventos. Alguns dos executivos sêniores da BHP faziam parte do conselho da Samarco e havia uma linha direta de comando do Grupo BHP no Comitê de Gestão, que aprovou as principais decisões referentes às operações da Samarco”, indica a ação que defende os interesses dos atingidos.

O escritório de advocacia que representa os atingidos também alega que é errado sugerir que as vítimas têm direito a reparação total no Brasil porque a Renova não possui independência e seu esquema de reparações seria lento, burocrático e inadequado, sem ter envolvido adequadamente as vítimas na tomada de decisões.

Para eles, embora a BHP seja responsável pelo colapso da barragem e suas “consequências catastróficas” sob os termos da lei brasileira, as vítimas não têm perspectiva de compensação adequada no Brasil dentro de um prazo razoável. Mais que a simples “reparação emergencial”, muitos dos requerentes buscam indenização por danos físicos e psicológicos, danos à propriedade, custos com mudança e perdas de rendimentos após o desastre, além da falta de abastecimento de água.

A Samarco, a Vale e a BHP Brasil enfrentam uma série de ações judiciais no Brasil sobre o desastre, incluindo uma ação coletiva de 155 bilhões de reais apresentada por procuradores federais. Entretanto, a ação coletiva brasileira foi suspensa, ainda que partes planejem negociar um acordo até 2022.

Reparação?

A tragédia ocorrida em novembro de 2015 se perpetua na luta de 29 mil famílias ao longo do rio Doce, ou 48% dos atingidos, para serem reconhecidos. Segundo o Ministério Público, cerca de 300 mil pessoas não foram nem mesmo cadastradas na plataforma da Fundação Renova e o órgão estima ainda que haja 80 mil atingidos que não se reconhecem como tal.

Os responsáveis estão livres da acusação de homicídio das 19 vítimas do rompimento e aguardam julgamento em liberdade. Samarco, suas proprietárias Vale e BHP Billiton e a empresa de engenharia VogBr, além de nove pessoas responderão apenas por inundação qualificada na justiça brasileira.

Contaminação por metais pesados

O que há tempo é uma realidade para a população de Barra Longa e distritos marianenses, foi confirmado oficialmente com o Estudo de Avaliação de Risco à Saúde Humana (ARSH), publicado em 2019: poeira e solo da região estão contaminados por metais pesados. Foram observadas concentrações danosas à saúde de cádmio, níquel, zinco e cobre. A concentração de cádmio, metal cancerígeno, foi 17 vezes superior à margem de segurança.

O estudo foi realizado em Barra Longa e seus distritos Barretos, Mandioca, Gesteira e Volta da Capela e nos distritos de Bento Rodrigues, Camargos, Ponte do Gama, Paracatu de Baixo, Paracatu de Cima, Pedras, Borba e Campinas, pertencentes a Mariana. Mais avaliações serão realizadas nos municípios de Rio Casca, Rio Doce, Santa Cruz do Escalvado e Governador Valadares.

Em 2017, 11 pessoas já haviam sido diagnosticadas com intoxicação por níquel em Barra Longa, em exames providos numa iniciativa do Instituto Saúde e Sustentabilidade. Elas desenvolveram problemas respiratórios, na pele e transtornos mentais e parte precisará de acompanhamento clínico periódico até o fim da vida.

Em fevereiro de 2019, a Renova afirmou que os moradores de Barra Longa só seriam considerados como atingidos se comprovarem ligação entre os problemas de saúde e o rompimento. A época, juristas criticaram a posição afirmando que o ônus da prova deve ser de quem causou danos, apontando também a disparidade no poder de afetados e das mineradoras para se defenderem.

Representação deficiente

Além disso, o Ministério Público determinou que a Fundação Renova contratasse 21 assessorias técnicas para auxiliar os atingidos no processo de reparação. Parte do problema das famílias em serem reconhecidas advém do fato de que, até hoje, apenas três estão atuando.

O Centro Rosa Fortini, há um ano, assessora moradores dos municípios de Santa Cruz do Escavaldo e Rio Doce e do distrito ponte-novense de São José do Xopotó. Pesca, agricultura e mineração artesanal foram inviabilizadas na região com a contaminação dos rios Gualaxo, Piranga e Doce. Acompanhando de perto a luta pelo reconhecimento dos atingidos, Juliana Veloso, uma das coordenadoras do Centro, afirma se perguntar todos os dias “se há alguma lógica na condução do cadastramento”. “Há pessoas aguardando desde o início do processo, em 2016. Há casos em que, dentro uma mesma família, morando no mesmo terreno, pessoas foram cadastradas e outras não”, lamentou.

Prefeitura de Mariana quer reparação para município

Primeira capital mineira a cidade de Mariana foi a mais arrasada pelo rompimento da Barragem do Fundão, da Samarco, em 2015, que varreu do mapa o distrito de Bento Rodrigues e destruiu boa parte dos distritos de Paracatu de Baixo e Gesteira. Os atingidos dessas localidades aguardam até hoje a construção de novas moradias, com entrega prevista para dezembro deste ano, após uma série de atrasos.

O prefeito de Mariana, Duarte Júnior (Cidadania), foi a Manchester acompanhar o julgamento para mostrar a corte o desejo de que a ação seja julgada no Reino Unido. Em entrevista ao Estado de Minas o prefeito disse que o município foi diretamente atingido, mas não foi ouvido e não participou das principais decisões que norteariam o futuro da sua própria reparação. “O acordo que foi assinado entre o governo federal, governos estaduais, BHP, Vale e Samarco, não respeitou a autonomia dos municípios. Somos atingidos diretos. A BHP foi ao Brasil fazer um acordo sem nos ouvir”, afirmou.

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