Além de listar as propostas concretas também é preciso descrever as raízes da violência e da falta de direitos.

As Formas da Violência

O primeiro equívoco que se comete ao falar sobre violência é referir-se somente a violência física, existem outros tipos de violência como a racial, religiosa, psicológica, sexual e econômica.

Hoje arriscaria dizer que a violência econômica é muito pior do que a violência física, porque é praticada massivamente e é aceita por todos como se fosse algo normal. A exploração de um ser-humano sobre outro no trabalho e no dia-a-dia é um dos principais geradores de violência econômica que depois vai se transformando em violência física.

O segundo equívoco é que os noticiários falam muito da violência policial e da delinquência, mas esquecem-se da violência enraizada num estilo de vida equivocado, buscamos tanto nossa segurança pessoal e a de nossa casa que ficamos cegos a ponto de não ver o que está acontecendo ao redor. Mais ou menos como estas cegonhas que enfiam a cabeça de baixo da terra achando que assim o predador não as está vendo. Estão te vendo sim, você é que não os está vendo. Os bandidos estão te vendo, os policiais estão te vendo, o estado e as instituições estão te vendo. Você é que está como a cegonha, hipnotizado por seus desejos e ilusões enquanto desvia o olhar do que acontece ao seu redor.

Os filmes nacionais cada vez retratam mais e mais a desconfiança que as pessoas tem com as instituições, com os ladrões e a com a própria polícia. É visível que cada um vai se sentindo cada vez mais isolado e sem ter a quem recorrer. Hoje em dia quem não se sente violentado, com medo do futuro, com medo de assaltos, de sequestro, com medo de ficar desempregado, de ficar desamparado, etc. Toda esta competição e esta violência tem raízes culturais que podem ser desatadas por todo aquele que tiver consciência do confuso emaranhado no qual estamos vivendo atualmente. Mas para desatar este nó da violência é necessário conhecer as raízes da violência e conhecer um outro estilo de vida possível para o cidadão comum, este é o estilo de vida da não-violência ativa.

A origem da violência

Qual a origem da violência? Onde ela começa? Para responder de uma forma simples, é assim: tudo começa com o desejo. O desejo do ser humano, traduzido em forma de devaneios ilusórios vai gerando sofrimento mental e o sofrimento mental gera violência. Já dizia um grande sábio, mestre Silo, que vivia nos andes, que quanto mais grosseiros são os desejos, mais violento é o homem.

Existe uma relação direta entre o desejo, o sofrimento e a violência. Se conseguirmos elevar o desejo e superar o sofrimento humano, a violência desapareceria. Mas entra a dúvida e a falta de confiança no próprio destino, será possível superar o sofrimento e produzir uma evolução na consciência a ponto de elevar os nossos desejos? Sim, não só é possível como já foi feito antes. Experiência que pode ser repetida, que pode ser multiplicada em constante evolução na história humana.

Escalas da Violência – pessoal, interpessoal e social

A violência também tem escalas, ou seja, começa a nível interno, dentro de cada um, passa para as relações mais próximas e depois se projeta no todo social. Assim para combater a violência é necessário criar consciência de como atuar em cada um destes níveis. Por exemplo: A Ecologia e o meio ambiente. Desde os anos 80 temos campanhas que explicam como atuar a nível pessoal, interpessoal e social. Hoje existe uma consciência ecológica que não existia nos anos 70. Amanhã existirá uma consciência sobre a paz e a não-violência que ainda não existe hoje. Nessa conscientização estamos trabalhando desde já.

Cada indíviduo vai começar a perceber que a violência que existe no mundo também tem algo a ver com ele, que o desejo de possuir mais e mais objetos, o desejo descomedido de ficar rico sem limites, de ter poder sobre outros e de garantir sua própria segurança a custa da segurança de outros, não funciona. Nunca funcionou em nenhuma parte e só vai piorando a situação geral para todos.

