Nações Unidas (Prensa Latina) Ao menos 200 milhões de mulheres e meninas no planeta vivem com alguma forma de mutilação genital, um fenômeno que as Nações Unidas consideram uma violação de seus direitos humanos e aspira a erradicar para 2030.

Segundo a organização, se continuar a atual tendência, outras 15 milhões de adolescentes, com idades entre 15 e 19 anos, sofreriam até então estes procedimentos, definidos como qualquer alteração ou lesão dos genitais femininos por razões diferentes às médicas.

As consequências da prática, que costuma se realizar fundamentalmente em algum momento entre a infância e os 15 anos, incluem sangramento, cistos, infecções, infertilidade e complicações no parto.

O problema concentra-se em 30 países, fundamentalmente da África e do Oriente Médio, ainda que também está presente em outras partes do mundo, com muita frequência vinculado a crenças religiosas e tradições.

“Nunca antes tinha sido mais urgente, ou mais possível, pôr fim à cruel prática, o qual se traduziria em prevenir um sofrimento imensurável e em potenciar o poder das mulheres e meninas”, afirmou o secretário geral da ONU em sua mensagem de 2016 pelo Dia Internacional da Zero Tolerância com a Mutilação Genital Feminina.

A Assembleia Geral estabeleceu em sua resolução 67/146 de 2012 a celebração a cada 6 de fevereiro, para chamar a atenção sobre procedimentos que refletem a desigualdade de gênero e constituem uma forma extrema de discriminação.

Ban reconheceu este ano que os governos prestam uma maior atenção ao tema e melhoram os métodos de coletar estatísticas, o que explica o incremento do número de pessoas afetadas.

Em 2014, os dados refletiam ao redor de 130 milhões de mulheres e meninas vivendo com a alteração ou o dano de seus genitais externos, 70 milhões menos que os estimados atuais, ainda que este palco também sugere que se trata de um problema maior do pensado.

Nações Unidas espera que a adoção da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável leve à eliminação do fenômeno.

A comunidade internacional aprovou em setembro de 2015 o instrumento de progresso humano, que inclui entre seus 17 objetivos a erradicação durante os próximos 15 anos de práticas negativas como o casal infantil, cedo e forçado, e a mutilação genital feminina, propósito recolhido na quinta meta.

AS VÍTIMAS FALAM

O Conselho Econômico e Social da ONU foi sede neste ano de um evento que reuniu a altos servidores públicos da organização, diplomatas, ativistas e vítimas da mutilação, muitas delas convertidas em lutadoras por um mundo livre do flagelo.

“Tiraram-me minha identidade e dignidade, quando cresci, me dei conta que me faltava algo (…)”, disse Inna Modja, uma jovem cantora de origem malinês.

Segundo a promotora do fim do fenômeno, aos quatro anos sofreu em carne própria, e foram a música e uma operação as que lhe permitiram recuperar a confiança.

Modja declarou à Prensa Latina que a confrontação não é o caminho para a eliminação, dado o componente cultural e religioso muito arraigado em algumas comunidades. Trata-se de conversar com as pessoas, mais bem de explicar e gerar consciência, insistiu.

Também a queniana Keziah Bianca Oseko expôs suas experiências e qualificou de bárbara à mutilação genital.

“O trauma que vivi me levou ao ativismo, e agora seja como me levantar e lutar pelos direitos das mulheres”, afirmou no foro, em que interveio o Secretário Geral das Nações Unidas.

De acordo com Oseko, alguma vez sentiu “que nunca poderia ser convertido em uma mulher, porque lhe faltava algo”.

TAMBÉM NA AMÉRICA LATINA

Em entrevista à Prensa Latina, a ativista e advogada colombiana Patricia Tobón assegurou que o fenômeno também afeta a América Latina, e pudesse ter bem mais impacto do imaginado.

A indígena do povo Embera falou que em seu país se conheceu pela primeira vez esta prática em 2007, e existem dezenas de casos documentados (51 em 2013 e 2014).

“Sempre se pensou que era uma situação exclusiva dos países africanos e asiáticos, mas também é um assunto da América Latina”, disse a experiente em direitos constitucionais, que viajou à ONU para a celebração do Dia Internacional da Zero Tolerância com o problema.

De acordo com Tobón, os Embera, etnia que na Colômbia tem umas 250 mil pessoas distribuídas em 16 departamentos, habitam ademais no Panamá e Equador, pelo que é necessário avaliar a situação das mulheres e meninas deste grupo originário nas vizinhas nações.

Também não podemos perder de vista que nas Américas existem inúmeros povos indígenas, com muita frequência arraigados em zonas selváticas e outras onde o acesso à saúde enfrenta grandes obstáculos, e a mutilação genital pudesse ser uma preocupação, sublinhou.

Para a ativista, é conveniente a nível regional incorporar aos programas de atenção às mulheres e a infância a revisão da prática da alteração ou o dano dos genitais externos femininos por razões não médicas.

Tobón realçou a mobilização global para combater a mutilação genital, a qual considerou sem precedentes.

UM MAIOR COMPROMISSO

Servidores públicos das Nações Unidas, ativistas e vítimas da mutilação genital feminina reclamaram um maior compromisso com a erradicação dessa prática, no contexto dos eventos pelo Dia Internacional.

Estão em curso ações para eliminar o problema, o qual passa por uma responsabilidade coletiva, afirmou em um encontro com jornalistas Nafissatou Diop, coordenadora do Programa Conjunto para o enfrentar, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do Fundo de População da ONU (Unfpa).

Segundo Diop, a iniciativa consiste em ajudar 17 países, 16 da África e o Iêmen, com recursos e assistência técnica, dirigidos a impulsionar o cessar dessas práticas ou o dano dos genitais externos femininos, situação presente com maior força em nações como Gambia, Mauritânia, Indonésia, Somália, Guiné e Djibuti.

Em declarações à Prensa Latina, a especialista celebrou que a Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável inclua entre suas metas a erradicação do fenômeno.

A Agenda adotada em setembro pelos líderes mundiais recolhe o fim desta prática durante os próximos 15 anos, uma mostra do compromisso da comunidade internacional, que deve ser traduzido em fatos, advertiu.

Diop mostrou expectativas de que esse passo represente um incremento dos investimentos humanos e financeiras para pôr fim à mutilação genital de mulheres e meninas, considerada pela ONU uma violação dos direitos humanos.

De acordo com a servidora pública, o componente cultural e religioso do problema tem que tratar sobre a base da educação e do diálogo.

Não precisamos de confrontações, sabemos do aspecto cultural presente, enraizado na discriminação histórica da mulher, mas com a ajuda dos governos, a sociedade civil e as comunidades, podemos mudar a situação, dimensionou em um critério que gera consenso.

*Corresponsável da Prensa Latina nas Nações Unidas

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