Por Filipe Nunes/Mapa

A febre do Lítio mobilizou um vasto movimento contra a mineração. O Jornal MAPA lança um olhar de norte a sul sobre estes protestos.

O Estado Português anda a vender o território à especulação financeira mundial sob o anúncio de um novo ciclo mineiro. Com o lítio à cabeça, o «desenvolvimento» é prometido pela entrada em força da mineração no Minho, Trás-os-Montes, nas Beiras e Alentejo. Essencialmente uma mineração a céu aberto: altamente agressiva para a paisagem, o meio ambiente, a saúde e os modos de vida das pessoas. Porém, sobretudo no último ano, as populações visadas pela perspectiva de explorações mineiras quebraram o verniz promocional da economia extractivista e o engodo dos governantes.

A dimensão dos protestos contra a mineração é popular, antes mesmo de ser chamada de cidadã ou cívica. Os movimentos gerados por habitantes, vizinhos e compartes cruzam-se com ambientalistas e autarcas das freguesias e municípios. Estes últimos tardiamente solidários quando não obrigados a desempenhar um papel eleitoralista que ultrapassa a sua cor política. Estes movimentos que se iniciaram localmente ganharam em 2019 uma ampla dimensão e estendem-se hoje do interior português à raia fronteiriça com Espanha, do Minho à Galiza, do norte ao centro de Portugal, das Beiras e do Alentejo à Extremadura espanhola.

Aos ouvidos do primeiro-ministro António Costa, numa cerimónia em Viana do Castelo no passado dia 15 de Julho, soaram bem alto os gritos: «Não ao lítio. Vendidos. Portugal não está à venda». A mulher de viva voz, de imediato identificada pela PSP, é um exemplo dos muitos populares que se opõem à exploração de lítio em Portugal. Residente em Vila Praia de Âncora, concelho de Caminha, a sua indignação surgira face à eventual exploração de lítio na Serra d’Arga, mas declarou-a alargada a «qualquer outro ponto do país».

Lúcia Fernandes, socióloga investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e uma das responsáveis do projecto Portugal: Ambiente em Movimento, que mapeou 162 conflitos ambientais desde a década de 1970, referia ao Jornal MAPA como até «2016, a lutas eram dispersas pelo país e por vários tipos de ameaças – feldspato, ouro, petróleo e fracking, caulinos no centro, urânio no centro e em Nisa, amianto – e as pessoas das diferentes lutas não se articularam muito. Somente as lutas do urânio no centro e Alentejo se articularam em meados dos anos 2000. Depois, a luta do petróleo e fracking trouxeram uma coligação regional no Algarve e depois nacional e o apoio de movimentos, associações e pessoas das demais lutas». Na actualidade, nas diversas lutas contra a mineração «os media em vários momentos tem realçado o carácter nacional e a força da luta, o que não é muito vulgar acontecer no país».

Como noticiava o Jornal PÚBLICO em meados de Maio: «de um lado da barricada, está o interesse em avançar com a prospecção geológica do país e a exploração de minérios cuja procura desenhou um movimento ascendente associado à mobilidade eléctrica: o lítio (…) do outro lado deste debate está a necessidade de preservar o património ambiental e natural do país e defender o território e as suas populações. E essa defesa tem ganho cada vez mais força até se transformar já num movimento de âmbito nacional de oposição ao lítio em Portugal».

Por todo o lado: Não à Mina

As primeiras movimentações populares perante a nova vaga lutas mineira, de que o Jornal MAPA tem vindo a dar conta em edições anteriores, situaram-se em Argemela, entre o Fundão e a Covilhã, e em Covas do Barroso, em Trás-os-Montes. Já antes havíamos falado dos protestos contra a Mina da Boa Fé, em Montemor-o-Novo.

Desde 2017 que a população da Aldeia de Barco sai para as ruas perante a ameaça de destruição da Serra da Argemela. Através do Grupo Pela Preservação da Serra da Argemela, «uma plataforma de mobilização social, apartidária» em colaboração com os autarcas locais, conseguiu chamar a atenção nacional para a questão do lítio. A luta que ainda não teve um desfecho definitivo, conseguiu que, em Maio último, o Secretário de Estado da Energia, João Galamba, anunciasse que a concessão a título experimental da empresa PANNN, ligada à portuguesa Almina de Aljustrel, iria ser indeferida, fazendo-a depender de um Estudo de Impacte Ambiental, embora avisando à partida que este será favorável «se houver respeito por todas as exigências ambientais e de ordenamento do território».

