Em meio a
posições tão diversas e contrárias é difícil compreender o que ela tentou transmitir com o
conceito de “Verdade”. Muitos defendem que os criminosos deveriam pagar pelos seus atos.
Opostamente, outros defendem que não se deve investigar tais crimes, ou seja, devem ser
esquecidos.

Mas vamos dar um ponto de vista sobre o que a presidente quis dizer com a “Verdade”. Em
nossa compreensão, o significado mais profundo da “Verdade”, neste caso, aproxima-se ao
da Reconciliação. No livro A Mensagem de Silo* dizemos que “O Bom Conhecimento leva
à Reconciliação”. Neste caso, o Bom Conhecimento é o esclarecimento do que aconteceu
na época, sem mascaramentos. Os fatos e a real violência da Ditadura nunca veio à tona,
os nomes não foram mostrados de forma transparente. Os sobreviventes e os parentes das
vítimas assassinadas têm a necessidade de saber como foram os acontecimentos.

O confronto com as informações, com os depoimentos e até com confissões, podem ajudar na
integração de ocorrências tão difíceis, que continuam atormentando as consciências de muita
gente. Na África do Sul, o projeto que investigou os crimes durante o regime de Apartheid
foi denominado Comissão da Verdade e Reconciliação, instaurada no governo Mandela. Os
torturadores e executores tiveram a oportunidade de testemunhar seus atos de violência em
um Tribunal.

Mas era um Tribunal diferente, pois se confessassem seus crimes, não passariam por um
julgamento penal. Estariam livres de punição, mas tinham que encarar publicamente os
familiares das vítimas. O mesmo aconteceu, em menor escala, com as confissões dos atos de
violência dos militantes contrários ao regime do Apartheid. Ao final, muitos fatos puderam
ser esclarecidos. Isso ajudou no processo de reconciliação dos envolvidos. Ajudou a iniciar um
amplo processo de Reconciliação social entre os grupos étnicos.

Afinal a Reconciliação é um fenômeno da consciência, aliás que pode ajudar na liberação e
na abertura de futuro. Silo** falou nas jornadas de maio de 2007, que nem o perdão nem o
esquecimento podem levar a algo positivo. Ele quis dizer que a Reconciliação era um patamar
muito mais elevado e importante que o perdão, no qual uma das partes tem que se “ajoelhar”
e a outra tem que se colocar em posição superior. Claro que o perdão é um passo mais
elevado que a vingança, mas tampouco é um fenômeno capaz de liberar o ser humano.

O esquecimento também não leva a uma transformação. Quando alguém nos prejudica,
quando nos fere dolorosamente, não se deve esquecer o dano causado. A memória e a
consciência podem ter muito claro o que aconteceu. Justamente para que não ocorra
novamente. Por isso, um caminho que a Comissão da Verdade poderia trilhar é o de trazer à
luz os crimes da Ditadura Militar. Que sejam expostos e que fiquem muito presentes em nossa

memória, para que possamos integrar essa parte de nossa história para não voltar a repetir os
mesmos erros no futuro.

Desta forma, entendemos que a presidente Dilma se referiu, de maneira bastante feliz, ao
termo “Verdade” em um sentido bastante próximo ao que entendemos por “Reconciliação”.
Desta forma, aproveitamos para desejar profundamente que a Comissão da Verdade tenha um
funcionamento pleno e que possa desvendar os crimes da Ditadura Militar. Tomara que esta
comissão possa ir a fundo no esclarecimento de tais atos de violência e arbitrariedade. Mais
que isso, que possa inspirar o exemplo da Reconciliação nas relações sociais e humanas em
nosso País, até chegar aos corações de muitos brasileiros.

Notas: *[www.mensagemsilomorumbi.net](www.mensagemsilomorumbi.net)

**Mário Rodriguez Cobos (1938-2010), escritor argentino e precursor de A Mensagem de Silo.