[Nota da Redação da PRESSENZA:] A independência de Angola foi obtida em Novembro de 1975, após quase 15 anos de luta armada contra Portugal. A Revolução dos Cravos em Portugal e o acordo de Alvor no mesmo ano entre Angola e a potência colonizadora foram o quadro “legal” que sancionou essa independência. Três “movimentos de libertação” reclamavam os seus direitos na altura: o MPLA (apoiado pela União Soviética), a UNITA (apoiado pelo regime de Apartheid que reinava na África do Sul na altura) e a FNLA (apoiado pelos EUA), consequência da divisão do mundo e da guerra-fria que então reinava. O MPLA, como o movimento mais forte, conquistou rapidamente o poder central, mas só à custa duma guerra civil que durou cerca de 25 anos e que foi para os angolanos mais traumatizante ainda do que a própria guerra de independência contra o Portugal fascista (apoiado pela OTAN).
Angola celebra 50 anos de independência
Assinala-se esta terça-feira o cinquentenário da proclamação da independência de Angola. Meio século marcado pelos efeitos da guerra civil e da desigualdade social alimentada pela corrupção no seio de um regime que continua a reprimir a expressão política da cidadania.
O ato central das comemorações do 50º aniversário da independência de Angola vai contar com dez mil convidados e 45 delegações internacionais que incluem vários chefes de Estado e de Governo. O evento contará com desfiles cívico e militar e a condecoração póstuma de Agostinho Neto com a Medalha de Honra.
Ao fim de mais de uma década de luta armada pela independência, também imortalizada na cultura popular, foi Agostinho Neto que proclamou a 11 de novembro de 1975 a República Popular de Angola, ano e meio depois da Revolução do 25 de Abril em Portugal. No dia seguinte foi investido como Presidente da República.
A guerra de libertação de Angola do colonialismo português tinha começado em 1961, com ataques a instalações militares em Luanda, reivindicadas pelo MPLA em fevereiro. No mês seguinte, a UPA reclamou a autoria da rebelião no norte de Angola.
A guerra contra o colonizador coexiste com a guerra interna entre as guerrilhas independentistas. MPLA, FNLA e UNITA. Uma luta que levará à guerra civil até à década de 1990 e que no próprio 11 de novembro de 1975 levou a que cada uma das forças fizesse a sua própria declaração de independência nos territórios que dominava. Mas apenas a do MPLA ganhou reconhecimento internacional.
Os acordos de Alvor, que tinham sido assinados em janeiro entre o governo português e os três movimentos de libertação, todos representados num governo de transição, foram suspensos em março por entre os confrontos armados. O MPLA conseguiu expulsar os restantes de Luanda em julho e dois meses depois, com o beneplácito dos EUA, as tropas sul-africanas invadem Angola a partir do Sul em apoio à UNITA de Jonas Savimbi e as do Zaire a partir do Norte em apoio à FNLA de Holden Roberto. O apoio militar à defesa de Luanda por parte do MPLA chega de Cuba, que foi determinante para travar o avanço dos dois movimentos.
Portugal só reconhecerá o governo do MPLA em fevereiro de 1976, depois de mais de 80 países o terem feito, tendo sido o Brasil o primeiro a fazê-lo. Segue-se a aproximação do MPLA à URSS, que já ajudava o movimento desde a guerra contra o exército colonial, e no interior do partido começa o processo de purga interna que tem como principais alvos Nito Alves e José Van Dunem e que irá desembocar nos acontecimentos de 27 de maio de 1977 e na onda de repressão e fuzilamentos em massa que se seguiu dos militantes do MPLA afetos aos dois dirigentes e que terá matado cerca de 30 mil pessoas.
Quase cinco décadas após os massacres, as feridas desse período ainda estão por sarar e nem a comissão criada pelo atual Presidente João Lourenço escapou às críticas dos familiares que dela se distanciaram, acusando-a de persistir “naquilo que chama ‘modelo Angolano de reconciliação’, que mais não é do que a ausência de qualquer modelo de justiça transicional, preferindo antes colocar as vítimas e algozes na mesma posição, ignorando a busca da Verdade Histórica e as recomendações da União Africana (de que Angola faz parte) sobre a metodologia a desenvolver nos trabalhos”.

O 4 de fevereiro de 1961 e a guerra colonial em Angola
por Diana Andringa
Décadas de guerra civil destruíram o sonho da independência
Agostinho Neto viria a deixar a Presidência em 1979, quando morre em Moscovo onde fazia tratamento médico. José Eduardo dos Santos assume o seu lugar e aí irá permanecer até 2017. Também foi protagonista de várias purgas para consolidar o seu poder enquanto prosseguia a guerra com a UNITA. O final da guerra fria e as dificuldades na economia abrem caminho a negociações de paz e a eleições em 1992 que dão maioria absoluta ao MPLA e não chegam à segunda volta nas presidenciais, tendo a UNITA contestado os resultados e o MPLA atacado as posições do partido de Savimbi na capital, desencadeando massacres por todo o país que terão vitimado pelo menos mais dez mil apoiantes da UNITA e da FNLA e assim retomado a guerra civil.
