CINEMA

 

 

Em 2019, tive a oportunidade de me aprofundar e conhecer uma variedade de produções e narrativas da cinematografia afro-brasileira e isso ocorreu durante o curso que fiz de “Cinema e Direitos Humanos” promovido pela ASBRINC (Associação Brincar e Viver) e pelo Ponto de Cultura Cine Floresta Nossa, em parceria com a Escola de Comunicação da UFRJ, e foi nesse encontro que conheci o Clementino Jr., um cineasta extremamente ativo e narrador talentoso que durante algumas aulas trouxe um panorama rico e pouco difundido do cinema negro. E não tinha como não se encantar com a riqueza das produções apresentadas por ele em cada aula, filmes como por exemplo a “Alma no Olho” do cineasta Zózimo Bulbul, o filme “Cores e Botas” da diretora Juliana vicente, além das produções independentes do Cineclube Atlântico Negro, são todos uma joia do cinema afro-brasileiro que tratam de temas que não são abordados de um modo geral pelo cinema nacional e que também não ganham espaço nos cinemas, porém, da mesma maneira que tive o privilégio de conhecer, compartilho com vocês um pouco do olhar desses cineastas.

Essa trajetória do Clementino que envolve o cinema, o cineclubismo e a educação, tem início no final da década de 1990, quando vai para Washington DC, após receber um convite de um amigo Haitiano de seus pais, dos anos 60, que naquela altura se tornará o embaixador do Haiti nos EUA, e seu sonho de se tornar um cineasta entra em curso, quando ele se depara com uma mostra de cinema africano que ocorria no Smithsonian National Museum of African American History & Culture, uma sessão que segundo ele, lhe fez realmente trilhar esse caminho.

“Pela primeira vez assisti um longa realizado e escrito por um africano negro, Ousmane Sembene. O filme era Guelwaar e essa tarde marcou minha vida. Esse filme senegalês era falado em Wolofe francês, e legendado em inglês. Além do volume de informações idiomáticas, a narrativa daquele que muitos consideravam o “pai do cinema africano” me afetou profundamente. Pela primeira vez via a cultura muçulmana sendo tratada de maneira não criminosa, diferente do cinema que eu tinha acesso, bem como dos telejornais brasileiros. Vi também uma outra maneira de debater os problemas do continente africano (miséria, doença, subdesenvolvimento) tratados sobre uma nova perspectiva, de maneira crítica, e apresentando a potência desta nação. A partir daquele momento decidi que compartilharia a descoberta do cinema africano, com os brasileiros.”
Clementino Jr.

No mesmo ano dessa viagem (1997), Clementino vai viver e trabalhar com audiovisual em Moçambique e só retornar ao Brasil em 2000, iniciando aqui na terrinha, seus primeiros filmes autorais em animação, mas sem abordar ainda a temática étnico-racial, mas que o levou a participar de vários festivais e a pensar na possibilidade criar um cineclube relacionado ao tema da “cultura negra”. E foi atuando como educador e ministrando uma disciplina no curso de especialização em história e cultura afro-brasileira, da Atlântica Educacional, que ele foi convidado a assumir o Cineclube da ABDeC-RJ (seção da Associação Brasileira de Documentaristas e curta-metragista Nacional, no Rio de Janeiro) que na época, acontecia semanalmente na Fundação Casa de Rui Barbosa, foi esse o momento onde ele começa a exibir os filmes de protagonismo negro, ao qual vinha pesquisando ao longo da sua jornada, já testando a receptividade do público.

“Propus à coordenadora do curso da Atlântica Educacional, fazermos um Cineclube às sextas-feiras à noite, que era véspera dos módulos de imersão em finais de semana, uma vez por mês. As sessões seriam temáticas e dialogariam com a disciplina do dia seguinte. E assim nasceu o CAN – Cineclube Atlântico Negro, na sexta-feira dia 12 de setembro de 2008, exibindo, como pré-estreia, na véspera de seu lançamento na TV pública, o documentário Devoção de Sérgio Sanz, que trata de sincretismo religioso”, diz Clementino.

Foto acervo pessoal Clementino Jr.

Os mares pelo qual o Navio Negreiro do Cinema – apelido do CAN – tem atracado é longa e cheia de realizações, atualmente está sediado no Terreiro Contemporâneo, um centro cultural criado por Rubens Barbot e Gatto Larsen, que abriga companhias de teatro e danças negras e periféricas do Rio de Janeiro. Seu capitão – Clementino Jr. – tem usado o cinema para a educação, trabalhando com a formação crítica online e atuando nas itinerâncias com exibições em escolas, espaços de arte nas diversas periferias da cidade, com o objetivo de formar novos pensadores, realizadores e dessa maneira ampliar seus portos. Nessa jornada o CAN já lançou 26 produções autorais, sendo o longa documentário “O Anjo de Chocolate”, 25 curtas-metragens – entre documentários, ficções e experimental – além de 3 longas-metragens em andamento. Todas essas produções podem ser encontradas no canal do vimeo do Cine Clube Atlântico Negro.

E como Stuart Hall diria: “Todos nós escrevemos e falamos de um lugar e de um tempo em particular, de uma história e de uma cultura que é específica. O que dizemos é sempre ‘no contexto’ em que estamos”. O CAN, segundo Clementino “projeta” as culturas e tradições de matriz africana na tela, para nos permitir a empatia e identificação com nossas possíveis origens, nos ajudando a pensar o nosso futuro. E a partir de hoje, navegaremos a bordo do navio negreiro do cinema, com o capitão Clementino Jr., Cineasta, Cineclubista, Educador Audiovisual, Pesquisador e Doutorando em Educação do GEASur/Unirio, e Fundador do CAN — Cineclube Atlântico Negro, que passa a colaborar com a Pressenza, trazendo um olhar distinto em textos que contribuirão para a formação do nosso caderno semanal de Cultura e Mídia.

Bora navergar!