Por Fabiana Reinholz e Katia Marko/Brasil de Fato

Em entrevista sobre participação das mulheres indígenas na política, liderança fala sobre a situação crítica das aldeias

Sônia Guajajara nasceu Sônia Bone, na Terra Indígena de Araribóia, no Maranhão. Desde muito cedo entendeu que precisava lutar contra o anonimato, contra a invisibilidade dos povos indígenas. “Todo tempo eu queria encontrar um rumo, um jeito de como trazer essa história e essa vida dos povos indígenas para um conhecimento da sociedade.”

Sônia é professora do ensino fundamental, auxiliar de enfermagem, liderança indígena feminista. Mas a sua força e coragem lhe levaram a alçar voos maiores, chegando a ser a primeira mulher indígena a concorrer numa chapa à presidência da República, em 2018, aos 44 anos.

Com 15 anos, Sônia saiu de casa para estudar em Minas Gerais convidada pela Funai, e hoje é mestra em Cultura e Sociedade pelo Instituto de Humanidades, Artes e Cultura pela Universidade Federal da Bahia. Em 2001 participou do primeiro evento nacional indígena, a pós-conferência da Marcha Indígena, para discutir o Estatuto dos Povos Indígenas em Luziânia, no estado de Goiás.

Também fez história ao entregar o prêmio Moto Serra de Ouro para a senadora Kátia Abreu em defesa do Código Florestal. Em 2012, coordenou a organização do Acampamento Terra Livre na Cúpula dos Povos, contrapondo o evento mundial da Rio +20. E no ano seguinte estava à frente da Semana dos Povos Indígenas e a ocupação do plenário da Câmara e do Palácio do Planalto.

Em quase duas décadas de luta pelos direitos das populações originárias, ocupa cargos de destaque em diferentes organizações e movimentos. Entre eles, a Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (Coapima), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), onde é coordenadora executiva.

Confira a íntegra da entrevista com Sônia Guajajara.

– O que é ser mulher indígena no Brasil?

– Ser mulher indígena no Brasil é você viver um eterno desafio, de fazer a luta, de ocupar os espaços, de protagonizar a própria história. Historicamente foi dito para nós que a gente não poderia ocupar determinados espaços. Por muito tempo as mulheres indígenas ficaram na invisibilidade, fazendo somente trabalhos nas aldeias, o que não deixa de ser importante, porque o trabalho que a gente exerce nas aldeias sempre foi esse papel orientador. Só que chega um momento que a gente acredita que pode fazer muito mais do que isso, que a gente pode também estar assumindo a linha de frente de todas as lutas.

Para nós é desafiador romper essa barreira do sair da aldeia para ocupar esses espaços. Imagina ocupar esses espaços aqui fora, onde há um preconceito, um racismo impregnado, que nunca se venceu, e que em algum momento a gente achou que estava conseguindo avançar… E a gente se depara agora com essa nova luta contra o racismo, contra o preconceito que está cada dia mais expresso na sociedade como um todo.

Então ser mulher indígena é esse desafio permanente de reafirmar a sua cultura, a sua identidade e principalmente o seu gênero.

Marcha das Mulheres Indígenas, Brasília (DF) Set 19. Foto Mídia Ninja

– Em que momento iniciou a militância?

– Eu já nasci militando. A minha vida inteira foi lutando contra esse anonimato, contra essa invisibilidade dos povos indígenas. Todo tempo eu queria encontrar um rumo, um jeito de como trazer essa história e essa vida dos povos indígenas para um conhecimento da sociedade. Porque eu sempre percebi que a história contada sobre os povos indígenas não é uma história real, e ainda no ensino fundamental os livros tratavam, e como tratam até hoje, dos povos indígenas como os povos indígenas de 1500, como povos do passado.

Isso sempre me inquietava muito porque os livros não tratavam, ou não tratam dos povos indígenas hoje, no presente. Porque não tratam dessa violência que existe contra os povos indígenas, dessa disputa por território, sendo que o Estado brasileiro tem uma Constituição federal que garante o direito territorial dos povos indígenas. Claro que esse direito é originário, é antes da Constituição, mas a Constituição reconheceu, escreveu, e esse Estado não implementa essa demarcação dos territórios indígenas.

