Por APIB

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) apreensiva e indignada pelos rumos da política indigenista do Governo Bolsonaro, marcada pelo desrespeito total à legislação nacional e internacional e o desmonte das distintas instituições e políticas públicas diferenciadas destinadas aos povos indígenas, denuncia o propósito soterrado ou explícito de colocar fim ao subsistema de saúde indígena, conquista histórica oriunda do texto constitucional de 1988, que criou o Sistema Unificado de Saúde (SUS) e da legislação específica subsequente, especialmente a Lei “Lei Arouca” (n° 9.836 de 23 de setembro de 1999), a Lei 12.314/2010 e o Decreto 7.336 de 19 de outubro de 2010 que possibilitaram a criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), além de 4 Conferências Nacionais de Saúde dos Povos Indígenas que  avançaram na definição das diretrizes e propostas de um modelo de atenção diferenciada, isto é, de um subsistema, gestado pela União, no qual deve haver participação dos povos e organizações indígenas no controle social, no planejamento e avaliação do orçamento e das ações.

O governo Bolsonaro, por meio do Ministro da Saúde, Henrique Mandetta, e da Secretaria da SESAI, Silvia Waiãpi, vem, nos últimos meses, anunciando medidas que se tornaram pesadelo e ameaça iminente contra a atenção básica à saúde dos povos e comunidades indígenas.

  1. Propus a Municipalização ou estadualização da saúde indígena, recusada contundentemente pelo movimento indígena.
  2. Empreendeu uma campanha suja de descaracterização do subsistema, justificando o desmonte com o discurso de combate à corrupção, que na verdade é mais uma campanha sistemática de acusações a instituições conveniadas, servidores e funcionários, e tratamento racista e de criminalização de lideranças indígenas. É nesse sentido que circula nos bastidores do Ministério da Saúde/SESAO críticas à contratação de agentes indígenas de saúde pelas prestadoras de serviços em detrimento de ações mais eficazes.
  3. O Governo acabou com o Programa Mais Médico, acarretando falta de assistência em muitas comunidades: falta de equipes, carência de remédios, não realização de exames e falta de remoção de doentes para os centros de referência, entre outros problemas. Situação denunciada recentemente pelos povos do Vale do Javari (AM) e o povo Xavante em Mato Grosso.
  4. A Secretária da SESAI anunciou em visita ao Estado de Roraima mudanças na política de recursos humanos, isto é, na forma de contratação dos profissionais da saúde indígena, em substituição do atual modelo, cuja maioria é feito por meio de convênios. Porém, o GT instituído para discutir também essa questão ainda não publicou os resultados da sua atividade.
  5. O governo substituiu o Programa mais Médicos pelo Programa Médicos pelo Brasil e ao mesmo tempo criou a Agencia para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (ADAPS), instrumento para viabiliza-lo;  na verdade um mecanismo de privatização da Saúde Indígena, pois tudo indica que as contratações a partir de abril serão feitas por essa agencia. Conclusão: a SESAI e os DSEIs passarão a ser apêndices da agencia de direito privado que centralizará a gestão nacional e distrital. Adeus, gestão participativa e controle social na atenção à saúde indígena.
  6. Certamente em função disso, o governo planeja, para os meses de janeiro e fevereiro próximos, férias coletivas para os quatorze mil e quinhentos trabalhadores; logo, aviso prévio para todos no mês de março, e no mês de abril efetuar a rescisão dos contratos, e em seguida realizar chamamento público e abertura  dos novos editais para novas contratações de serviços
  7. A APIB alerta para esse cenário de desassistência total à saúde indígena a partir do mês de janeiro, piorando o atual quadro de desnutrição infantil e mortalidade; a deficiência alimentar e nutricional de adultos; os altos índices de suicídio em várias regiões do país; a precariedade na assistência básica/preventiva nas comunidades; a falta de médicos e de outros profissionais em saúde; o aumento de doenças decorrentes da falta de saneamento básico, as condições desumanas nas Casais, a falta de medicamentos e de logística e infraestrutura.
  8. Tudo isso acontecendo, a despeito de a incerta realização da etapa nacional da VI Conferência Nacional de Saúde Indígena que inicialmente estava prevista para o mês de maio de 2019, depois passou para o mês de agosto, e finalmente postergada para o período 9 a 12 de dezembro. Lembrando que a Conferência prevê discutir, entre outros temas, o modelo de atenção e organização dos serviços de saúde; recursos humanos e gestão de pessoal em contexto intercultural; infraestrutura e saneamento; financiamento; determinantes sociais de saúde; controle social e gestão participativa.

Nos discursos a SESAI mantém a proposta de realizar a Conferência, mas até o momento não demonstra ter um plano objetivo de execução, além de ignorar toda essa pauta. Corre-se, portanto, o risco de a Conferência ser adiada mais uma vez, senão cancelada.

Diante desse ostensivo ataque do governo Bolsonaro à política da saúde indígena, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) chama mais uma vez as suas bases, povos e organizações, para que estejam vigilantes e mobilizados na defesa dos nossos direitos conquistados durante mais de trinta anos com muita luta.

Em memória dos nossos ancestrais e líderes que nos antecederam. Sangue Indígena. Nenhuma gota a mais.

Brasília, DF, 18 de novembro de 2019.

O artigo original pode ser visto aquí