A guerra duraria ainda mais dez anos, apesar de logo em 1993 os EUA terem reconhecido o governo do MPLA e começado a retirar apoio militar à UNITA e no ano seguinte se terem assinado os protocolos de Lusaca com vista à integração dos militares da UNITA no exército angolano e à formação de um governo com participação de ministros da UNITA. Fracassados os acordos políticos, no terreno militar o conflito alastrou ao vizinho Zaire com as tropas da UNITA a favor de Mobutu, que antes a apoiara violando as sanções ao movimento de Savimbi, e o exército de Angola com os rebeldes chefiados por Laurent Kabila, que viriam a proclamar a República democrática do Congo. Também no Congo Brazzaville a UNITA combateu ao lado do presidente Pascal Lissouba e os militares angolanos em apoio do antigo ditador Denis Sassou-Nguesso, que regressou ao poder.
Isolada militarmente, a UNITA só viria a assinar um cessar-fogo após Jonas Savimbi ser morto em combate em 2002. A nova liderança avançou para a desmobilização das tropas e assumiu a organização exclusivamente como um partido político. Os 27 anos de guerra civil deixaram mais de meio milhão de mortos e igual número de deslocados.
A paz conviveu com a cleptocracia
As eleições parlamentares só regressariam em 2008, com o MPLA a obter mais de 80% e a oposição a reclamar por fraude do resultado. Foi esta maioria que aprovou a nova Constituição para adotar um regime presidencialista e acabar com as eleições presidenciais, passando o líder do partido mais votado a assumir o cargo. E José Eduardo dos Santos seria assim reeleito em 2012 com mais de dois terços dos votos. Mas não sem contestação nas ruas. No ano anterior, as mobilizações de jovens contra o regime corrupto e pela liberdade abalaram a imagem do Presidente. Protestos que se repetiram em 2015, após a prisão de 14 jovens acusados de prepararem uma rebelião por discutirem um texto sobre ação de desobediência não-violenta. O grupo passou um ano na prisão, parte do qual em grave de fome.
Os efeitos da guerra civil afetaram naturalmente boa parte da história da independência angolana, tanto na economia como na sociedade. A riqueza do país em minérios e petróleo contrasta com a pobreza e a desigualdade social. Sob a proteção de Eduardo dos Santos, uma pequena elite de familiares e militares próximos do Presidente apropriou-se de setores estratégicos da economia, como o do petróleo, banca, diamantes e telecomunicações. Fortunas extraídas nestes negócios circularam entre Luanda e Lisboa, passando por vários paraísos fiscais. Muitos casos foram denunciados, destacando-se nesta aspeto o jornalista Rafael Marques.
Já depois de Eduardo dos Santos ter sido substituído por João Lourenço à frente do MPLA e na Presidência vieram à tona escândalos como o Luanda Leaks, que envolve a filha do ex-Presidente Isabel dos Santos, entretanto obrigada a fixar residência no Dubai para escapar à justiça do seu país e não só.
Renovação da liderança: uma esperança que durou pouco
Eleito em 2017, João Lourenço prometia endurecer o combate à corrupção, mas ao fim de oito meses de mandato essa esperança inicial já se tinha desvanecido. “A mão da justiça continua a ser apenas para os mais fracos. Para os maiores corruptos, a justiça pia baixinho”, dizia então Rafael Marques.
João Lourenço foi reeleito em 2022, com o MPLA a obter 51,17% dos votos em resultados novamente contestados pela oposição. Desde então a contestação social contra o aumento do custo de vida tem continuado e este ano subiram de tom com tumultos graves que se seguiram à greve dos candongueiros que asseguram transporte de pessoas e mercadorias, fortemente reprimida pela polícia e que se saldou nos números oficiais por mais de duas dezenas de mortes e mais de mil detenções.
“Assaltar lojas e armazéns para obtenção de comida deve ser o sintoma incontornável de que um povo já não tem quaisquer esperanças. Qualquer governante não precisaria de outros indicadores para chegar à conclusão de que falhou completamente”, escreveu Sedrick de Carvalho, jornalista e um dos jovens presos de 2015.
Há cinco anos, um protesto de jovens ativistas voltou a desafiar o regime de João Lourenço assinalando os 45 anos da independência de Angola e exigindo o fim do elevado custo de vida e eleições autárquicas no ano seguinte. E mais uma vez o grupo foi atacado pela polícia, desta vez com fogo real, matando o estudante Inocêncio de Matos e deixando Nito Alves em estado grave. Cinco anos depois, a família e seus advogados ainda esperam por justiça e acusam as autoridades de terem deixado a investigação na gaveta.
“Acredito que só esta nova geração poderá transformar Angola. Se houver uma possibilidade de transformação, tem que ser com a juventude”, afirmou o escritor José Eduardo Agualusa em entrevista à agência Lusa sobre os 50 anos da independência do país. Comparando os tempos atuais com os do anterior Presidente, Agualusa diz que “a liberdade de expressão é muito maior do que naquela época. Agora, há outras liberdades que continuam a ser postas em causa, como a liberdade de manifestação”. Quanto à desigualdade social, afirma que “aumentou imensamente a partir do momento em que se escolheu o sistema capitalista, depois do período socialista, do partido único” e defende que as prioridades do país devem ser a educação e a saúde, lamentando que “o país continua a gastar muito dinheiro em grandes construções, muitas vezes sem justificação”.







