A publicação de uma grande obra de Thomas Piketty, Capital et Idéologie, coloca as desigualdades no centro do debate público. La Vie encontrou-se com o economista e refletiu sobre as soluções que empresas, ONGs e a escola podem oferecer.

A entrevista é de Jean-Pierre Denis e Henrik Lindell, publicada por La Vie, 11-09-2019. A tradução é de André Langer.

Thomas Piketty não se acha superior. Quando recebe La Vie em seu modesto escritório na Escola de Economia de Paris, o pop-star da economia não se superestima. Mas ele poderia. Seu livro anterior, O Capital no século XXI, foi um sucesso estupefaciente após seu lançamento em 2013, a ponto de ser traduzido para 40 idiomas e chegar a 2,5 milhões de leitores. De repente, Piketty tornou-se um dos intelectuais mais importantes do mundo.

Com Capital e Ideologia, o pensador é reincidente. Em mais de 1.200 páginas braudelianas e alertas, apesar da austera precisão das curvas, o autor abraça o tempo longo e o planeta inteiro. Ele se baseia na história, na sociologia e nas ciências políticas para desenvolver uma tese paradoxalmente simples, a ponto de poder ser resumida em poucas palavras, o que é peculiar aos grandes livros: as desigualdades econômicas não existem. Em todo caso, elas não têm nada de natural. Elas resultam das relações de força e das escolhas políticas que procuramos justificar – é o que o autor chama de “ideologia”.

Discussão de salão? Não, porque se desde os anos 1980-1990 a mundialização tirou centenas de milhões de pessoas da pobreza, ela não consegue mais conter o crescimento espetacular das desigualdades. A frustração das classes médias está alimentando o populismo. O sistema só pode quebrar. Mas, estima o autor, outros caminhos são possíveis. Isso o leva a formular propostas radicais e atacar o regime da propriedade com acentos que às vezes evocam a doutrina católica da destinação universal dos bens.

Mas, não se engane. Piketty não tem nada de consensual. Ele derruba muitas falsas verdades. Por exemplo, quando se afirma que os perdedores da mundialização são aqueles que fracassaram em aproveitar as oportunidades da meritocracia e do liberalismo, uma ideia que ele despedaça. Ou quando ataca com mordidas, dados de apoio, o desvio dos partidos socialistas ou democratas, que se tornaram o clube dos vencedores do sistema educacional: depois da “esquerda caviar”, bem-vindo à “esquerda brâmane”.

Por último, mas não menos importante, Piketty é federalista e internacionalista, o que não é muito a música da época. Ele também se mostra um pouco rápido em sua argumentação contra os “desvios identitários”, mas em compensação seu utopismo tem algo de revigorante.

Resolutamente otimista, portanto, Piketty acredita no “progresso humano médio” baseado na expectativa de vida ou no acesso à saúde e à escola. Isso faria alguém como Stefan Zweig rir amargamente, ele que mostrou desde as primeiras páginas de seu livro Autobiografia. O mundo de ontem (1944) [Jorge Zahar, 2014] como o progresso material e técnico poderia se acomodar em um mergulho na mais extrema barbárie.

Ainda podemos, entrando em detalhes – como, aliás, o fizemos –, julgar que esse desenvolvimento não é convincente. “Croquignolette”, por exemplo, é sua tese segundo a qual se escolheu impor o celibato dos padres na Idade Média para favorecer a acumulação de capital em favor da Igreja! Isso não tira quase nada da força do livro e da importância do assunto. Capital e Ideologia divide a época. Será necessário pensar com, mesmo se quisermos pensar contra.

Eis a entrevista.

O senhor se interessa pelas desigualdades desde o início da sua carreira universitária. Mas de maneira mais pessoal, de onde vem essa preocupação? Uma lembrança da infância, talvez?

O trabalho sobre as desigualdades está simplesmente no coração das ciências sociais. Não acho que minhas experiências pessoais tenham tido muito impacto sobre o que estou dizendo. Certamente, posso dizer que tenho sorte de ter sido exposto muito cedo a convicções políticas. Meus avós eram católicos e bem marcados à direita (mas muito simpáticos!), ao passo que meus pais eram inclusive ativistas de extrema esquerda no início dos anos 70. Mas eu nasci em 1971. Tendo completado 18 anos, em 1989, senti-me ficando adulto ao acompanhar pelo rádio ao colapso do bloco soviético. Como estudante, viajei muito pelo Leste Europeu e a Rússia. Eu nunca tive a tentação de me tornar comunista.

