FESTIVAIS

 

 

“Foi nos bailes da vida ou num bar em troca de pão, que muita gente boa pôs o pé na profissão.”

 

Nada como um verso cheio de mineirices para ilustrar a alegria de poder contar um pouco da história do Festival Nacional da Canção, que esse ano completa 50 anos. Uma história marcada pela criatividade, músicas, mas acima de tudo, pela resistência  com a qual enfrentou a ditadura governamental, que impôs os olhos cegos e ouvidos surdos à produção artística brasileira durante três décadas, através de um monstro chamado censura. Uma resistência plural que teve que enfrentar também, para se manter vivo, durante cinco décadas, os braços fortes do mercado fonográfico brasileiro e internacional, que apostava numa fórmula fácil de enriquecimento oferecendo produtos de baixa qualidade, mas com grande apelo popular.  Nada contra o popular, mas tudo, contra, a ideia de se massificar um ritmo ou um padrão artístico e cultural, que impeça o individuo de pensar.

E foi assim, resistindo, que o Festival Nacional da Canção atraiu o interesse de milhares de compositores e artistas para o interior das Minas Gerais, tendo como palco principal, a cidadezinha de Boa Esperança com sua beleza ímpar às margens do lago de Furnas.

São tantas músicas, tanta criatividade e histórias, que meio século é pouco para contar, mas na memória de um dos idealizadores do festival, as lembranças estão pulsando, como se meio século fosse apenas um quadro vivo com muitas imagens e recordações.

– “Desde os 15 anos me apaixonei pelos festivais de música. Lembro ainda da televisão ligada na Record e daquelas imagens em preto e branco e da péssima qualidade do som, mas que imprimiam sonhos na minha cabeça de adolescente e, ainda mais, quando minha mãe reclamava: – Não tem nada melhor para ver , não?”.

Essa é apenas  uma das lembranças, do hoje, septuagenário, Glaizer Correa Neves, o idealizador do Festival Nacional da Canção. Com o fim dos festivais na TV aberta, o menino se sentiu sem chão e durante umas férias com a família em Boa Esperança, decidiu que ali nasceria um novo festival de música para o Brasil. E assim foi.

Durante anos, a cidadezinha com pouco mais de 20 mil habitantes passou a receber milhares de pessoas, chegando a mais de 40 mil visitantes, praticamente duas vezes a população do local e, todos, ávidos para ouvir e conhecer os novos compositores. Com todo esse sucesso de público, o festival ganhou as ruas e outras manifestações culturais foram sendo agregadas à festa. Tudo ali mesmo, na praça e as margens do Lago de Furnas, além dos botecos e esquinas.

Mas, nem tudo são flores nessa narrativa, pois houve um período, durante a ditadura militar, que os organizadores tiveram, como toda a classe artística, de se submeter aos fiscais do governo. Os censores analisavam todo o conteúdo e, se não agradasse ao sistema autoritário, recebiam o carimbo de proibido. Naquela época, as inscrições eram feitas em fitas cassetes e com a letra anexada. Todo o material era enviado para São Paulo e muitas dessas composições eram censuradas.

Glaizer lembra de vários casos, mas um deles ficou gravado na memória. Era a canção “O homem que eu amo” , escrita e interpretada por um homem, numa clara declaração de amor homossexual. O resultado não poderia ser outro e um carimbo de censurado de todo tamanho, impediu que a obra fosse levada aos palcos.

Eram tantos casos de censura, que os organizadores criaram uma estratégia. Mesmo correndo riscos, eles levavam  canções censuradas para as apresentações e, caso ganhassem, trocavam os nomes das vencedoras por outras canções aprovadas pelos censores e enviavam os relatórios para os órgãos fiscalizadores em São Paulo.

Glaizer Correa Neves, confundador do Festival Nacional da Canção. Foto acervo pessoal.

“A censura obrigava os compositores a usar a criatividade e, sem dúvida isso contribuiu muito para a qualidade das músicas do nosso festival.”

Fora esses retratos dessa página infeliz da nossa história, o Festival Nacional da Canção seguiu seu ideal de motivador e propagador da cultura brasileira beneficiando vários artistas. A trupe reúne orquestras, grupos de baile, shows acrobáticos, música erudita e é claro e, principalmente, os músicos selecionados, que durante o dia e depois das apresentações ganham um trocado extra dando uma “canja” nos bares da cidade. O Festival Nacional da Canção foi se agigantando, chegando a consumir mais de um milhão e meio de reais para a sua produção e premiação.

De acordo com Glaizer, o impacto na vida dos cidadãos de Boa Esperança foi tão grande com o projeto, que ele decidiu expandir, e com isso, criou um circuito, envolvendo outras cidades da região, mantendo uma das etapas e a final em Boa Esperança. A ideia deu certo e o número de participantes aumentou, incluindo compositores de outros países, mas a regra era clara – as composições teriam que ser na língua portuguesa.

Em uma das edições, por exemplo, um compositor da Ucrânia, conquistou o terceiro lugar. Cantando num português cheio de sotaques. E tem sido assim, em cada edição mais composições de várias partes do mundo têm  chegado e conquistado espaço entre os compositores brasileiros, e em contrapartida, abrindo novos horizontes para a MPB em todos os continentes.

O desafio de manter o festival durante a pandemia

A letalidade do novo coronavírus se tornou uma das principais ameaças para a cultura em todo mundo. Com a necessidade do distanciamento social e da quarentena, milhares de eventos foram cancelados por toda a parte. E não será diferente com O Festival Nacional da Canção. A edição comemorativa dos 50 anos foi cancelada e pela primeira vez na história o evento sofrerá uma interrupção no seu modelo presencial. Mas, se engana quem pensa que essa importante data passará em branco.

Já com várias inscrições realizadas, quando foram decretadas as medidas de isolamento social, os organizadores decidiram criar uma edição especial toda realizada via internet.

A grande festa comemorativa dos 50 anos, que aconteceria nas cidades de Perdões, São Thomé das Letras, Barroso, Coqueiral, Nepomuceno, Três Pontas e Boa Esperança, ficou temporariamente suspensa para 2021. Serão mais de  R$250 mil em prêmios para os compositores.

A premiação da edição especial pela internet será bem mais humilde, mas nesse tempo de escassez de trabalho para os músicos pode ajudar bastante.

A edição especial online acontecerá nos dias 4 e 5 de setembro e será transmitida pelo facebook e youtube do festival. As inscrições são gratuitas e podem ser feitas até o dia 7 de agosto pelo site www.festivalnacionaldacancao.com.br.

Além do cobiçado troféu Lamartine Babo os concorrentes estarão disputando R$15 mil em prêmios. Podem concorrer compositores de qualquer nacionalidade, desde que as músicas sejam interpretadas em português. Não existem restrições a gêneros e ritmos. As composições devem ser inéditas e originais e os vídeos gravados sem efeitos especiais.

 

Confira a seguir, algumas imagens das últimas edições do Fenac


Festival Nacional da Canção

Regulamento Festival Nacional da Canção 2020 – Edição Especial On-Line