Há um distanciamento entre a realidade dos povos indígenas, que é de muita luta, muita resistência, e o que a sociedade conhece, ou o que o sistema educacional transmite. Isso gera esse distanciamento, e com isso continuam ainda desconhecendo a sua própria história. Porque quem não conhece a história do Brasil, não conhece a história dos povos indígenas, não conhece a si mesmo.

– É algo que acontece também quando falamos dos povos negros, a história não contada. Por que não conseguimos levar essa história para as escolas? Por que não conseguimos mudar isso?

– A própria base do plano de desenvolvimento do país, a própria base de plano econômico do país é pautada no extermínio desses povos indígenas e da população negra, porque nós sempre fomos vistos como obstáculos, como problemas. O próprio Bolsonaro quando era deputado tem uma fala forte que diz: “competente foi a cavalaria dos Estados Unidos que conseguiu exterminar todos os índios, e hoje eles não têm esse problema”.

É um pensamento totalmente criminoso, mas que vem de todo esse processo criminal de matar todo mundo que atrapalhasse o desenvolvimento. Então teve sempre essa ideia do progresso a partir da morte. Toda essa elite branca, rica, sempre no comando do país, nunca vai dar oportunidade para poder se discutir essa diversidade no Brasil, para discutir essa presença de povos, culturas e territórios diversificados.

Então, por mais que a gente faça essa luta, essa resistência, movimento indígena, movimento negro, mais a gente continua sendo invisibilizado. A nossa vida continua sendo totalmente secundarizada, os direitos sendo totalmente atacados ou retirados quando se consegue um pouco. Tudo isso contribui para que essa elite que está no poder, no comando, continue a dizer o que é que faz e o que não faz. Historicamente foi dito para nós qual era nosso lugar, nosso limite. E nós fazemos essa luta porque somos teimosos, resistentes, e não vamos aceitar esse sistema opressor, essa dominação permanente, não vamos aceitar essa imposição.

E por mais que nosso povo continue morrendo, está morrendo na luta. Por isso que eu digo que sempre estive na luta, na linha de frente. Desde quando estava na cartilha do abc, tinha essa inquietude comigo de que eu não podia ficar ali vendo, assistindo tudo isso sem reagir. O tempo foi passando, assumi o movimento indígena no estado do Maranhão por dois mandatos, depois assumi o momento indígena na Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira , depois na Articulação dos Povos Indígenas do Brasil . É uma história de lutas e desafios, mas também de muita coragem, porque tudo que foi dito que a gente não podia fazer, fomos rompendo essas barreiras e vamos tomando esses espaços.

Vim do território, passei pelo estado, pela Amazônia, pelo nacional, e ali assumi outro lugar, na disputa eleitoral, que ultrapassou só os limites da luta indígena. Chegamos nessa disputa pela primeira vez na história, foram 518 anos para acontecer isso, e para nós foi muito significativo.

– Essa eleição foi a primeira após o golpe de 2016, que tirou a presidenta Dilma e que, visivelmente, foi também um golpe misógino. E hoje pesquisas demonstram o ataque preconceituoso contra as mulheres, tanto na grande imprensa como através do “gabinete do ódio” nas redes sociais. Nesse sentido como você avalia a participação da mulher na política e por que ainda é tão baixa no Brasil?

– Realmente é ainda um número bem pequeno de mulheres ocupando a política, tendo em vista que as mulheres têm assumido o protagonismo de diversas lutas. Mas acho que conseguimos dar um salto nos últimos anos. Apesar de ainda ter muito a ser feito para a mulher ser reconhecida na igualdade de capacidades.

Ainda hoje é lamentável a gente ver como muitas pessoas deixam de votar ou de confiar na mulher por ser mulher, porque sempre acha que é lugar para os homens. É o machismo ainda totalmente aflorado que está muito presente, e é esse machismo que fala muito mais alto na hora das escolhas, de eleger seus representantes. É uma triste realidade, mas é assim que acontece ainda. E acho que precisamos lutar muito contra esse machismo para podermos estar cada vez mais assumindo esses espaços.

