COMUNIDADES

 

 

Desde o início do isolamento social ocasionado pela pandemia do novo coronavírus, o coletivo Academia Transliterária – que pretende protagonizar e difundir a arte/cultura travesti/trans – tem realizado a distribuição de cestas básicas para a população de Belo Horizonte e região metropolitana. A intenção é atender pessoas em situação de maior vulnerabilidade, como a população trans, travestis, profissionais do sexo e pessoas em situação de rua, que ficaram impossibilitados de trabalhar.

A ação faz parte da campanha “Cores e Sabores”, que tem como objetivo a arrecadação, montagem  e distribuição de cestas básicas mais saudáveis, contendo frutas, legumes e verduras. Além disso, a ação tem distribuído itens de higiene pessoal e limpeza, agasalhos e cobertores. Cerca de mil cestas e 25 toneladas de alimentos já foram doados, e existem ainda muitas pessoas na lista de espera.

Segundo o dramaturgo, poeta, pesquisador, e performer João Maria Kaisen – membro-idealizador da Academia Transliterária – “existe uma dificuldade muito grande para as pessoas trans e travestis conseguirem o auxílio emergencial ou cestas básicas da prefeitura, pois muitas delas não possuem documentos, dentre outros fatores. Então é questão de pensar nos nossos, nas nossas, é uma questão de fazer acontecer para que as pessoas se mantenham vivas e com mais dignidade”.  

A Academia TransLiterária

Somos a poesia
de corpo subversivo
e força de luta
que ousa fazer do dia a dia
resistência
nossa existência
e a nossa face
é toda parte
Arte

A Academia Transliterária é um coletivo de artistas que investiga estratégias, estéticas e linguagens artísticas para a difusão e protagonismo da arte/cultura trans e travesti, incluindo também pessoas cisgêneras próximas à pauta. A ideia é ser um espaço de empoderamento da população trans, que muitas vezes é obrigada a viver na marginalidade. O objetivo é que os artistas se tornem protagonistas de suas histórias, e se sintam representados por meio da escrita.

“Nós também contribuímos nesse sentido, de reforçar que pessoas trans e travestis podem ocupar qualquer espaço, tem capacidade de exercer qualquer função, também podem ser artistas, têm esse potencial. E também no sentido de sermos uma representatividade que com certeza faz diferença”, diz João Maria.

A Academia TransLiterária, formada por um núcleo fixo de 13 pessoas, completou 4 anos de existência. O coletivo surgiu através de estudantes do projeto Transveste  – ONG que oferece cursos gratuitos de pré vestibular para a população travesti e transexual de Belo Horizonte.

“Nós sentíamos falta de ter um lugar para a presença da cultura e da arte nas nossas vivências enquanto artistas. Então nos juntamos, fizemos uma inauguração que foi um sarau no viaduto de Santa Teresa e tivemos uma presença expressiva de pessoas LGBTQIA+”.

João Maria acredita ser muito importante que a sociedade veja pessoas trans/ travestis artistas, produzindo eventos. O coletivo possui integrantes de diversas áreas, como o teatro, a literatura, a performance, a dança e as artes visuais.

Foto de Academia Transliterária

Estatísticas de violência, memórias e  afeto

O Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo, e Minas Gerais é o estado que mais mata pessoas trans no país. A expectativa de vida para uma travesti no Brasil é de apenas 35 anos. Dados estatísticos apontam que 87% dos homens trans já pensaram em suicídio ou cometeram o ato.

Para João Maria, a arte pode colaborar no sentido de fortalecer a rede de apoio, de afeto e de contato entre essa população. “Nós temos uma família na Academia TransLiterária, podemos contar umas com as outras, e também reverter esse estigma de que nossos corpes só tem registros estatísticos de violência. Existe uma importância grande em deixar registradas nossas memórias e vivências para esta e para as próximas gerações. Com certeza isso é uma ferramenta de empoderamento”.

O objetivo é mostrar que “pessoas trans travestis não são só estatística de violência tão tristes, que precisamos sempre lembrar. Mas é a vontade de deixar registrado na memória da cultura, da cidade, dos espaços, nosso potencial de criação, de afeto também. Mesmo se um dia não estivermos juntes enquanto coletivo, vamos estar enquanto pessoas que se respeitam,  se amam e se apoiam, com vários registros dentro da arte”, acredita.

Em relação às criações artísticas durante a pandemia, João Maria sente que “dentro do meu trabalho, na poesia, afetou bastante porque eu estou mais cheio, então isso sai no papel quando eu menos espero. Eu sento e consigo ter um volume maior na escrita, nas ideias. Acho que isso tem funcionado muito pra mim e outras pessoas trans/ travestis. A poesia tem sido um escape de ansiedade, de emocional. Acredito que a arte também faz esse papel, e agora mais do que nunca tem sido uma aliada, uma questão terapêutica, se assim posso dizer”.


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