MODA

 

 

PorAna Fábia R. de O. F. Martins¹

O que as expressões closed loop economy, craddle-to-craddle process, circular economy têm a ver com os extravagantes brincos em formato de penas negras que a bela, jovem e dinâmica Primeira-Ministra da Nova Zelândia, Jacinda Arden elegantemente portava em um de seus corajosos pronunciamentos durante a grave crise sanitária?

Tudo. O adorno nada banal que lhe caía muito bem, não era confeccionado com penas naturais, mas a partir de uma matéria-prima inusitada e improvável: pneus de bicicleta descartados.

Criado por Ronja Schipper, designer gráfica alemã radicada em Auckland, proprietária do Atelier Re:Purposed, o acessório esgotou por seis vezes em quarenta e oito horas na plataforma de marketplace Felt, destinada a promover artistas e designers neozelandeses que produzem peças com insumos locais, e feitas à mão.

Um autêntico exemplo de como os conceitos contemporâneos de ressignificação, circularidade e sustentabilidade podem e devem fazer parte da agenda da indústria global da moda para se adequar aos novos tempos, e às demandas de um público cada vez mais consciente e engajado.

Reaproveitamento de materiais provenientes de resíduos têxteis, criação de novas peças a partir de descartadas no pós-consumo, dando-lhes outro destino que não os aterros sanitários, onde ficam por anos, e dependendo da fibra têxtil, séculos, este deverá ser o novo mindset, não só para a indústria da moda, mas para toda o setor econômico que, até então, vem extraindo recursos preciosos do planeta sem preocupação em restaurá-los.

Segundo recentes dados da Fundação Ellen Macarthur  menos de 1% de todo o insumo empregado na fabricação de roupas é reciclado e reutilizado dentro do processo produtivo. Como resultado, um caminhão de descartes têxteis do pré e do pós-consumo é despejado em aterros a cada segundo, representando uma perda anual de material de US$ 100 bilhões.

O resíduo têxtil vem se transformando em um dos enormes pesadelos globais, especialmente quando se calcula que noventa e cinco por cento destes rejeitos lançados nos aterros poderiam ser reciclados, segundo levantamento da ONG Pure Waste.

Isto sem falar nos impactos ambientais negativos significativos decorrentes da produção das matérias primas da indústria têxtil, como o algodão tradicional, empregado em 80% da produção, que utiliza intensivamente água e agrotóxicos.

No Brasil, a Política Nacional de Resíduos Sólidos instituída pela Lei nº 12.305/2010, é uma das mais modernas do mundo, trazendo conceitos como desenvolvimento sustentável, ecoeficiência, responsabilidade compartilhada e logística reversa, por exemplo.

Porém, mesmo produzindo mais de 170 mil toneladas de resíduo têxtil anualmente, devido à ausência de uma boa rede de reciclagem, quase a totalidade desse material termina em aterros, colocando o Brasil entre as cinco maiores indústrias têxteis do mundo, mas também no topo daquelas com mais baixo índice de reaproveitamento.

Paradoxalmente, por falta de adequada classificação e separação desse material descartado, somos obrigados a gastar U$ 5,8 milhões na importação de resíduos equivalentes, pois, a obrigatoriedade da logística reversa prevista na lei brasileira não contempla a indústria têxtil, malgrado produtora de volumes alarmantes de lixo.

Mas, ainda há esperança, em especial depois das reflexões forçadas a que fomos submetidos nos últimos meses, por conta da pandemia da COVID-19.

Manifestações de uma nova economia regenerativa começam a ganhar força, em contraposição à degeneração econômica, social e ambiental do planeta que há anos vem embalado pela espiral frenética de um sistema centrado no crescimento a todo custo, para o qual a única métrica válida é o Produto interno Bruto e o aumento de seus percentuais anuais. O assunto é sério e o movimento de desintoxicação do planeta e “descarbonização” da economia em várias frentes só deverá crescer. O “business as usual” será substituído pelo “new normal”, ainda em fase de construção.

Na França, foi aprovada em 10 de fevereiro deste ano, pouco antes da explosão da pandemia, a Lei anti-desperdício por uma economia circular, propositiva de uma mudança total do modelo de produção e consumo, cujas metas ambiciosas incluem, entre outras, a adoção do plástico cem por cento reciclável até 2025, e posterior extinção definitiva do plástico de uso único no país até 2040.

Nesse cenário de crescente conscientização sobre os excessos consumistas, outra tendência importante é o fortalecimento do mercado de revenda de peças, ou roupas de segunda mão, (second hand business). Todos esses movimentos fazem parte do desenho desse novo modelo econômico circular que vem ganhando tração em vários países.

No Brasil, entre 2010 e 2015, o mercado dos chamados popularmente de “brechós”, cresceu 210% (duzentos e dez por cento), sem incluir nestes percentuais o surgimento de várias plataformas digitais de revenda de roupas, calçados e acessórios.

Tendência mundial detectada em relatórios elaborados por agências especializadas, o resale Market, como vem sendo chamado, é impulsionado não só, mas, em grande parte, pela preocupação cada vez maior do consumidor com a sustentabilidade e consumo consciente, o chamado lowsumerism, demonstrando importantes mudanças no comportamento de compra, em especial entre o público mais jovem das gerações Y e Z.

Com a expansão do mercado, surgem as grandes oportunidades de negócios.

Objetivando entrar com força no mercado de roupas de segunda mão, oferecer mais opções aos clientes de suas lojas, e também embarcar na tendência da sustentabilidade, a gigante do varejo, Walmart fechou acordo cujos termos não revela, com o site de resale ThredUp, ampliando as opções de produtos da rede, o que reforça a importância que o segmento vem rapidamente ganhando.

Em Curitiba, a startup Voit nascida do dinamismo dos jovens sócios Gustavo Bakai, Marco Cazarim e Thiago Paz, se tornou a primeira plataforma digital de marketplace no Brasil inteiramente focada no mercado second hand para artigos de esporte.

Comprometida com adoção dos princípios da economia circular voltados à moda, e alinhada com o ODS 12 da ONU, que trata de produção e consumo responsável, a empresa vem demonstrando que é possível empreender com propósito, preocupação em criar verdadeiro impacto social e ambiental positivos, e não somente administrar os danos.

Por mais iniciativas transformadoras. #economiacircular


¹ Advogada, Especialista em Direito, Negócios Internacionais e Moda.