O segundo foco maior das lutas contra a mineração de lítio a céu aberto ocorre desde 2018 em Boticas, distrito de Vila Real, através da Associação Unidos em Defesa de Covas do Barroso. Em reacção aos impactes já observáveis depois de iniciados os trabalhos de prospecção da Mina do Barroso pela inglesa Savannah Resources, a população reconheceu que esta apenas avançou aproveitando o desconhecimento inicial dos cerca de 150 residentes que vivem em Romainho, Muro e Covas – as aldeias da Covas do Barroso cujas casas ficam a menos de 500 metros da prevista mina a céu aberto.

Foto SOS Serra D’Arga (@SOSSerraDarga)

Mesmo ao lado de Boticas, decorria em Montalegre simultaneamente um processo semelhante de desinformação junto das populações em torno da mina de Sepeda, freguesias de Sepeda e Morgade. As promessas da empresa portuguesa Lusorecursos, sempre secundadas entusiasticamente pelo município, colocavam a promessa do lítio em Montalegre nos picos do desenvolvimento para o concelho, que tinha sete pedidos de prospecção. Esse encanto quebrou-se nos últimos meses. No passado dia 26 de Maio, a população do Morgade boicotou as eleições europeias em protesto contra a mina de lítio. A GNR foi chamada ao local ao início da manhã, fazendo-se acompanhar de um serralheiro para desbloquear os portões da secção de voto, fechados a cadeado durante a noite. Apesar da abertura das urnas, o boicote manteve-se, tendo votado apenas 4 pessoas dos 328 eleitores inscritos. O sucesso do protesto representou um ponto de viragem na luta e colocou um sério embaraço ao executivo municipal. Actualmente a Assembleia Municipal é declaradamente contra e apenas o presidente vacila na tomada de posição, perante a mobilização das populações de Morgade, Rebordelo e Carvalhais, assim como do restante concelho, atendendo ao alcance do Movimento Contra Exploração de Recursos Minerais no Concelho de Montalegre e da Associação de Defesa Ambiental Montalegre Com Vida.

A defesa das serranias de Montalegre prossegue pelos picos do Gerês para o Alto Minho, onde em 2019 surgiu o grupo Em Defesa da Serra da Peneda e do Soajo (GDSPS). A contestação perante os requerimentos de prospecção da Fortescue para a área de Fojo, que abarca 17 freguesias localizadas nos concelhos de Arcos de Valdevez, Melgaço e Monção, rapidamente alastrou, com os municípios em causa a exigir o indeferimento do requerimento da empresa australiana. A «maior ameaça de sempre à integridade da serra de Soajo, bem como aos vales dos rios Vez e Mouro», conforme refere a petição do GDSPS, segundo a qual isso alteraria todo o «paradigma de desenvolvimento» da região, que tem vindo a assentar no turismo de natureza. A 3 de Maio seria a própria Fortescue a comunicar que desistia da prospecção de lítio na zona de Fojo após uma «análise mais aprofundada».

A australiana Fortscue, mantém, no entanto, no distrito de Braga outros requerimentos de prospecção, como na área denominada Cruto, que abrange os concelhos de Braga, Vila Verde e Barcelos, razão pela qual um grupo de bracarenses deu início, em Junho passado, ao Movimento Anti-lítio de Braga, que pretende alertar para a problemática da extração de lítio em relação à saúde e ao ambiente.

Do Alto Minho para a sua costa atlântica prossegue igualmente o afã de pedidos de prospecção mineira, pelo que já sem surpresa vamos encontrar neste ano o Movimento SOS Serra d’Arga. O local acabou por ser notícia no início de Julho passado perante o anúncio do ministro do Ambiente e da Transição Energética Luís Pedro Matos Fernandes em não permitir a prospecção de lítio nos locais da Rede Natura 2000 – um dado que o abandono da Fortescue das áreas protegidas do Fojo já fazia antever. Excluída a área da Rede Natura, congratularam-se os autarcas de Caminha e Ponte de Lima que, junto com as câmaras de Viana do Castelo e de Vila Nova de Cerveira, se haviam oposto ao projecto. Mas a tranquilidade não se instalou, nem o Movimento SOS Serra d’Arga desarmou. Para lá das áreas protegidas, onde já pouco se pretendia minerar, as prospecções poderão prosseguir nas zonas limítrofes e junto das aldeias, numa área maior do que as zonas ambientais classificadas, esventrando as mesmas montanhas e poluindo os mesmos rios.

