MÚSICA

 

 

Grandes realizações quase sempre começam com sonhos despretensiosos e, muitas vezes, quando ainda somos crianças. E não foi diferente com o grupo Caipirando – alma carioca de viola. Da fantasia de uma criança do interior, em formar uma dupla caipira com o irmão, fascinada pelo mundo da música, que as rádios de então ecoavam pelo Brasil afora, saiu a semente para criação do grupo de violeiros de Jacarepaguá no Rio de Janeiro, que peregrina pelos centros culturais, fazendas e outros palcos levando o ritmo do homem do campo, que se espalhou pelos quatro cantos do Brasil, a procura de uma vida menos dura  e com mais oportunidades.

Falando assim, parece até que foi fácil, mas não foi. Tanto que o sonho só ganhou forma na segunda geração daquele menino sonhador. Isso mesmo, foi através do filho do Senhor Bonna, um apaixonado pelo rock and roll, que durante um show com sua banda, deu passagem para o velho pai subir ao palco e mostrar ao público, acostumado com as batidas pesadas da guitarra, todo a doçura e lamento da viola caipira.

A partir daí, o sonho da criança, depois de 40 anos, começou a ganhar forma. E nos shows seguintes da banda de rock, começaram os pedidos pela presença do velho Bonna nos palcos.

Nasceu então, a Família Bonna. Um trio composto pelo senhor Bonna, a esposa e o filho roqueiro, Henrique. Veio o primeiro disco, o segundo e o terceiro e o trio começou a se apresentar em vários palcos da capital e em outros municípios do estado do Rio de Janeiro.

E foi num desses shows, na Praça Jacó do Bandolim, em Jacarepaguá, que começaram a chegar pessoas interessadas em conhecer e aprender um pouco mais sobre aquele instrumento e seus acordes ponteados.

De acordo com a literatura disponível, a viola foi o primeiro instrumento de harmonia a entrar no Brasil, trazido pelos jesuítas que tinham a intenção de introduzi-lo nas orquestras que se despontavam nas cerimonias religiosas e nos teatros das grandes cidades. Mas, foi com a expansão da rede ferroviária pelo interior do país, que reuniu trabalhadores de várias partes do mundo, como Itália, Portugal, Espanha e África que ela ganhou destaque. Depois do expediente, grupos de trabalhadores se reuniam em momentos de lazer, e, lá estava a viola, se misturando a outros diversos instrumentos musicais e ganhando cada vez mais adeptos. Bom, mas isso é outra história.

Escola Mirim, a viola contribuindo para a formação integral de crianças e adolescentes.

Voltando para o presente, Henrique Bonna, exímio contador de casos, herança que herdou do pai, nos conta que as pessoas começaram a querer aprender a tocar o instrumento  e com isso, o trabalho foi se expandindo até surgir a ideia de agregar todos aqueles aprendizes e outros, que foram chegando numa orquestra.

Nasce então, em 2010, a Orquestra de Viola Caipirando. No inicio eram poucos,  que foram trazendo outros e aumentando cada vez mais o grupo, que tinha como principal objetivo conhecer e aprender como tocar a viola caipira de 10 cordas.

Formado em música, o professor e maestro, Henrique Bonna preparou a orquestra, escolhendo um repertório do cancioneiro brasileiro e muitos clássicos da MPB que foram adaptados para a viola, além de composições próprias. O grupo hoje, conta com mais de 30 integrantes e uma de suas principais características é a diversidade. São Homens e mulheres de várias etnias e idades, mas com uma paixão em comum – o amor pela viola.

Música é usada para integrar projeto de educação na escola pública

O sonho, que começou com a vontade de se montar uma dupla, acabou ganhando uma proporção muito maior e a orquestra de violeiros começou a atuar também, na formação musical de crianças e jovens, se apresentando gratuitamente em escolas públicas da cidade do Rio de Janeiro.

Henrique e os outros integrantes do grupo começaram então, a perceber que as apresentações despertavam, além, é claro, da curiosidade,  emoções distintas nas crianças.

Foi aí que surgiu a ideia de levar o ensino da viola de 10 cordas para as crianças. E em 2016, a orquestra ganha a sua versão mirim, através de uma parceria com a Escola Municipal Vitor Meireles, na Taquara, zona oeste do Rio.  A ideia central do projeto era ocupar o tempo ocioso das crianças  e adolescentes, contribuindo com o ensino do instrumento para a formação integral dos jovens. As aulas semanais são ministradas pelo maestro Henrique Bonna. E alguns desses jovens já participam das apresentações da orquestra principal, que hoje, conta com instrumentistas de violão, cavaquinho, rabeca, violino, flauta e percussão.

A bandeira do Divino à frente dos foliões.

Projeto resgata tradição da folia de Reis

Em 2019, a Orquestra Caipirando foi uma das atrações da FLIP, em Parati e no seu currículo estão também as apresentações em diversos festivais de música no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Além disso, o grupo mantem um programa de rádio, retransmitido por três emissoras no Rio e em São Paulo , além do canal do youtube.

E já há alguns anos, os integrantes da Orquestra Caipirando realizam o projeto “ Folia de Reis do Sertão Carioca”.

O objetivo desse projeto é resgatar a tradição e a cultura popular da Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro, que na década de 1950, era conhecida como o sertão carioca.

Assim, como nas peregrinações, que acontecem ainda, em muitas cidades do interior do Brasil, os foliões seguem pelas casas de vários condomínios da cidade levando a Bandeira do Divino. Uma representação da visita dos Reis Magos, e dos presentes por eles oferecidos a Jesus,  quando do seu nascimento.  Uma tradição secular, principalmente no interior do Brasil que está ganhando força e renascendo na cidade do Rio de Janeiro. De acordo com Henrique Bonna, a folia de Reis, além do resgate cultural também leva a muitas pessoas a tradição da fé, da religiosidade tão presente na vida dos brasileiros.

A paixão pela manifestação foi tão forte, que a experiencia ganhou um curta metragem- Ponteio – a jornada do Reis-, que mostra a peregrinação dos foliões e o acolhimento da população da cidade a essa expressão de fé e de cultura.