Além do machismo, a disputa acaba sendo muito injusta, muito desleal na própria campanha, as pessoas votam muito por agrado, com voto pago. Eu penso que nós mulheres, quando a gente entra, a gente que vem de movimentos sociais, dessa frente de resistência, a gente que vem principalmente das esquerdas, a gente vem para fazer o diferencial. A gente vem para mudar essa forma de fazer política. E todas as mulheres que vêm desse campo, vem com esse pensamento, de mudar esta forma de fazer política. E as pessoas estão muito habituadas, acostumadas a poder dar o voto em troca de alguma coisa, e por não fazer isso, diminui ainda mais esses votos que seriam para eleger essas mulheres.

Jornada Sangue Indígena #NenhumaGotaMais, Noruega, Oct 19. Foto Mídia Ninja

– E dentro dos partidos têm incentivo?

– Tem o incentivo, mas eu acho que ainda é muito tímido. Ainda há uma priorização dentro dos partidos por quem tem mais experiência, ou por quem tem mais, talvez, amizades. E geralmente quem tem mais experiência são os homens porque eles é que estiveram sempre, em toda história, ocupando esses lugares, nós mulheres ainda somos ainda bem poucas com essa experiência na vida política. Então nessa hora de escolher quem é a prioridade nos partidos, geralmente ainda são os homens. São poucos os partidos que trazem as mulheres para esse campo da prioridade.

Com isso, já vimos várias pesquisas que mostram ao final das eleições que muitas mulheres são utilizadas só para compor, para complementar cotas. Precisamos ainda discutir muito isso, para as mulheres não aceitarem lançar suas candidaturas somente para complementar cotas, mas para que de fato elas sejam prioridades, tenham incentivo e tenham como fazer uma campanha igual a dos outros.

A minha candidatura com o Guilherme Boulos foi muito justa, muito compartilhada, até porque assumimos ali uma candidatura que não era uma candidatura de quem é mais ou menos. É claro que o próprio sistema político obriga você a ter que lançar a candidatura com cabeça, com vice e tal. Mas a gente adotou a co-candidatura. Isso foi assumido internamente no partido. Fizemos uma campanha totalmente compartilhada, agenda compartilhada, eu com toda autonomia de fazer a minha agenda, com o recurso que estava destinado para as mulheres. Foi uma experiência bem diferente, tanto da co-candidatura, como a forma como foram utilizados os recursos para facilitar essa autonomia na agenda.

– A extrema-direita tem imposto suas pautas fascistas, conservadoras. Como isso reflete nas comunidades indígenas?

– É uma preocupação muito grande. Esse conservadorismo cresce e cresce para todo lado. E a gente não está isento de todo esse processo. Hoje temos um trânsito muito grande de indígenas que vêm na cidade, que transitam na cidade, que têm acesso à comunicação, que têm mais acesso à internet, e é claro que tudo isso acaba influenciando bastante também na formação de opinião onde quer que a gente esteja.

Nós temos nesse momento, eu não sei se duas situações extremas, mas acho que estamos em um paralelo, porque ao mesmo tempo que cresce o conservadorismo e chega também nas aldeias, nós, mulheres indígenas, estamos rompendo muitas barreiras e estamos saindo desse espaço aldeia e chegando a ocupar outros espaços externos. Um exemplo grande disso foi que no ano passado realizamos a primeira Marcha das Mulheres Indígenas, que aconteceu em Brasília Foi a primeira marcha das mulheres indígenas no mundo, e que está servindo de exemplo até agora para inspirar outras mulheres, de outros continentes, que também querem fazer a sua marcha.

Fizemos a marcha para mostrar que estamos juntos, que queremos lutar junto, e que não íamos aguentar de forma alguma, silenciada, essa política genocida do governo Bolsonaro. A marcha foi uma reação a todo esse retrocesso e esse fascismo instalado.

A marcha só foi possível porque várias outras mulheres já ultrapassaram essas barreiras e estão assumindo lugares também de comando. Nós temos, na Amazônia Brasileira, a Nara Baré, que foi a primeira mulher a assumir a coordenação geral da Coiab. Foi um trabalho longo, de 10 anos. A entidade já tem 31 anos e só em 2017 conseguimos colocar uma mulher na coordenação geral.

Aqui no Maranhão, na organização indígena do nosso estado, a Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (Coapimba), na eleição passada, em uma coordenação de quatro, colocamos três mulheres e um homem, e esse homem era o secretário, que era exatamente o papel dado a nós, mulheres, para assumir qualquer espaço nas coordenações.

