Uma frase terrível dita por um personagem do filme “A história oficial” persegue-me desde a última vez que a ouvi: “A história é escrita pelos assassinos”. O personagem é Horacio Costa, aluno de um colégio de ensino médio em Buenos Aires; o filme, dirigido por Luis Puenzo, foi o primeiro latino-americano ganhador do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em 1986. A fita aborda o tema dos desaparecidos políticos, numa Argentina que mal acabava de sair da guerra suja promovida pela ditadura militar.

Assisti o filme, pela primeira vez, num cinema em Santos, no seu lançamento. Impactante, o tema parecia um retrato trágico do país vizinho e da América Latina, mas distante de nossa realidade… Décadas depois, eis-me comentador desse filme num Ciclo de Cinema sobre a História das Relações Internacionais, realizado pela UFABC… e as conexões com o Brasil são muitas.

Em regimes autoritários é comum haver uma história oficial que impõe a sua versão dos fatos, sem que haja forma direta de contestar. Na redemocratização, assim foi na Argentina e em outros países, aquele simulacro de história passa a ser questinado com fatos até então ocultados pelas autoridades e desconhecidos da população. Uma história que, até hoje, produz fatos novos e clama por conhecer a verdade não oficial. O que foi feito dos desaparecidos? Foram torturados? Onde estão os seus corpos? São perguntas dolorosas que a sociedade, aos poucos, exige e cobra ter respostas.

A história oficial ganha sobrevida nas leis da anistia; ex-autoridades negam os fatos, ou dão a eles versões heroicas e justificadas no contexto adverso do período. Por isso, comissões da verdade são criadas para trazer à tona documentos, depoimentos e testemunhos. Sempre haverá versões e interpretações, mas os fatos devem vir à tona, para que a sociedade os julgue e, com transparência, construa a história (sem adjetivos).

Mais dia, menos dia, a história oficial cai por terra. Seja a mais antiga, para rever e humanizar seus mitos, seja a mais recente, para curar feridas, a história é reescrita por peritos forenses na justiça, pesquisadores na academia e jornalistas na imprensa. De governos a biografados, não há história oficial que não nasça efêmera…