Cada individuo vai perceber que além de cuidar de si mesmo, necessita estender a mão e ajudar um pouco aos que estão a sua volta e que este é o caminho para garantir a sua própria segurança. Cada grupo, cada coletivo terá relações de intercâmbio e não de domínio ou de competição. Os políticos vão deixar de ser corruptos e serão eleitos de forma mais consciente e as empresas vão repartir seus bens de forma participativa com quem trabalha, porque esta é a forma de garantir a segurança de todos a longo prazo.

A sociedade vai instaurar como valor de sobrevivência da humanidade, a não-violência ativa. E existirá uma grande comemoração mundial no dia que todas as armas de destruição massiva e ogivas nucleares forem destruídas. Este é o caminho se quisermos sobreviver como espécie.

Sabemos que não faltará quem nos acuse de ingênuos, mas a história ainda está muito mal escrita porque deram mais valor a violência que destrói do que a paz que constrói. As estatísticas são muito claras e existem muito mais pessoas dispostas a construir um mundo novo do que dispostas a destruir um mundo velho. Estes que pregam a destruição terminam por destruir-se a si mesmos e aos que os rodeiam, terminam sem alma jogados num canto e deixando um rastro de sujeira detrás de si.

Dentro de cada ser humano existe algo maior, que sempre nos guia nos momentos cruciais. Aqueles que não atinam a esta íntima verdade não conseguem evoluir. Esta bússola interior sempre nos guiou nos momentos difíceis nos alertando e nos indicando novos caminhos de evolução.

A “não-violência” organizada, unida e mobilizada constitui a única força capaz de modificar a direção violenta e desumana dos perigosos eventos no mundo atual.  A periculosidade da situação mundial atual e as possíveis conseqüências em um futuro imediato sustentam a urgente necessidade de reclamar e exigir a implementação de ações concretas e imediatas.

A História da Não-violência Ativa
Existe um lado da história que ainda é pouco conhecido, que é a história dos grupos humanos e dos movimentos sociais que geraram profundas transformações pacíficas e/ou não-violentas em toda a humanidade.

Como se defender sem portar armas? Como resistir a violência e a injustiça? Pesquise como fizeram Mahatma Gandhi, Luther king Jr e SILO. Na internet mesmo não faltam vídeos, websites, livros e materiais sobre eles.

 

Estatuto do Desarmamento

No Brasil, quem teve a iniciativa do estatuto do desarmamento não foi o governo federal, foi a sociedade civil organizada, foram os movimentos sociais e as ONG´s. Mas a propaganda da industria de armamentos tinha mais verba, fez uma campanha baseada no medo, disse que tudo era uma armação do governo para desarmar o povo e afinal conseguiu induzir a população a mudar de voto. Recordo que não faltavam e-mails de conteúdo inflamado, infundindo o terror e o medo na população, dizendo que os ladrões iam invadir tua casa se vosse votasse a favor do desarme. Nós ficamos acampados por vários dias no centro de SP, fazendo campanha como podíamos.

Quando vemos projetos para enfraquecer o estatuto do desarmamento, não dá para esquecer que em 2005 todos votamos sobre o comércio de armas letais. E que infelizmente o Brasil tomou uma decisão errada. Parece óbvio, mas vale reforçar que Armas de fogo são armas letais e só servem para uma coisa: matar!

Bancada da Bala e Segurança pública
Policiamento é um dever do estado e a política de segurança pública não pode ser tratada apenas com medidas de vigilância e repressão.  É necessária a prevenção através da justiça social, da Educação e de uma melhor distribuição de renda.

Um maior volume de porte de armas piora consideravelmente a paz social e a segurança pública, basta ver o alto índice de homicídios no Brasil, que é o 2º maior fabricante de armas leves do mundo. E por mais estatísticas que apresentem alguns estudiosos patrocinados pelas industrias de armamentos, a finalidade das armas é tirar vidas, tentar nos convencer que a arma não tem relação direta com as mortes, é no mínimo curioso.

É evidente que o objetivo da “bancada da bala” no congresso é defender os interesses da indústria armamentista, através de uma legislação que permita a lucrativa fabricação e o comércio de armas, sem pensar muito nas vidas que as armas tiram.