Aos 25 anos, eu tinha, sem dúvida, uma convicção mais liberal do que hoje. Eu fui marcado, como muitos outros, pelo desastre comunista. No entanto, isso levou a uma mudança ideológica, que deu origem a outros excessos. Em muito pouco tempo, a Rússia passou do sistema soviético que proibia toda a propriedade privada a uma desigualdade infinita em que os oligarcas se apoderaram do país através dos paraísos fiscais, graças a uma extrema tolerância à falta de transparência financeira. Ainda hoje, essas grandes mudanças ideológicas, que são o assunto do livro, continuam. Minhas pesquisas me tornaram cada vez mais crítico do capitalismo. Agora advogo um socialismo participativo.

Seu trabalho é muito crítico, mas sua filosofia é otimista. O senhor acredita no “progresso humano”, o que não é nada óbvio quando se olha a história do século XX, marcada por incríveis realizações científicas e técnicas, mas também por duas guerras mundiais e vários genocídios…

Sim, sou otimista, não acredito em determinismos históricos, sempre formulados a posteriori, e acredito no progresso. Em momentos de crise política, várias trajetórias são sempre possíveis. O processo de industrialização ocorreu através da escravidão, do colonialismo e da autodestruição genocida das sociedades europeias entre 1914 e 1945. Seria absurdo fingir que essa era a única maneira de levar para onde estamos hoje em termos de educação e saúde.

Eu tiro disso duas lições. Primeiro, que poderíamos ter chegado a isso sem passar pelas fases de regressão civilizacional extremamente violentas. Em segundo lugar, que o progresso humano é muito frágil, que pode ser destruído por falhas desigualitárias e identitárias, como é provável que ocorra agora. É por isso que devemos revisitar constantemente a história. Para que o progresso continue. Um progresso que não é apenas material, porque inclui a educação, o acesso ao conhecimento e à cultura.

Então, vamos revisar a história com o senhor. Toda ideologia tem sua parte de verdade, o senhor explica em seu livro. Mesmo as mais desiguais…

A ideia de que existiam regimes desiguais baseados na força bruta, enquanto as desigualdades atuais se baseariam em critérios aceitáveis de hipermobilidade e de meritocracia, sempre me pareceu um pouco tola. Toda ideologia desigualitária, por exemplo, o sistema do Antigo Regime, contém um fundo de plausibilidade, um ideal a serviço do interesse geral. Cada sociedade tenta dar um sentido à existência humana e à organização social. E assim, cada sociedade precisa mostrar que as desigualdades são agenciadas a serviço do interesse geral e inclusive a serviço dos mais desfavorecidos. E isso nunca é pura hipocrisia.

Vejamos a Revolução Francesa. As fortes desigualdades estatutárias do Antigo Regime, a alta concentração de terras nas mãos da nobreza e da Igreja Católica provocam uma forte insatisfação. Mas realmente não sabemos muito bem como sair pelo alto. A Revolução destruiu a Igreja como prestadora de serviços educacionais e sociais, mas sem realmente substituí-la em seu papel por um Estado social. Atribui-se a ela inclusive uma forma de sacralização da propriedade. Uma sacralização caça a outra. O que dá ao século XIX o que chamo de sociedade proprietarista.

Sua ilustração mais extrema manifesta-se na época da abolição da escravidão, em 1833 no Reino Unido e em 1848 nas colônias francesas. Foi implementada uma compensação integral… para os proprietários. Nenhuma compensação para os escravos, que passaram anos trabalhando sem serem pagos! E na época, isso era óbvio para todos, especialmente para pensadores liberais como Tocqueville. Porque temos muito medo, na ausência de compensação total dos proprietários, de não saber onde parar e acabar questionando a ordem proprietarista.

O historiador austríaco Walter Scheidel sustenta que é, sobretudo, a violência que torna as sociedades mais igualitárias. O senhor, pelo contrário, insiste no papel das reformas pacíficas e no papel das ideias.

A violência não é necessária nem suficiente. Se eu escolhi escrever livros em vez de fazer guerrilhas, é porque tenho a esperança de que o conhecimento e a deliberação racional possam produzir resultados. Certamente, episódios violentos às vezes desempenham um papel redistributivo importante. É o caso da Primeira Guerra Mundial. Mas trazer a redução das desigualdades para o século XX ao efeito cumulativo desse conflito, da revolução bolchevique, da crise da década de 1930 e da Segunda Guerra Mundial seria excessivo. Mesmo se tudo isso tem um papel importante, a verdadeira transformação foi, a princípio, intelectual, ideológica.

