Ieda Ribeiro de Souza aposta em tom emotivo para convencer jurados da inocência de policiais. Mais cedo, promotor informou que 90% das 11 mortes foram com tiros na cabeça e no pescoço, sinais de execução

São Paulo – Para se contrapor às estatísticas apresentadas pelo Ministério Público de São Paulo para comprovar a execução de detentos na Casa de Detenção do Carandiru, advogada de defesa dos policiais militares, Ieda Ribeiro de Souza, apelou a músicas e escuridão no tribunal do júri formado para julgar 73 das 111 mortes ocorridas em 1992.
Ieda apagou as luzes da sala de julgamento para simular a situação encontrada pelos PMs no momento da invasão do local. Em seguida, passou a gritar “vou te matar” na tentativa de convencer o júri de que os agentes de segurança pública corriam risco ao invadir o Pavilhão 9 da Casa de Detenção, na zona norte de São Paulo.

Ainda na linha de apostar na emotividade, foram levados à sala de julgamento do Fórum Criminal da Barra Funda, na região central, dez integrantes de uma associação de PMs com deficiência física, consequência de ferimentos sofridos durante o exercício da função.

A advogada considera que os policiais agiram corretamente e que os laudos apresentados pelo MP para basear a acusação dos réus são inconclusivos. Ela se queixa ainda do fato de não ser possível individualizar as eventuais condutas criminosas, e acusa o ex-governador Luiz Antônio Fleury Filho (PMDB), de ser o grande responsável pelo episódio. “Quem deveria estar aqui é o doutor Fleury. Ele não foi responsabilizado porque tinha costas quentes e ninguém ia colocar aquela situação num momento de véspera de eleições.”

Para a advogada, é “vergonhoso, indecente e inconcebível” o fato de Fleury alegar que não tinha conhecimento do que ocorria no Carandiru. Em depoimento, o ex-governador alegou que os fatos ocorreram na véspera das eleições municipais e que, no dia, ele estava em Sorocaba, no interior, em campanha com um candidato da cidade. Fleury disse que foi informado sobre uma rebelião em São Paulo, mas que “as coisas estavam sob controle”.

Na terça-feira (30), ao depor, Fleury classificou a ação que resultou em 111 mortes como necessária e afirmou que daria a ordem para entrar na Casa de Detenção do mesmo jeito, caso estivesse no gabinete. “A responsabilidade política da decisão era minha. No meu governo não tinha preso jogando futebol com cabeça (de preso morto) e com a polícia assistindo.”

A advogada de defesa dos PMs usou quatro das cinco horas a que tem direito para as considerações finais. Mais cedo, pela manhã, o promotor Fernando Pereira Filho disse, durante as argumentações finais no julgamento, que 90% das vítimas receberam tiros na cabeça e no pescoço – o que aponta para a possibilidade de execuções em massa. Destes, mais da metade levou entre dois e quatro tiros. Essas e outras informações – como as trajetórias das balas – indicam, segundo o promotor, que os acusados criaram uma versão fantasiosa durante seus depoimentos.

Ao longo da semana, os réus argumentaram que agiram em legítima de defesa, pois teriam sido atacados pelos presos. Como “prova”, relataram ferimentos sofridos e exibiram escudos com marcas de tiro.

Para o promotor, os ferimentos relatados não sustentam a versão da legítima defesa. E as marcas nos escudos não servem de prova, já que não há como saber se os equipamentos são os mesmos usados no dia da invasão.

A advogada questionou, além disso, a fidelidade quanto aos números que estão sendo apresentados pela promotoria. Inicialmente, os 25 policiais militares eram acusados pela morte de 73 presos, mas os promotores reduziram esse número para 52. “Se nem o Ministério Público tem certeza da numeração, então por que vou exigir desses homens?”, perguntou.

Após réplica e tréplica, ainda esta noite, os jurados vão se reunir para emitir o veredito. A pedido do MP, 21 dos 73 réus devem ser inocentados. O júri terá de responder a quatro perguntas por réu quanto a materialidade do crime, autoria, absolvição e qualificadores. Com isso, serão 7.300 questões respondidas pelos cidadãos. Estima-se que a sentença saia durante a madrugada deste sábado.

por Gisele Brito, da RBA