Também no centro de Portugal se multiplicaram, no espaço do último ano, os movimentos de oposição à mineração, agora já não apenas reduzidos à Serra de Argemela. Caso do Movimento Contra Mineração Beira Serra, formado em Abril de 2019, que, em manifesto redigido em Seia, se apresenta «como movimento cívico de resistência aos diversos pedidos de prospecção e exploração de lítio e outros minerais no Centro de Portugal». Defendendo «o direito à autodeterminação das comunidades locais a fim de proteger a Vida, a vitalidade das comunidades, a saúde das pessoas, dos animais, das plantas, a qualidade da água, dos solos e do ar, e o direito ao sossego» e exigindo o direito a um «consentimento livre, informado e prévio a qualquer intervenção de mineração». Este grupo está associado ao Movimento Contra Minas de Lítio na Beira Alta, com uma campanha em curso contra a requisição pela Fortescue da área denominada Boa Vista, localizada nos concelhos de Oliveira do Hospital, Tábua, Viseu, Penalva do Castelo, Carregal do Sal, Nelas, Mangualde, Gouveia e Seia.

Complexo industrial da mina de Aljustrel. Fotos Avulso

Um pouco por toda a zona centro, grupos formais e informais vão desenvolvendo estratégias de pressão sobre os municípios e a Direção Geral de Energia e Gologia (DGEG) de forma a serem inviabilizados os requerimentos mineiros. Caso do consórcio INature, que agrega dezenas de agentes em torno do turismo sustentável, e que apelou para que não avancem as autorizações invocando a gestão da paisagem e o equilíbrio do sistema agro-pastoril; ou ainda a plataforma cívica Guardiões da Serra da Estrela.

A estas iniciativas juntou-se, na zona de Viseu, a associação Ambiente nas Zonas Uraníferas (AZU), que junto com a QUERCUS, denunciaram, em conferência de imprensa a 15 de Maio, em Viseu, a «camuflagem das reais intenções das empresas que requerem licenças de prospecção e pesquisa, ou das que já possuem contrato de concessão de exploração, na tentativa de passarem despercebidas sob a alçada do lítio, com total omissão de informação às populações e às autarquias.» António Minhoto, da AZU e antigo funcionário da extinta Empresa Nacional de Urânio na Urgeiriça (Nelas), recordou que ainda estamos a tentar resolver problemas graves do passado: «no que respeita à exploração de urânio em Portugal, ainda estamos com minas abertas, em alguns casos abandonadas há 40 anos».

Mais a sul, no Alentejo, as lutas contra a exploração mineira na Serra de Monfurado ressurgiram quatro anos depois de um grupo de residentes em Montemor-o-Novo e Évora ter posto em marcha uma empenhada luta contra a mina de ouro da Boa Fé. A aprovação condicionada do projecto da Colt Resources foi posteriormente anulada em 2017, após insolvência da empresa. Agora nova ameaça paira sobre Monfurado: em finais de Maio, uma nova concessão de prospecção foi atribuída à Exchange Minerals Ltd., do Dubai, na zona da Boa Fé e numa área mais vasta de 400 km2 entre Évora, Montemor-o-Novo e Vendas Novas.

Também em Grândola a contestação começou a surgir em Julho passado com as prospecções a decorrerem em importantes manchas de montado pelo projecto da Mina da Lagoa Salgada, focado nas pirites de cobre e zinco. Liderado pela canadiana Redcorp, a partir de um consórcio com a estatal EXMIN/EDM – Empresa de Desenvolvimento Mineiro, abrange uma área entre os concelhos de Grândola, Alcácer do Sal e Ferreira do Alentejo.