Tomemos a Suécia, que até 1911 era muito mais desigual do que os outros países europeus. Entre 1865 e 1911, este país possuía um sistema político incrível: os direitos de voto eram proporcionais à fortuna, à propriedade de cada um. Entre 1815 e 1848 na França, apenas o 1% mais rico podia votar. Mas a Suécia foi muito além. Era possível que os mais ricos tivessem até 100 votos e os menos ricos apenas 1 voto. Ao nível municipal, às vezes, um único indivíduo possuía mais da metade dos votos. Este foi o caso do primeiro-ministro da época. Esse sistema criou contradições no seio de uma população mais instruída que a média da Europa, principalmente graças ao protestantismo, o que levou provavelmente a uma mobilização popular principalmente não violenta.

Os socialdemocratas, que encarnam os mais modestos, chegaram ao poder em 1932 e usaram a capacidade do Estado, projetada para organizar as desigualdades em proporção à fortuna, para colocar o sistema a serviço de um projeto muito diferente. Eles obtêm progressos sociais muito importantes. A lição sueca é clara: não há, de um lado, culturas que adoram a igualdade e, de outro, aquelas que preferem a desigualdade. Se as desigualdades são escolhas ideológicas, os processos políticos podem transformar um regime desigual muito mais rapidamente do que podemos crer.

Isso não impede que o senhor critique profundamente a cegueira dos socialdemocratas.

Hannah Arendt critica os socialdemocratas do período entreguerras por não serem internacionalistas o suficiente, ou apenas em seus discursos. Eles permaneceram trancados no Estado-nação. A ideologia colonialista, inglesa ou francesa, tem um projeto global de capitalismo, assentado em uma base muito hierárquica. O projeto soviético é um messianismo comunista destinado ao grande espaço euroasiático. O projeto nazista é imperial. Os movimentos socialdemocratas, por sua vez, não conseguem assumir essa dobra pós-nacional para regular as forças desencadeadas pelo capitalismo. Esta lição é relevante para nós hoje.

Por quê?

Acreditava-se entre 1950 e 1980 que cada Estado-nação seria capaz de desenvolver um modelo social em seu território. E isso funcionou. A partir da década de 1980, houve a abertura dos fluxos de capital, em parte por boas razões, mas não conseguimos construir padrões coletivos de justiça tributária e de regulamentação financeira. Isso resultou em uma hiper financeirização e em uma perda de soberania.

Os políticos estão ocupados em explicar que apenas as classes populares e médias devem pagar impostos, porque não sabemos o que fazer com as grandes empresas ou as categorias privilegiadas, que são mais ou menos desincumbidas do pagamento de impostos. Isso mina profundamente o contrato social e fiscal sobre o qual o Estado social da era pós-guerra se assenta.

As críticas de Hannah Arendt podem ser reformuladas com relação aos socialdemocratas do pós-Segunda Guerra Mundial e das últimas décadas. Apesar de todos os seus sucessos, eles pensavam na mundialização apenas como livre circulação de bens, serviços e de capitais, sem impostos em comum e sem solidariedade.

O senhor é duro com a esquerda governamental, quer seja americana, britânica ou francesa. Os ataques mais fortes do senhor são contra ela!

Eu também analiso todos os sucessos das sociedades socialdemocratas. O problema é que as esquerdas francesa e inglesa passaram de um sistema em que tudo estava focado na nacionalização para um sistema em que, desde os anos 90, não apenas não há mais nacionalização, mas também não há mais nenhum objetivo de mudança real do sistema. Nem sequer aplicamos os métodos dos socialdemocratas alemães ou suecos. Por exemplo, desde a década de 1950, na Alemanha, metade dos direitos de voto nos conselhos de administração das grandes empresas são para os representantes dos trabalhadores. Na Suécia, é um terço. E isso se aplica também às pequenas e médias empresas.

Mas eu também gostaria de insistir sobre a educação. Nas décadas de 1950, 1960 e 1970, os partidos socialdemocratas atraíram as vozes dos eleitores menos instruídos e daqueles com renda mais baixa e níveis mais baixos de posse patrimonial. Hoje, são as pessoas mais qualificadas que votam neles. Os partidos que apostaram na emancipação através da educação transformaram-se pouco a pouco nos partidos dos vencedores do sistema educacional. Seus dirigentes, nos Estados Unidos e na Europa, são oriundos cada vez mais das melhores universidades e das carreiras mais seletivas. As pessoas que não tiveram o mesmo sucesso educacional, muitas vezes de origens modestas, têm a impressão de uma forma de abandono.

É a traição das elites?

