Por Samuel Chaves.

As mobilizações na cidade de São Paulo começaram há duas semanas convocadas pelo Movimento Passe Livre, uma organização horizontal e apartidária, formada nos fóruns sociais mundiais há 8 anos e que tem como pauta única o transporte público gratuito.

 

Pediam a revogação do aumento das tarifas de ônibus controlados pelo município, governado pelo PT (partido da presidenta), e trem e metrô controlados pelo estado, governado pelo PSDB (partido de oposição).

 

Vale destacar que, em uma cidade do tamanho de São Paulo, em que as periferias estão a mais de 1 hora do centro (como mínimo) e um trabalhador demora pelo menos mais de 1hora de sua casa até seu local de trabalho, tendo de enfrentar conduções lotadas diariamente, a questão da mobilidade urbana, como direito de acesso à cidade ganha muita importância. O preço do transporte é caro (1 dólar e 50 centavos) e, dessa forma, exclui milhões de pessoas de se deslocar na cidade.

 

As mobilizações desde o início contaram com uma mistura de jovens, estudantes universitários e pessoas das classes mais populares em sua composição e, na maioria dos atos realizados, houve repressão por parte das forças policiais. Até o dia 13 de junho, a mídia corporativa e os dois governos (PT e PSDB) pediam uma maior repressão para atos localizados de vandalismo, que em grande parte eram resposta à violenta repressão da polícia militar de SP.

 

Na noite do dia 13 de junho, a manifestação, que contou com 20 mil pessoas, ficou marcada pela intensa repressão policial, com 250 prisões e centenas de jornalistas e manifestantes feridos.

 

Através das redes sociais, a imprensa hegemônica perdeu a batalha da comunicação e muitos vídeos de abusos da policia circularam, fazendo com que o movimento ganhasse adesão em SP e em todo o país. Após esse dia, o governo e os meios de comunicação começaram a tratar as mobilizações de maneira muito mais moderada. A estratégia muda, e a partir daí os meios de comunicação hegemônicos tentam aproveitar a popularização das mobilizações para a manipulação midiática.

 

Paralelamente, começa no dia 15 de junho a “Copa das Confederações” e, nos seus dois primeiros dias, é marcada por protestos contra os gastos do mundial da FIFA. Essas mobilizações têm participação de importantes setores progressistas do país. Nesses dois primeiros dias de protestos, houve uma violenta repressão em Brasília e no Rio de Janeiro, com muitos feridos e boatos de busca de pessoas para detenção em suas casas.

 

No dia 16, acontecem simultaneamente em várias cidades do país gigantescas mobilizações, talvez como o país nunca viu. Os números dados pela imprensa corporativa apontam 200 mil em todo o Brasil, mas para muitos dos amigos que estiveram nas marchas haviam muito mais. Em SP eram mais de 250 mil e no Rio de Janeiro muito mais de 100 mil. Em Brasília, manifestantes furam um cordão de isolamento e invadem a cobertura do congresso nacional. No Rio de Janeiro, com intensa repressão, os manifestantes invadem a Assembléia Legislativa do Estado. Nesse dia, há uma mistura de pautas dadas pelos meios de comunicação e  também por partidos e organizações de direita e extrema direita, pretendendo criar desestabilização no governo federal.

 

A partir dai, as mobilizações multiplicaram-se. Em São Paulo, durante dois dias, milhares de pessoas vão às ruas, com tentativa de invasão da prefeitura e saques no centro da cidade. Ao mesmo tempo, em todos os jogos do campeonato da Fifa há grandes mobilizações contra a realização da Copa e a falta de prioridades do governo na aplicação de recursos públicos, as remoções de comunidades inteiras para construção de “obras de infraestrutura” e os conchavos com setores da especulação imobiliária e empreiteiras que deflagram um processo de gentrificação nas capitais Brasileiras.

 

Diferentes municípios pelo país começam a reduzir o valor de suas tarifas. Em São Paulo, o governo do estado e a prefeitura anunciam a revogação do aumento das tarifas de ônibus, trens e metrô e, no mesmo dia, o Rio de Janeiro faz o mesmo. Em poucos dias, dezenas de cidades reduzem suas tarifas em efeito dominó.

 

Paralelamente, inicia-se uma disputa nas ruas com grupos de direita tentando manipular a indignação de muitos jovens com pouca formação política que saíram às ruas e, em diversas cidades, expulsando partidos e organizações de esquerda dos atos. Enquanto isso, setores da mídia tentam criar uma conjuntura golpista no país, também aproveitando-se da revolta popular que se instalou.

 

Não vejo paralelo do contexto vivido no Brasil com os levantes golpistas que aconteceram na Bolívia, Paraguai, Equador, Venezuela e outros países. Existe um vazio político, criado por todos os partidos tradicionais, na traição dos seus eleitores. Sinto que a forma de apoiar o governo Dilma é através de pressão popular para romper o abismo social, avançar na distribuição de renda, na democratização dos meios de comunicação e na implementação de mecanismos de democracia real. É necessário ter em conta as suas limitações mas não se contentar com o que foi feito até o momento.

 

As pessoas querem muito mais, maior participação e mais direitos, não somente aumento de seus níveis de consumo e crédito.

 

O descaso com a saúde e educação, o caos urbano vivido nas grande capitais, somados ao aumento do custo de vida fizeram com que a população se levante. O recado das ruas é que as pessoas querem participar das decisões e que cada vez se torna mais claro o desgaste da democracia formal e de seus representantes, os partidos políticos tradicionais.

 

Há que canalizar a indignação das ruas em direção humanizadora, de democracia real e não de um “caos destrutivo” como Silo aponta no livro “Cartas a meus amigos”. É necessário criar consciência de que dentro de um sistema que tem como signo a violência (física, econômica, sexual, religiosa, psicológica, etc.) a única resposta superadora é a Não Violência, com iguais direitos e idênticas oportunidades para todos.

 

É importante destacar que muitas das reivindicações estão direcionadas às esferas de poder municipais e estaduais que se encontram nas mãos de outros partidos, tornando claro que o descontentamento popular não é só com o PT de Dilma, mas com a democracia formal e suas consequências (como a corrupção).

 

Para finalizar, arrisco dizer que existe sintonia com as diferentes mobilizações pelo mundo como Turquia, Grécia, Chile, Espanha, EUA, Portugal, Egito, Tunísia etc., que tem vindo à tona por razões locais diferentes, mas que trazem em seu seio a indignação com o modelo de vida posto nesse momento e a semente de uma nova sensibilidade que começa a nascer em um momento em que um sistema começa a balançar. Apesar da confusão, desinformação e catarse das multidões nas ruas, há que confiar nesses levantes que anunciam novos tempos, como dizia Silo: “Ojala esa sinal sea traduzida con bondad”.

 

Enquanto isso, as ruas brasileiras continuam vibrando. Porto Alegre, Brasília, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Recife, Salvador, Fortaleza, São Paulo e centenas de municípios mostram que as pessoas estão vivas e a pressão popular demonstra que as respostas para um novo mundo não viram dos gabinetes e dos engravatados políticos do status quo, mas dessas pessoas vivas que vão para as ruas.

 

E como um amigo disse nesses dias: “Não foi o Brasil que acordou, foi a juventude, e a juventude não acordou só no Brasil, ela acordou no mundo todo…”