Por fim, no Algarve, também uma das mais prolongadas lutas anti mineração iniciadas em 1996 contra a exploração de feldspato na Serra de Monchique, através da associação A Nossa Terra e do Movimento contra a Extração Mineira em Monchique, com o apoio do município e que obtivera em 2017 o parecer negativo à mina da Sifucel, na Corte Pequena, estará a ressuscitar numa nova frente: a continuação ilegal desde há 15 anos da extracção de pedra na Pedreira Palmeira II, por cima das Caldas de Monchique.

Perante esta generalizada onda de protestos, diversas associações ambientalistas locais juntaram a sua voz, tal como fizeram associações que se destacaram na luta contra a exploração do petróleo e gás, como a algarvia ASMAA, com a campanha «Portugal diz não ao lítio». No que respeita às duas maiores associações ambientalistas institucionalizadas, a QUERCUS e a ZERO, duas posturas distintas foram assumidas.

À boleia da agitação, a QUERCUS lançou, em Junho, o Movimento Alerta Lítio para «unir todos os que estão contra a exploração, mobilizando forças em acções de combate com expressão nacional, demonstrando e expondo as estratégias sombrias utilizadas pelas empresas para dividir as populações e promover a desmobilização». Com o objectivo declarado de parar os projectos de exploração de lítio, visam «desfazer a ideia socialmente aceite de que a exploração de lítio é uma questão de mobilidade» e salientar tratar-se de «um problema de mineração, que traz na sua génese todos os impactos ambientais característicos desta actividade». Nesse âmbito, teve lugar a 22 de Junho, em Barco, na Serra da Argemela, um 1º Fórum Nacional de Ambiente e Lítio, que contou com os grupos da Argemela, Guardiões da Serra da Estrela, AZU e representantes de Boticas e Montalegre. Foram frisadas as alternativas na aposta doutras actividades económicas, com destaque para o turismo sustentável, e as exigências de «regras claras e obrigatórias de defesa das populações, do seu modo de vida, da conservação dos valores naturais, ecossistemas e biodiversidade». Assumindo como estratégia a pressão política nacional e local, o Movimento Alerta Lítio reflecte a vontade ainda não formalizada de «constituir uma equipa de representantes, com representação de todos os locais sob ameaça». Similar intenção na criação de uma plataforma solidária entre associações e grupos de protesto fora expressa um mês antes no Encontro Exploração do Lítio em Portugal, que teve lugar a 11 de Maio em Boticas e Covas do Barroso promovido com a Associação Unidos em Defesa de Covas do Barroso e pela galega Contraminacción, Rede contra a Minaría Destrutiva na Galiza.

Por outro lado, a ZERO exigindo a interdição da mineração nas Áreas Classificadas, Protegidas, Sítios de Importância Comunitária e Zonas de Protecção Especial, viu já parte das suas parcas exigências satisfeitas pelo ministro João Pedro Matos Fernandes, ao ser anunciado retirar as áreas sobrepostas aos sítios da Rede Natura 2000. A ZERO subscreve ainda o discurso do governante e da indústria mineira, na defesa do lítio para a descarbonização e a transição energética. Assim, para lá das interdições conservacionistas, limita-se a requerer melhorias na participação pública e estudos de impacte ambiental.

Foto redes sociais UCDB 

Informação e Comunicação

O discurso redondo de «melhorar a ligação com o cidadão» ecoa na contrarresposta da indústria mineira e do Governo. Perante a dimensão dos protestos contra o lítio, o primeiro-ministro António Costa tem argumentado que haverá lugar para a avaliação de impacto ambiental, não para a prospecção, mas já só depois, para a fase de exploração. Uma estratégia que deve ser vista em função das declarações em Março ao jornal PÚBLICO do secretário de Estado da Energia João Galamba, reiterando o interesse do Governo em «viabilizar a entrada de um grande player internacional no sector», incluindo a implementação de unidades fabris em Portugal, avisando: «não queremos correr o risco de lançar um concurso e depois vir a Agência Portuguesa do Ambiente, ou outro organismo do Ordenamento do Território, invocar que naquela área não pode haver prospecção ou exploração. Não queremos esse embaraço». O cenário e o «embaraço» inscrevem-se, como nos refere Lúcia Fernandes, no contexto internacional da corrida ao lítio para o sector automóvel, face à ameaça chinesa em controlar toda a cadeia de valor do sector. Mesmo que os «dados da Mineral Commodity Summaries de 2019 mostrem que França, por exemplo, tem maiores reservas estimadas do que Portugal. Parece-me que nenhum país europeu consegue submeter seus territórios e comunidades às consequências dos processos de extracção e somente Portugal avança para esta corrida».

