São Paulo – Associações médicas organizam atos hoje (3) em todo o país para pressionar o governo brasileiro a abrir mão à contratação de médicos estrangeiros, medida apontada pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha, como a mais rápida para solucionar a falta de profissionais. Para garantir quórum às manifestações, estas entidades conseguiram suspender atendimentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), exceto nos casos de emergência.

“De alguma forma sempre acaba trazendo um transtorno, mas avaliamos que o ganho para a população é maior, porque procuramos defendê-las de médicos pouco capacitados”, afirmou o diretor financeiro da Associação Médica Brasileira (AMB), Murilo Rezende. “A causa é importante e contamos com o apoio da população.”

Para a especialista em financiamento público na Saúde e professora da PUC-SP, Cristina Amorim, a medida do governo “não resolverá os problemas” da carência de médicos. Ela, no entanto, acredita que “as associações estão lutando para preservar os interesses da categoria”, sem pensar nos interesses reais da população. “Eles fazem a conta que quanto maior a oferta de médicos, menor a disposição do governo em aumentar os salários. A maioria das associações é controlada por funcionários públicos”.

Não há expectativa de quantos procedimentos serão suspensos nem de quantos médicos vão aderir às mobilizações pelo país. Segundo Rezende, em São Paulo o Hospital das Clínicas e a Santa Casa, dois dos principais centros de saúde da cidade, liberarão médicos, residentes e estudantes para participação no ato público, marcado para as 16h. As administrações dos hospitais, no entanto, não confirmaram a informação.

As mobilizações não devem durar o dia todo. Durante a manhã, 18 estados já realizaram protestos. Em Alagoas, Espírito Santo, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Paraná, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Tocantins, Sergipe, Santa Catarina e Rondônia os médicos fizeram caminhadas e atos públicos contra a medida.

No Amapá, ainda de manhã, os médicos distribuíram panfletos com reivindicações e no Mato Grosso do Sul protocolaram um documento nas sedes do governo do estado, da prefeitura de Campo Grande e do Ministério Público explicando as reivindicações da categoria. Em Pernambuco, os médicos doaram sangue.

Durante a tarde mais nove estados realizam manifestações, além de São Paulo. Acre, Roraima, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás, Distrito Federal, Bahia e Amazonas realizarão atos públicos contra a medida. Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Pernambuco e Ceará também devem realizar atividades à tarde.

A principal reivindicação da categoria é que os médicos estrangeiros que queiram trabalhar no Brasil sejam submetidos obrigatoriamente ao Revalida. Segundo a Associação Médica Brasileira, em 2012, apenas 7,5% dos profissionais que prestaram o exame foram aprovados. O ministro da Saúde já esclareceu que os profissionais estrangeiros serão contratados apenas depois que passarem por um período de treinamento em universidades brasileiras e forem submetidos a exames que comprovem a capacidade.

Nos atos, os médicos também defendem mais financiamento para a saúde pública e avaliam que o problema não é a carência de profissionais, mas sim as condições de trabalho precárias, principalmente nas periferias e em regiões isoladas, que seriam o foco de atuação dos médicos estrangeiros.

Proposta do governo
De acordo com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, o governo federal vai lançar um edital para selecionar médicos brasileiros que queiram trabalhar em regiões com carência de profissionais, em especial no interior do país e nas periferias das grandes cidades. Para as vagas que ficarem ociosas serão contratados médicos estrangeiros, que passarão por uma avaliação de três semanas antes de começarem a clinicar.

Neste período, eles terão suas habilidades médicas e sua proficiência em português testadas por universidades parceiras. Além disso, estudarão língua portuguesa. Aqueles que não forem aprovados no período não seguirão para os municípios e retornarão para seu país de origem. Além da avaliação de três semanas, os profissionais continuaram sendo avaliados por um ano. A expectativa é que os médicos estrangeiros cheguem ao Brasil ainda neste ano.

Eles poderão permanecer no país apenas três anos, clinicando exclusivamente na atenção básica, nos municípios participantes do programa. Terminados os três anos do programa, o médico retorna ao seu país de origem ou, se quiser permanecer no Brasil, terá de se submeter ao Revalida e, se aprovado, poderá trabalhar tanto na rede pública quanto na privada.

As ações fazem parte de um dos pactos anunciados em 24 de junho pela presidenta Dilma Rousseff a estados e municípios para melhorar a saúde pública no país, em resposta a série de protestos que ocorreram no país. Depois do anúncio, o Senado e o Congresso Nacional criaram, cada um, uma comissão para discutir financiamento sustentável e contínuo da saúde.

O Brasil tem hoje 1,8 médicos para cada mil habitantes e a meta é atingir a média registrada na Inglaterra, de 2,7 para cada mil, segundo o Ministério da Saúde. O país possui um sistema de saúde público e universal que inspirou a criação do SUS. Para alcançar o índice inglês seria preciso ter mais 168.424 médicos.

O índice de médicos no Brasil é baixo também se comparado a outros países latino-americanos, como Argentina, que possui 3,2 profissionais para cada mil habitantes, e México, com 2 para cada mil.

A contratação de médicos estrangeiros é uma alternativa adotada em outros países com similaridade na língua, como entre o Canadá e os Estados Unidos. No Brasil, apenas 1% dos médicos são formados em outro país, enquanto na Inglaterra o índice chega a 40%. Nos Estados Unidos, são 25%, na Austrália, 22%, e no Canadá, 17%, de acordo com o governo federal.

por Sarah Fernandes, da RBA