Argumentações típicas contra o Estatuto do Desarmamento

Desmontamos o discurso utilizado por quem defende a posse e o porte de armas:

1) Todos temos o direito de nos defender usando armas de fogo?
R.: Todos tem o direito de se defender, mas ninguém tem o direito de matar.
Existem outras formas não-letais de se defender e de lidar com a segurança pública.

E se existissem leis que te dessem o direito de matar a alguém, seriam leis injustas. Se o conceito atual de justiça permite a vingança ou que o estado delete alguém do mapa, este conceito está errado.  Nenhum bem é mais valioso do que a vida humana e nenhum ser humano tem o direito de tirar a vida de outro. O estatuto do desarmamento não está tirando seus direitos, está impedindo que você faça bobagens e evitando que tire a vida de outras pessoas.

2) Se alguém entrar na sua casa você não vai reagir?
R.: Óbvio que não. Reagir só piora as coisas.

Se quero reagir, tenho que começar a prevenir agora e não quando uma desgraça ocorra em minha casa. Tenho que construir um estilo de vida menos egoísta e mais coletivo, para morar numa nova sociedade onde não exista a violência, nem a fome, onde exista justiça social, somente aí minha casa estará segura. Ter uma arma é sinônimo de medo. É a prova do quanto temos medo dos que estão a nossa volta.

3) Você desarma a população e não desarma os bandidos?
R.: Todos precisam ser desarmados, aqueles que desejarem podem usar armas não-letais.

Até mesmo a polícia deveria usar somente armas não-letais, afinal se um leão está solto não se pode matá-lo. É necessário usar tranquilizantes e jaula nele.  Mas for um ladrão, este podemos matar?  Um leão deve ser contido, mas um ladrão deve ser morto?  Nem mesmo o estado deveria ter monopólio de armas letais, e os seres humanos deveriam ter suas vidas protegidas contra a violência dos bandidos e também contra violência do estado.

4) Armas não matam pessoas, pessoas matam pessoas? Armas não causam crimes?
R.: As armas de fogo são fabricadas com um único objetivo: matar.

Não servem para outra coisa, ninguém escova os dentes com um revolver. Argumentar que quem não tem revolver pode usar uma faca é balela, porque a maioria das facas é produzida para cortar alimentos e não para matar outras pessoas, já as armas de fogo são construídas unicamente para tirar vidas. Então sim, a culpa também é da arma de fogo. Ela facilita tudo e ainda oferece um enorme risco de acidentes, principalmente quando existem crianças por perto e elas resolvem “brincar” com a arma de fogo. Armas de fogo causam crimes sim.

5) O cidadão só utilizará a arma contra bandidos?
R.: Ué, curioso que não se fale dos crimes passionais, acidentes com armas e brigas que geram mortes.

São numerosos casos de pessoas armadas que, num ato de loucura, matam alguém por uma discussão no transito ou no bar, ainda é muito expressivo. O número de crimes passionais e de acidentes também é relevante, principalmente no assassinato de mulheres e crianças por parte de familiares. Esta falsa separação dos “homens de bem” e de outros “bandidos” é bastante subjetiva e discutível, uma vez que um “cidadão de bem” armado se torna um assassino em potencial, basta ele perder a calma, estar bêbado ou drogado, por exemplo. Quem é maior bandido: aquele que rouba ou aquele que mata?

6) Países que tem mais armas tem menos violência?
R.: Isso é mentira, pois os países citados são recordistas de violência em todas as suas formas.

O país mais citado é quase sempre os Estados Unidos, o exemplo preferido de quem defende as armas deveria ser motivo de vergonha em termos de segurança pública, para não estender a explicação simplesmente sugerimos a todos que assistam o documentário “Tiros em Columbine” onde o Diretor Michael Moore vai a fundo na cultura armamentista norte-americana, onde até mesmo as crianças e adolescentes realizam massacres nas escolas. Analisando o discurso de que a “segurança está nas armas”, mostrando quão fácil é obter uma arma de fogo nos EUA mostra as possíveis causas da violência urbana americana e compara com a de outros países.