O enquadramento legal das actividades de mineração permite a atribuição de direitos de avaliação prévia dos terrenos, sem pronúncia decisória das instituições locais e populações, remetidas apenas a uma camuflada consulta pública. Ainda que seja de recordar que mesmo quando as autarquias tinham poder decisório, a alteração dos PDM constituiu um hábil subterfúgio.

«Melhorar a ligação com o cidadão», informação e transparência são os aspectos chave reconhecidos por todas as partes. É por essa razão que essa «comunicação» e «esclarecimentos» surgem predefinidos pela indústria socorrendo-se, tal como o Governo dá a entender, em avaliações ambientais que validem a intenção e não em avaliações que a questionem. Na defesa deste «novo ciclo mineiro para Portugal», Mário Guedes, ex-director-geral de Energia e Geologia, defendia no início de Julho que, sendo a actividade mineira caracterizada «pelo elevado retorno que é dado à economia dos países e áreas onde ocorre, pelos fortes impactes ambientais causados, situação que é aliada à impossibilidade de deslocalização da actividade (uma mina só pode existir num local onde existe o minério), bem como a inevitabilidade do seu fim (…) na decisão de atribuição dos direitos de concessão de uma mina, o Estado tem de estar consciente dos elevados impactes criados, positivos e negativos, bem como o carácter finito da atividade.» Sem refutar os «efeitos negativos, tanto do ponto de vista humano, bem como na própria imagem da indústria mineira», Mário Guedes postula «uma Licença Social para Operar». À semelhança do que já ocorre na América do Sul, uma «validação» sob a «responsabilidade social e consequentemente facilitando a compreensão das comunidades dos impactes da atividade mineira». De acordo com o ex-responsável político afastado por João Galamba, a incompreensão das comunidades por via do «reduzido envolvimento das entidades locais gera normalmente um foco de controvérsia que pode resultar num entrave ao desenvolvimento do projecto mineiro, com consequentes danos para a actividade económica», minando a opinião pública e prejudicando a indústria.

Daí a interrogação expressa pelo geólogo Sérgio Esperancinha, da Universidade de Coimbra, em crónica no jornal PÚBLICO “Lítio: onde está a estratégia nacional de comunicação para as geociências?”. Uma pergunta assente sobre uma convicção de que «a degradação ambiental não é condição intrínseca à indústria extractiva, mas sim consequência de más práticas empresariais e de falta de legislação e/ou fiscalização». Pelo que, não sendo essa a percepção dos portugueses, torna-se necessário «alterá-la» com uma «verdadeira estratégia comunicacional». Exemplifica-o, lamentando o desenlace das lutas contra o petróleo e gás, nas quais os grupos que se opõem à indústria extractiva «organizaram-se, e através das redes sociais, de protestos nas regiões e de dezenas de sessões públicas (onde raramente estiveram técnicos, cientistas ou as empresas) montaram a sua narrativa assente na premissa de que a indústria iria destruir os ecossistemas, poluir os mares e as praias, convencendo populações e autarcas» e, quando «os técnicos da DGEG e ENMC [Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis]tentaram esclarecer, já era tarde demais. Já ninguém queria ouvir e os grupos anti exploração saíram vitoriosos.» Agora, alerta o geólogo com currículo na indústria do petróleo, é a vez da animosidade à prospecção de lítio, acusando as associações e os activistas anti-mineração de que «com motivações diversas criam a narrativa que bem entendem, sem contraditório e rigor científico». Se, para Sérgio Esperancinha, «a degradação ambiental não é condição intrínseca à indústria extrativa», talvez fosse bom recordar as suas palavras em anterior crónica enfatizando que, na exploração de um recurso geológico, «todos! e todos sem excepção, acarretam algum tipo de impacto sobre o planeta» (mais acrescentando que o dado «imperativo» é a «consciência de que a única forma de atingirmos sustentabilidade é a redução drástica do consumo»).