Não acuso a esquerda de complô. Eu observo um fenômeno gradual. Quando o projeto era o do ensino primário, depois o secundário para todos, era mais fácil elaborar e financiar um programa educacional igualitário. Isso foi feito e ajudou a reduzir as desigualdades no período pós-guerra. Não é, pois, a sacralização da propriedade ou da desigualdade que permite o crescimento, mas a difusão dos conhecimentos e dos saberes.

No entanto, a partir da década de 1980, há uma estagnação ou mesmo uma diminuição nos gastos com educação. Isso é compreensível. O nível das contribuições obrigatórias já era alto. E os custos com saúde e previdência continuaram a aumentar por razões quase incontroláveis, relacionados ao aumento da expectativa de vida. Então, quando se faz economias, isso ocorre em parte na educação. Só que, ao mesmo tempo, o acesso ao ensino superior está crescendo. Passamos de 10% da população na década de 1980 para quase 50% hoje em muitos países. Na França, o número de estudantes aumentou 20% desde 2008, mas os recursos não acompanharam este ritmo. O investimento por estudante caiu acentuadamente, algo em torno de 10% nos últimos dez anos.

Para quem está atrás das melhores carreiras, as mais elitistas, as coisas estão indo bem. Mas para aqueles a quem foi prometido o sucesso educacional e que se encontram amontoados em salas de aula mal equipadas e para as carreiras tecnológicas, cujo número de vagas não aumentou, há um abandono. O salário médio dos professores, incluindo bônus, aumenta acentuadamente com o percentual de alunos favorecidos nas instituições onde trabalham. O que foi feito na educação é comparável ao que foi feito no sistema tributário do Antigo Regime, quando os impostos eram distribuídos de maneira pouco transparente. Essa falta de ambição em termos de justiça educacional, fiscal e social alimenta os desvios identitários.

A esquerda abandonou as classes populares em benefício das minorias?

Sinto-me distante desta análise. Nos Estados Unidos, as pessoas explicaram a fuga das classes populares desde a década de 1960 pelo fato de o Partido Democrata ter se ocupado demais com as minorias negras. De fato, desde o fim da segregação, o Partido Republicano, de Nixon em 1972, depois Reagan, e Trump hoje, tentou capitalizar o eleitorado racista ou aqueles que pensavam que se estava fazendo demais para as pessoas negras. É o Partido Republicano que estigmatiza as minorias para prosperar. O mesmo acontece na França com a extrema direita e em boa parte da direita.

O problema não é que a esquerda tenha sido muito “gentil” com os imigrantes: é, antes, porque a direita explorou desavergonhadamente o filão racista pós-colonial. Em segundo lugar, quando comparamos a evolução dos eleitorados socialdemocratas no sentido amplo e o abandono das categorias populares, descobrimos as primeiras tendências nos anos 50 nos Estados Unidos, mas também na Europa, onde a clivagem migratória se desenvolveu muito mais tarde.

Diante disso, eu proponho uma interpretação: antes da questão migratória e identitária, há a questão social. Nós não fizemos uma revisão dos programas de redistribuição, das questões de excesso de propriedade, da justiça tributária e educacional. E é essa falta de ambição social que criou o terreno favorável para movimentos racialistas ou antimigrantes.

Mas o que constatamos, acima de tudo, é a enorme abstenção eleitoral das classes populares. Em todos os países europeus e nos Estados Unidos, a grande diferença entre o período de 1950 a 1980 e o período de 1990 a 2020 é que, no primeiro período, as classes populares eram tão assíduas às eleições quanto as classes mais favorecidas. No segundo período, há um colapso da participação das classes populares em relação às classes privilegiadas. No entanto, se as classes populares realmente tivessem sido tentadas pela oferta “anti-imigrante”, todas elas teriam acorrido às urnas.

Numa época em que as nações se fecham, o senhor defende o internacionalismo. O senhor defende soluções transnacionais para a tributação, o que poucos governos consideram, mesmo em escala europeia. Isso pode parecer quase ingênuo…

Até mesmo o projeto Brexit de Boris Johnson situa-se em uma economia mundializada, inserida no mercado mundial. De fato, vivemos uma época que nunca foi tão internacionalista, mas sofre de falta de imaginação. Seguimos pensando que o regime dos anos 1990 é a única maneira de organizar a mundialização, com tratados de livre circulação de bens, serviços e capitais, e nada em troca. Isso é uma loucura! Esses tratados são desiguais, eles destroem o planeta e produzem ressentimento. Se há uma ideia ingênua e até perigosa, é pensar que a mundialização não pode ser organizada de outra maneira.

