Em Brasília, jurista espanhol famoso por mandar prender Pinochet afirma que Justiça ainda não avançou como deveria em relação aos crimes cometidos na ditadura. Para ele, STF precisa rever decisão sobre lei de anistia.

Em termos mundiais, a defesa dos direitos humanos avançou, novos temas foram adicionados à pauta de discussões – e os tribunais e organismos internacionais são o melhor exemplo. Entretanto, ainda falta ao Brasil um “passo definitivo” na reparação dos danos causados pela ditadura.

A avaliação é do jurista espanhol Baltasar Garzón Real, conhecido por determinar a prisão do ex-ditador chileno Augusto Pinochet, pela prisão, tortura e morte de cidadãos espanhóis durante o regime militar no Chile.

“Para o Brasil, falta dar um passo definitivo, que é a ação da Justiça”, disse Garzon em conversa com jornalistas após um debate sobre o direito à memória, verdade e justiça, parte da programação do Fórum Mundial de Direitos Humanos, em Brasília.

Durante a conversa, que contou com a presença de especialistas brasileiros e estrangeiros, predominou o discurso de que é preciso que o Supremo Tribunal Federal dê uma resposta que seja vista pela população como um verdadeiro engajamento da Justiça no processo de reparação às vítimas da ditadura.

Supremo e a anistia

Na avaliação de Garzón, o Brasil já percebe avanços na própria sociedade civil e das forças políticas, mas falta uma resposta do Judiciário. “Falta esse impulso que somente em forma pontual estão conseguindo alguns promotores”, avaliou o jurista, ex-juiz da Audiência Nacional espanhola e atualmente assessor do Tribunal Penal Internacional de Haya.

O jurista espanhol Baltasar Garzón: “Uma lei de anistia não pode impedir o acesso à Justiça”

“No âmbito internacional, os tribunais penais internacionais e as cortes de direitos humanos, especialmente a Corte Interamericana, estão marcando uma pauta claramente definitiva em favor da investigação, do processo devido, das garantias, de apoio às vítimas, isso tudo ao encontro da impunidade”, completou.

Durante todo o debate, especialistas reiteraram a preocupação com a decisão do Supremo Tribunal Federal, proferida em 2010, que considerou improcedente uma ação iniciada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que questionava a aplicação da lei de anistia também para os agentes públicos que praticaram crimes durante a ditadura.

A lei, de 1979, beneficiou aqueles que tiveram seus direitos políticos cassados pelo regime, incluindo servidores públicos e militares. No entendimento do STF à época, era preciso considerar o contexto histórico em que a lei foi promulgada.

No mesmo ano, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o país a encontrar e punir os culpados por crimes cometidos durante a ditadura, especialmente no caso da Guerrilha do Araguaia.

“No meu ponto de vista – e respeitando o que se decide em cada país – não posso estar de acordo com a não aplicação da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Uma lei de anistia não pode impedir o acesso [à Justiça] e a ação da Justiça”, opinou Baltazar Garzón. Para ele, o fato de cortes internas não reconhecerem o sistema interamericano ou mesmo de colocarem dificuldades para aplicá-lo é um mau exemplo. “É um retrocesso e sobretudo um desamparo para a proteção integral das vítimas”, disse.

Outros pedidos

Manifestações por uma revisão da decisão do STF sobre a lei de anistia foram ouvidas de todos os lados durante o fórum. Rosa Cardoso, membro da Comissão Nacional da Verdade (CNV), reconheceu que a comissão tem o dever de estabelecer as autorias dos crimes, com um “relatório claro, de definição de responsabilidades factuais”.

Em entrevista concedida no mês passado à DW Brasil, Maurício Santoro, assessor de direitos humanos na ONG Anistia Internacional, disse que a sociedade espera da comissão uma “posição contundente com relação à revogação da lei de anistia”, tema que, para ele, já não deveria ser mais debate no país. Ele lembrou que já existe uma sentença internacional obrigando o Brasil a cumprir essa determinação.

Francisco Celso Calmon, representante da Rede Brasil – Memória, Verdade e Justiça (que reúne organizações da sociedade civil), também defendeu uma tomada de posição por parte da comissão. “A CNV não tem o direito de se eximir de se posicionar a respeito da anistia. Ela terá que analisar e se posicionar”, afirmou.

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