Foto UCBD

A exclusão do território

Ao contrário do que invoca o geólogo da defesa do extractivismo, tem prevalecido sobre os conflitos ecológicos um vasto leque de contraditório científico em torno das questões ambientais. O que começa a desenhar-se agora é um alargar do debate da tónica conservacionista das paisagens e do ambiente para uma perspectiva crítica e política sobre o extractivismo em Portugal. Nesse esforço de análise e correlação tem-se guiado Lúcia Fernandes. Aludindo à Ecologia Política latino-americana de Héctor Alimonda (1949-2017), chama a atenção de como «no contexto latino-americano o estabelecimento de relações de poder que permitem o acesso à natureza, ao território e às decisões sobre seus usos e futuro, nomeadamente parte de elites económicas nacionais e/ou transnacionais, resulta na exclusão da sua disponibilidade e/ou uso desejado para quem já vive e trabalha naquele território». Na América do Sul as «comunidades indígenas, quilombolas, campesinas e outras sofrem e lutam contra processos longos e complexos de exploração, expropriação e exclusão dentro do regime colonial de mais de cinco séculos que levaram ao genocídio físico e cultural e subalternização do território e pessoas/comunidades». Por sua vez, no contexto de Portugal, foi igualmente reconhecida uma deliberada ofensiva sobre «os camponeses e a agricultura familiar e da terra como identidade social pelas políticas desenvolvimentistas do Estado Novo e pelo neoliberalismo a partir dos anos 1980», tal como assinala Paulo Guimarães em conversa nesta edição do Jornal MAPA.

Nas lutas anti-mineração de cada um destes territórios há hoje uma noção de comunidade que é experimentada, ou recuperada, na defesa comum da sua paisagem natural e humana. E há uma percepção, que o Estado Português, os empreendedores da mineração e boa parte dos seus diligentes autarcas ou geólogos não estavam à espera, de que afinal há pessoas nesses lugares recônditos, não só com a alma do lugar, como informadas e activas. Pessoas que surgem em oposição ao crescimento vendido a todo o custo, assumindo que o caminho de um progresso será outro, ainda que mais lento e longe dos desígnios do mercado e da finança mundial. Pessoas para quem qualquer caminho que seja para levar adiante terá de ser um caminho que lhes marque o passo em harmonia com os seus lugares. Mesmo que a passada seja demorada e em construção, esse passo em frente não pedirá a ninguém para saltar para uma cratera mineira a céu aberto. Pessoas que não confiam mais na cega delegação técnica de pareceres e em medidas mitigadoras travestidas de Relatórios Ambientais de orientações prévias. Pessoas – como em Morgade, Montalegre – que não vão votar, porque afinal quando lhes tocam os seus assuntos, ali mesmo na serra, não são tidos nem achados.

Em suma, pessoas que querem ter algo a dizer sobre os lugares onde vivem. A pensar no futuro e nas suas necessidades «ambientais» e não nas necessidades «ambientais» do lítio, sob o desviado argumento de «transição energética» que serve para não questionar o modelo industrial extractivista, aplicando à «urgência climática» o eterno argumento de que todo o progresso tem os seus custos, mesmo que repetidos e conhecidos sejam os impactes da mineração.

A Febre Mineira

No levantamento dos pedidos de prospecção de depósitos minerais entre 2016-2019, que a QUERCUS apresentou em Julho, 38 empresas “diferentes” submeteram 93 requerimentos para 29 tipos de depósitos minerais, metade incidindo no lítio, cobrindo 130 municípios: 19,3% de Portugal continental. Desde 2016, foram 50 pedidos na busca do lítio: 10,1% do território. Em 2019 acentuou-se e à data de Julho já havia 28 requerimentos, com uma área média de 316 km2 cada um, em 87 municípios. À frente desta investida está a australiana Fortescue, representada pelo gabinete de advogados do ex-ministro da Defesa José Pedro Aguiar Branco. Neste ano, que vai a meio, já se somam 22 pedidos com foco no lítio. De acordo com o levantamento (alertalitio.quercus.pt) as zonas mais visadas são Vila Nova de Foz Côa e Montalegre, seguidas por Vila Flor, Guarda, Figueira de Castelo Rodrigo, Ponte de Lima, Viseu, Pinhel, Mêda, Caminha, Viana do Castelo, Boticas, Fundão, Covilhã e São João da Pesqueira.


UCDB, Unidos em Defesa de Covas do Barroso. Fb: Não à mina, Sim à Vida
Fb SOS Serra D’Arga

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