Em um contexto mundial no qual o ressurgimento da extrema direita leva os teóricos contemporâneos a questionarem o fim do método democrático, a América Latina reafirma a democracia e exige e luta pelos seus espaços de expressão e mobilização

AMANDA HARUMY

A experiência democrática da paralisação do dia 21 de novembro na Colômbia reafirma que a América Latina está em movimento. Não é o primeiro ataque neoliberal que os colombianos enfrentam, porém, é a experiência mais democrática. Milhares de pessoas caminharam pelas ruas de todo país, de maneira pacífica e festiva, aos sons de um panelaço que ressoava as insatisfações populares. Na história da Colômbia, uma grande mobilização, pacífica, ampla e democrática significa uma vitória para os movimentos sociais. É importante lembrar que a Colômbia passa por décadas de conflito armado, com grupos insurgentes, que lutam pela desconstrução do status quo. Dessa forma, a luta não é uma novidade no país, contudo a luta pacífica sim.

No dia 24 de novembro, a assinatura do “Acordo final para o fim do conflito e uma paz estável e duradoura”, firmado em Havana, comemorará 3 anos. Essa data marcou o momento em que a sociedade colombiana, a FARC- EP e o governo nacional avançaram em direção à paz. O Acordo de Paz é um grande feito para o país, no entanto a sua implementação é determinante para a construção de uma paz duradoura. Com a eleição de Iván Duque em 2018, a vitalidade do acordo foi colocada em questão. O então candidato, afilhado político de Álvaro Uribe, construiu em sua campanha uma narrativa de paralisação do Acordo de Paz. Sua proposta de governo dava continuidade aos governos de Uribe, em que a resposta ao conflito social foi intensificação da guerra. 

Os primeiros anos de gestão de Iván Duque comprovam sua narrativa de campanha: o Estado não promoveu o aprofundamento do acordo. Essa ineficiência em cumprir com as diretrizes determinadas na assinatura comprometem a capacidade transformadora do pacto. O Estado possui o dever de intervir e desconstruir o cenário que alimenta a luta armada, dessa forma a justiça social é determinante para o sucesso do Acordo de Paz. Temas como a questão agrária, participação política, solução do problema das drogas ilícitas ou a realização dos direitos integrais das vítimas do conflito, são de grade importância para o avanço democrático da paz no país. Esses problemas expõe as contradições sociais da Colômbia e se faz necessário pensar em caminhos progressistas, que penetrem nas raízes das adversidades colombianas. Essas respostas devem ser construídas com a sociedade, para que seus benefícios sejam compartilhados de forma comum, o Acordo de Paz foi o primeiro passo de muitos necessários para a justiça social na Colômbia. Todavia, com Duque, o Estado avança como uma desestimulador dos progressos sociais. 

O pacote neoliberal anunciado pelo governo evidencia que as questões centrais do contexto social e político estão sendo esquecidas em nome das medidas de austeridades impostas pelo neoliberalismo. A resposta que a população deu ao governo na greve geral do dia 21 de novembro, fortalece a paz. Mesmo em um cenário, no qual o governo é ineficiente em solucionar as demandas sociais, a mobilização popular, ao contrário do que a oposição caracterizava, foi pacífica. Além disso, foi massiva e alcançou uma amplitude nacional, segundo informações da CUT (Central Unitaria de Trabajadores), mais de 1.100 municípios participaram do ato. 

Outra característica que ilustra a riqueza do ato nacional é sua diversidade temática. Diversos setores da sociedade se uniram contra o governo; são estudantes, artistas, professores, trabalhadores, indígenas e camponeses que marcharam juntos por uma Colômbia mais justa. Após a experiencia da criação da Marcha Patriótica em 2012: um movimento político e social que emergiu nos diálogos de paz e atuou como um guarda chuva de movimentos sociais, de todos aqueles os quais apoiavam a paz, independentemente de suas pautas temáticas, se tornou evidente que a tática de movimento de movimentos é a melhor estratégia para alcançar a amplitude das mobilizações.

A Colômbia nos mostrou isso no último dia 21 de novembro: os movimentos sociais atuaram em conjunto com o objetivo de frear os avanços neoliberais, o movimento dos movimentos legitimou a experiência popular. Dessa maneira, hoje os movimentos não podem ser considerados apenas como pauta identitárias, pois estão mobilizados e organizados em torno de uma proposta ampla e comum.

As experiências populares de 2019 (Equador, Chile, Bolívia e Colômbia) evidenciam a disputa política na América latina e os principais atores nesses cenários são os movimentos sociais. Porém não apenas como atores isolados, mas como a parte viva e em movimento das experiências democráticas das últimas décadas na região. A onda progressista que se iniciou em 1999 com a vitória de Hugo Chávez na Venezuela e que atingiu outros países na região, como Argentina, Brasil, Bolívia, Equador e Uruguai, promoveu experiências de autonomia política, soberania e combate às desigualdades sociais. Nessas décadas, mesmo nos países os quais não se alinharam de forma total à onda progressista, seus movimentos sociais cresceram e amadureceram, pois a conjuntura democrática da região atingiu e promoveu avanços sociais até mesmo em países neoliberais: esse é o caso da Colômbia. 

As políticas progressistas realizadas na região foram, além de econômicas, principalmente democráticas. Essa democracia fortaleceu o movimento social e hoje com o novo avanço do neoliberalismo no continente, esses são os atores que possuem braços para resistir. Em um contexto mundial, no qual o ressurgimento da extrema direita leva os teóricos contemporâneos a questionarem o fim do método democrático, a América Latina reafirma a democracia e exige e luta pelos seus espaços de expressão e mobilização. Pois a política não se constrói apenas de cima para baixo, mas de maneira orgânica – e, dessa forma, com a queda dos governos progressistas, hoje quem reivindica os direitos conquistados e novos avanços sociais é a mobilização popular. 

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