E na última eleição realizada em fevereiro colocamos dois homens e duas mulheres, e as mulheres na função de coordenadora geral e vice-coordenadora. E eu assumo a coordenação geral na Apib.

Esse conjunto de mulheres assumindo vários espaços em articulação com várias outras mulheres que assumem funções importantes na educação, na saúde, na cultura e no próprio fazer comunitário, nos possibilitou realizar essa marcha, e com isso motivar muitas mulheres também a chegar mais junto, mais perto. Todas as quatro ou cinco mil mulheres que chegaram na marcha, todas elas voltaram com esse sentimento de que não seriam mais as mesmas, e que a gente precisa assumir esse comando.

Por um lado, cresce o conservadorismo, mas para nós mulheres indígenas chegou o nosso momento, e estamos na linha de frente.


Com Cacique Raoni, Encontro Mebengokrê no Xingu Jan 20 – Foto Mídia Ninja

– Estamos vivendo também muito retrocesso na questão de direitos conquistados pelos indígenas. E também um grande avanço da mineração nos territórios indígenas. Como a Apib está vendo toda essa situação ?

– É realmente um momento muito traumático que estamos vivendo, talvez um dos piores momentos de toda nossa história. Porque você junta agora essa crise sanitária, essa preocupação com a pandemia que está assustando demais todo mundo, e a gente larga o que está fazendo, o combate para conter essas invasões históricas que acontecem nos territórios indígenas. E a gente para um pouco para poder olhar para a pandemia, como combater e controlar esse novo coronavírus.

Mas a gente começa a se dar conta que não dá para parar todas as outras coisas, porque os invasores não param, a bancada ruralista não para, e principalmente querem se aproveitar desse momento para fortalecer as suas alianças com todos esses setores, da indústria madeireira, do agronegócio, da mineração, para aprovar leis que beneficiam esses aliados.

Ao mesmo tempo que a gente precisa estar aqui, buscando formas, estratégias, medidas para evitar uma maior contaminação nos povos indígenas pelo coronavírus, temos que estar aqui também o tempo todo olhando esses ataques todos que estão em curso, para evitar que a soma disso seja o extermínio dos povos indígenas. Enquanto nós estamos fazendo a quarentena e orientando o isolamento social nas aldeias, nos territórios, os invasores estão trabalhando 24 horas.

E com isso a gente vê um aumento gigantesco do desmatamento. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostrou que da metade de março à metade de abril houve aumento de 29,9% do desmatamento geral. Quando tu faz o recorte nas terras indígenas foi um aumento de um pouco mais de 50% do desmatamento dos territórios indígenas, comparando com o mesmo período do ano passado. Na terra indígena Yanomami, em Roraima, tem 20 mil garimpeiros ali dentro.

Como fazer para retirar esses invasores? E aí claro que a preocupação é retirar esses invasores por conta mesmo da destruição que eles provocam, como também o risco de contaminação, sendo que todos eles são vetores reais de risco de contaminação para os povos indígenas. É um momento muito grave da nossa história, onde exige de nós um esforço dobrado para evitarmos um novo genocídio dos povos indígenas.

– Como está a situação da pandemia nas aldeias indígenas, como estão lidando com ela?

– Está todo mundo sentindo, muita gente já sofrendo com tantas vidas perdidas, e nós indígenas estamos muito aflitos com o quanto ela está crescendo nos povos indígenas.

Eu quero trazer agora os números atualizados porque nós criamos um comitê nacional pela vida e memória indígena. Esse comitê é composto por lideranças indígenas das cinco regiões do país e por colaboradores voluntários que estão ajudando a apurar e a sistematizar esses dados. É absurdamente inaceitável o que a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) está fazendo que não está contabilizando todos os óbitos indígenas, e não está dando conta de fazer como se nega a fazer mesmo com as informações levadas para ela.

Quero ressaltar duas coisas, uma é o comparativo desses dados nossos com os da SESAI, e queremos de alguma forma insistir que o estado brasileiro reconheça oficialmente esses dados levantados pelo movimento indígena, não dá para manter essa situação no anonimato como se estivesse tudo bem ou como se não tivesse óbito entre os indígenas

Números registrados pelo nosso comitê: No dia 6 de junho, 236 indígenas falecidos, 2390 infectados e são 93 povos atingidos. Pela SESAI são 79 óbitos, 1965 infectados. A preocupação maior e a situação mais grave está na Amazônia e em especial no estado do Amazonas, o estado em colapso e com maior óbito de povos indígenas.

