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Havana, 15 set (Prensa Latina) Que um símbolo musical dos Estados Unidos como Bruce Springsteen tenha cantado uma canção de Victor Jara evidência a imortalidade do cantor e compositor chileno, a 40 anos de seu assassinato. O “Boss”, autor de temas ícones como Born in the U.S.A., encerrou com a canção Manifesto, de Jara, seu recente concerto em Santiago do Chile, posicionando-se como um artista com consciência e pés na terra.

“Se é um músico político, Víctor Jara continua sendo uma grande expressão. É uma honra estar aqui”, assegurou Springsteen ao público, depois de afirmar que conheceu muitas famílias de desaparecidos.

Além do nativo de Nova Jersey, outros grandes têm mantido o legado de Jara cantando suas canções ou dedicando-lhe novas, como Silvio Rodríguez, León Gieco, Ismael Serrano ou Mercedes Sosa.

A escolhida por Springsteen, Manifesto, saiu em um disco póstumo e foi escrita por Jara enquanto o Chile combatia a sabotagem econômica organizada pelos inimigos do governo de Salvador Allende.

“Meu canto é dos andaimes para atingir as estrelas, que o canto faz sentido quando palpita nas veias daquele que morrerá cantando as verdades verdadeiras, não as lisonjas fugazes nem as famas estrangeiras”, diz a canção.

Após o golpe de Estado de 11 de setembro de 1973, Jara foi preso e levado ao Estádio Nacional, que agora leva seu nome, e seu cadáver foi encontrado depois com 44 tiros no corpo.

Depoimentos de sobreviventes revelam que seus sequestradores jogaram roleta russa com Jara. Atualmente foi iniciado um processo criminal contra Pedro Barrientos Núñez, identificado como seu assassino.

Cantor do povo e do movimento social liderado por Allende, Jara compôs diversas canções inspiradas precisamente em causas sociais, ainda que quiçá a mais famosa foi “Te Recuerdo Amanda”.

Nela narra do amor de Amanda e Manuel, um casal de operários que apenas tem cinco minutos para se ver, absorvidos pela dinâmica do trabalho e por um sistema explorador, que tirou a vida do namorado.

O próprio Jara contou que a ideia estava em sua cabeça há um tempo, depois de conhecer um jovem casal de proletários.

Em seu livro “Como uma História”, José Manuel García conta que Jara escreveu o tema em 1968, quando estava em Londres convidado pelo British Council por seus trabalhos como diretor teatral.

Realizando o Shakespeare’s Birthday em Stratford-upon-Avon, o cantor soube que sua filha Amanda, então com três anos de idade, havia sido hospitalizada.

Escreveu uma carta após outra a sua esposa para saber como estava a menina, mas naqueles dias os funcionários do correio britânico estavam em greve, e foi impossível ter notícias frescas.

Para se consolar pegou seu violão, e da solidão e do desespero nasceu “Te Recuerdo Amanda”.

Ainda que Joan Turner, sua viúva, não acha que a tenha escrito para dedicar a alguém em particular, pensa que a letra “contém o sorriso da mãe e a promessa de juventude de sua filha”.

O tema foi incluído no disco “Pongo en sus manos Abiertas” (1969), junto ao single em vinil “Plegaria a un labrador / Te Recuerdo Amanda”, com o grupo folclórico Quilapayún.

A ditadura censurou “Te Recuerdo Amanda” por sua explícita crítica às condições de vida do proletariado, e porque não passava a imagem do Chile que os militares queriam.

Mas, sobretudo, proibiram-na porque era de Jara, e Jara era, de certa maneira, Allende e o que Allende representava.

Torturado e ferido até a morte, Jara tirou forças para, moribundo e golpeado, esboçar seus estremecedores últimos versos: “Canto, que feio que sai / Quando tenho que cantar espanto / Espanto como o que vivo / Espanto como o que morro”.