7) O Governo desarma o povo porque tem medo de uma revolução armada?
R.: A iniciativa do estatuto não partiu do governo e a população armada não representa perigo para o estado.

Primeiro: é importante frisar que a iniciativa do estatuto do desarmamento não partiu do governo federal, foi a sociedade civil organizada, foram os movimentos sociais e as ONG´s que pressionaram o governo para implantar esta lei.  E segundo: é falso o argumento de que o governo tem medo do povo armado com pistolas já que o poder bélico que os governos de hoje têm é imensamente superior, com fuzis, misseis, caças, tanques de guerra, etc.  É muito desproporcional considerar que o povo munido de pistolas vai iniciar uma revolução, se o povo quiser se defender de um  governo corrupto e injusto, precisará aprender com Gandhi sobre a metodologia da não-violência ativa, esse é o caminho.

Mais além do desarmamento

Será difícil para o Ser Humano do futuro, nossos netos e bisnetos, entenderem as guerras, a miséria e a violência que vivemos hoje . Ele vai nos observar como hoje observamos os homens das cavernas, e vai sentir esta mesma repugnância que sentimos ao lembrar que um dia boa parte de nossos ancestrais foram canibais. Ao mesmo tempo, vai pensar como é possível que em meio a tanta barbárie alguns pudessem se adiantar e apontar o caminho aos demais. Não só não queremos mais violência de nenhuma forma em nenhum nível, mas também convidamos aqueles que queiram participar conosco. Aqueles que estão cansados de discursos e querem ir para ação, aqueles que querem construir um mundo novo, um mundo melhor e mais humano.

Propostas para o Brasil

  1. Considerando que talvez hoje o brasil, apesar dos pesares, seja um dos países culturalmente mais avançados no mundo no que diz respeito à integração e na convivência pacífica entre diversas etnias, costumes e culturas. Deveríamos dar um passo a mais proibição do comércio e fabricação de armas de fogo.
  2. A polícia deveria abdicar do uso de armas letais e desenvolver novas tecnologias de armas paralisantes e tranquilizantes, isto ajudaria não só a salvar da culpa e do remorso a consciência dos policiais que acidentalmente matam algum inocente, mas também faria com que a população passasse a confiar mais nos policiais. Seria benéfico para todos.
  3. Assim como tivemos campanhas publicitários pelo uso de preservativos e pelo meio-ambiente, deveria se investir muito mais em campanhas para criar consciência sobre a não-violência e a cultura de paz.
  4. O Brasil deveria definitivamente deixar de lado o desenvolvimento dos programas nucleares e pressionar as demais nações através da ONU para que seja feito um desarme progressivo e proporcional de todas as nações.

Propostas para o Mundo

  1. O desarmamento nuclear imediato que ponha freio ao perigo suscitado pela nova corrida de armamentos nucleares, mediante o desmantelamento dos arsenais sob supervisão das Nações Unidas.
  2. A retirada imediata das tropas dos territórios ocupados e o acatamento das resoluções e recomendações das Nações Unidas.
  1. apresentação de propostas regionais que incluam o desarmamento progressivo das regiões e a substituição dos exércitos para a guerra por forças regionais de paz munidos de armas não-letais, que colaborem em situações de catástrofes e na solução de problemas básicos das populações.
  1. Avançar de forma imediata para uma legislação internacional que declare a ilegalidade das armas nucleares, e que seu desenvolvimento e uso fiquem incluídos entre os crimes de “lesa-humanidade”.
  1. Exigir como medida urgente o redirecionamento dos fundos públicos nacionais e internacionais para o desenvolvimento de campanhas que tenham como objetivo prioritário a erradicação dos terríveis e desumanos problemas de fome, moradia, saúde e educação, que hoje afetam vastas zonas do planeta e geram centenas de milhares de mortes diariamente.
  1. Promover uma ação contínua desde indivíduos e organizações de todo tipo e nível, no campo social, político e cultural, com o fim de criar consciência da perigosa situação atual, e com o fim de impulsionar ações exemplares na direção de uma “cultura da paz e da não-violência”.