Trayvon Martin, um adolescente negro, foi morto por um vigia particular, quando voltava para a sua casa, numa noite de 2012, na Florida. Mais de um ano depois, o vigia foi absolvido pela Justiça do estado. O júri acolheu a tese da legitima defesa do vigia. Longe de ser mais um caso de violência urbana, o caso Martin galvanizou a opinião pública para um problema que persiste, resiliente, na cultura americana: o racismo.

Sem falar sobre o tema desde sua primeira campanha, em 2008, o Presidente Obama discursou sobre o evento trágico, dizendo: “Eu poderia ter sido Martin, há 35 anos”. Contundente, a fala de Obama, ainda acrescentou que é humilhante ser um suspeito dentro de uma loja apenas pela cor da pele – ele próprio fora vítima dessa suspeição.

No dia em que George Zimmerman, o vigia que matou Martin, foi inocentado, a mega star Beyoncé pediu um minuto de silencio à memória de Martin, antes de começar seu show. Protestos se multiplicam e se intensificam no país, contestando a impunidade do vigia. A comunidade negra teme, com razão, que a tese da legitima defesa, manipulada no julgamento de Martin, possa fomentar execuções sumárias de negros pelo país.

Embora o federalismo americano garanta o veredito da Florida, o governo federal, por meio do FBI – a polícia federal dos EUA – pode investigar também, invocando o já conhecido cabo de força retratado nos filmes, entre autoridades locais e federais. Quando os estados diminuem o patamar de garantias aos direitos humanos (o que, na linguagem técnica se chama ofensa ao princípio da não-regressividade dos direitos humanos), o estado federal não apenas pode como deve intervir para impedir que os direitos constitucionais sejam sacrificados em nome de uma interpretação local.

A fala do Presidente, sobre um assunto ao máximo evitado, mostra que o cotidiano violento das grandes cidades, onde negros e imigrantes são hostilizados indiscriminadamente, tanto pela polícia quanto por particulares, dificulta o seu enfrentamento apenas pela via do diálogo inter-racial. Martin poderia ter sido Obama há três décadas. O racismo faz a vida ser mais efêmera do que ela é.