Eles (SESAI) inicialmente se negavam a registrar os indígenas que estão em contexto urbano, que não moram nas aldeias, só que agora a gente vê que eles não estão registrando é nada, de lugar nenhum, porque mesmo quando o Distrito Sanitários Especiais Indígenas (DISEI) declara o óbito, esse caso não está sendo alimentado no boletim da SESAI. E o que a gente sabe é que o secretário da SESAI está orientando os DISEIS a não divulgarem esses dados, declarar publicamente, enquanto não for aprovado pelo jurídico da SESAI em Brasília. Isso é um absurdo sem tamanho, outras coisas que eles estão fazendo é orientando os DISEIS a não receber nenhum tipo de ajuda que venha de organizações não governamentais ou mesmo do movimento indígena. A COIAB teve uma iniciativa aqui na Amazônia de ajudar as Casas de Assistência à Saúde Indígenas (CASAIS) e com isso mandou um pequeno recurso para cada uma delas comprar Equipamento de Proteção Individual (EPIs) para os profissionais da Saúde e algumas dessas casas estavam dizendo que não podiam receber porque tinham orientação do DISEI. Agora você imagina o que representa isso, para nós só fica uma coisa, a institucionalização do genocídio indígena, negar apoio, nesse momento, dessas parcerias é totalmente inaceitável.

O povo Kokama, no Amazonas, está todo o dia pedindo socorro, chorando. O primeiro caso de indígena infectado no Amazonas foi de uma jovem de 20 anos do povo Kokama, no dia 25 de março, contaminada por um médico e isso se alastrou pelo estado inteiro.

Se o Estado brasileiro, se a SESAI quisesse poderia logo no início ter instalado barreira sanitária ali e evitado essa proliferação, mas não se fez naquele momento, não se fez até agora e continua sem vontade de fazer.

– E qual a sua visão pós-pandemia? Estão ocorrendo vários debates sobre modelo de desenvolvimento no mundo, porque essa pandemia não vem do nada, é fruto de um sistema de vida, de uma forma de cuidar, ou descuidar do planeta. O líder indígena Ailton Krenak fala que precisamos de menos desenvolvimento e mais envolvimento com o ser humano, com a mãe Terra…

– Com certeza, a gente vem dizendo há tempos, se o mundo não parou para escutar os alertas que a Terra vinha dando, a Terra parou o mundo para se fazer escutar. E é exatamente nesse momento que a gente está, de dizer que lições que a gente pode tirar dessa pandemia. Cresceu uma rede de solidariedade das pessoas. Muitas pessoas que acham que são autossuficientes, que estão na cidade e dependem só do que compram no supermercado, começam a entender que tem hora que você mesmo tendo dinheiro não vai ter como comprar, o que comprar. Esse momento pode ser uma oportunidade para muitas pessoas entenderem que é preciso mudar as suas formas de consumo, que quanto mais você consome desenfreadamente mais você está contribuindo com a degradação do planeta, para o fim do planeta.

As pessoas têm que repensar as suas formas de consumo, tem que entender que o individualismo precisa acabar, que temos que adotar formas coletivas de fazer as coisas, fortalecer os trabalhos em redes. E principalmente assumir a sua responsabilidade nessa luta pela mudança do modelo de desenvolvimento econômico, esse modelo precisa ser rompido urgentemente, e somente nós indígenas ou ambientalistas não vamos conseguir fazer essa pressão para essa mudança acontecer. É preciso muito mais envolvimento, engajamento. É preciso que a comunicação viabilize mais isso. É preciso que os movimentos sociais de outras causas assumam isso também como sua causa, para que a gente de fato possa considerar uma nova sociedade, mais justa, fraterna, solidária. Para isso as lutas têm que ser mais coletivas, a conscientização mais política e ecológica, entendendo que é preciso fazer outra conexão, ou uma reconexão com a mãe terra, e entender exatamente que é a mãe terra que garante o sustento e a vida no planeta.

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