Por outro lado, acho que muitas coisas podem ser feitas em escala de Estado-nação. Podemos superar o capitalismo pela propriedade social, isto é, pela distribuição dos direitos de voto nas empresas entre trabalhadores e acionistas. Isso foi feito na Suécia e na Alemanha há meio século. E nos países em questão, as rendas mais altas explodiram menos do que em outros lugares. Mas isso não basta. A França e o Reino Unido poderiam começar a aplicar esse modelo, e a Alemanha e a Suécia poderiam avançar ainda mais, por exemplo, com o teto dos direitos de voto dos acionistas majoritários. Em seguida, mecanismos poderiam ser implementados em nível mundial, país por país.

Do mesmo modo, o imposto progressivo sobre grandes patrimônios deve permitir a circulação da propriedade e do poder. Podemos desenvolvê-lo ao nível de um único país, mesmo se podemos ir mais longe graças à coordenação internacional. No caso francês, cometemos um grande erro com o imposto sobre a fortuna para os investimentos financeiros. Esse imposto, apesar das suas deficiências – por ter sido mal administrado –, era importante. Suas receitas, no entanto, aumentaram cinco vezes desde 1990 (de 1 para 5 bilhões de euros), muito mais rápido que o PIB e os preços dos imóveis. Portanto, a ideia de que os ativos estavam saindo do país não tem nenhuma fundamentação séria, é uma mentira factual.

Como reverter a tendência?

A livre circulação de capitais foi organizada sem nenhum sistema de troca de informações para saber quem é o dono do quê nos diferentes países, sem qualquer regulamentação fiscal ou financeira comum, o que cria uma enorme fragilidade. É uma escolha que deveria ser retomada. Os tratados deveriam ser revogados, o que geralmente acontece na história. Quando, em 2010, Obama ameaçou os suíços de retirar a licença bancária em território americano, caso não transmitissem os nomes dos contribuintes americanos que tinham contas em Genebra, eles cederam rapidamente. Se a França ou a Alemanha tivessem feito o mesmo em relação a Luxemburgo, teríamos dito que violavam os tratados europeus… Salvo que esta é a única maneira de obter o resultado desejado!

A livre circulação de bens e capitais não é ruim por si só. Mas deveria ser um capítulo entre outros nos tratados de codesenvolvimento que incluiriam metas identificáveis, em base a outros critérios, como a justiça tributária e as emissões de carbono. É inteiramente possível. Quando queremos verificações e sanções contra as violações de tratados internacionais, por exemplo, sobre a energia nuclear, sabemos muito bem como fazê-lo. Mas quando se trata de justiça tributária ou climática, não sabemos mais… O Ceta [Acordo Econômico e Comercial de Livre Comércio entre a União Europeia e o Canadá] é uma aberração. Este tratado não estabelece metas de carbono verificáveis e sancionáveis. A Europa poderia ter imposto isso ao Canadá. Receio que nos encontraremos amanhã com saídas desordenadas dos tratados atuais, sem ter pensado no que vem depois.

O senhor contribuiu para um “manifesto pela democratização da Europa”, que defende uma tributação comum. Como avançar rumo a esse objetivo?

Trata-se de convencer as classes populares e médias de que a mundialização pode ser organizada em seu benefício. Mas o caminho a percorrer é enorme. É necessária uma assembleia europeia capaz de adotar medidas fortes de justiça tributária, para impor-se às rendas mais altas, por exemplo, caso contrário, o divórcio se agravará. Para o aniversário do Tratado Elysée (Tratado Franco-Alemão de 1963), Merkel e Macron decidiram criar uma assembleia franco-alemã: 50 deputados alemães e 50 franceses de diferentes grupos políticos para discutir temas comuns, como a defesa. Excelente iniciativa! Mas é necessário propor essa assembleia também à Itália e a todos os países que desejam entrar nela e, acima de tudo, é necessário dar a essa assembleia poderes reais. Por exemplo, sobre a tributação. Agindo assim, não vamos destruir a União Europeia, mas construí-la.

Uma observação para terminar. O senhor é muito crítico com a ação do presidente Macron, tratando-o, entre outras coisas, como “pró-rico”.

É muito factual. O 1% das famílias mais ricas tiveram um aumento do poder de compra de 8% entre 2017 e 2019. O 0,1% teve um aumento de 20%. Portanto, dizer que essa política beneficia os mais ricos me parece ser uma descrição baseada nos fatos. Além disso, ele financiou essa política aumentando os impostos sobre a gasolina e a CSG [Contribuição Social Generalizada] dos aposentados. Pagar mais CSG e impostos no mesmo ano em que você foi informado de que o governo está cortando o imposto sobre as fortunas, como espera que isso acabe?

 

 

 

 

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