30.06.25 – Santiago de Chile – Félix Madariaga Leiva
Nos últimos meses, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva adotou um discurso cada vez mais distante dos Estados Unidos, particularmente como resposta às tarifas impostas pela administração de Donald Trump. Frente ao anúncio de tarifas universais de entre 10% e 20% (incluindo um adicional de 10% para o Brasil), Lula declarou: “Responderemos a toda tentativa de impor um protecionismo que não cabe mais neste mundo” e anunciou que o Brasil adotará “todas as medidas possíveis” em defesa de seus trabalhadores e empresas.
Posteriormente, durante a Cúpula da CELAC em Tegucigalpa (abril de 2025), Lula instou os países da América Latina e do Caribe a se unirem “para enfrentar tarifas arbitrárias” e recuperar o espírito de integração regional por meio de um mecanismo comum. Ele também destacou que o Brasil buscará negociar primeiro com o objetivo de priorizar o diálogo, mas reiterou que responderia com reciprocidade se não fossem alcançados acordos, que esperamos que sejam justos e equânimes.
Apoios regionais e marco institucional
Em Tegucigalpa, líderes como a presidenta do México Claudia Sheinbaum e o presidente da Colômbia Gustavo Petro, apoiaram publicamente a proposta de Lula. De fato, Sheinbaum propôs uma “Cúpula pelo Bem-Estar Econômico Regional” e chamou a fortalecer o comércio intrarregional. Todos concordaram com a urgência de fortalecer a integração como resposta estratégica ao protecionismo global e às decisões unilaterais dos Estados Unidos que poderiam desestabilizar a economia e a política internacional.
Além disso, Lula apresentou a ideia de colaborar em uma candidatura conjunta latino-americana para a Secretaria Geral da ONU, usando a diplomacia multilateral como alavanca para aumentar a influência regional conjunta.
A agenda BRICS: convite ao Chile
Em paralelo, Lula também estendeu um convite direto ao presidente do Chile, Gabriel Boric, para participar da próxima cúpula BRICS+, que será realizada no Brasil nos dias 6 e 7 de julho de 2025. Este chamado vem acompanhado da intenção de que o Chile, sob a liderança de Boric, se incorpore oficialmente ao bloco, o que implicaria um desafio à hegemonia norte-americana.
Atualmente, os BRICS são compostos por onze países: seus 5 membros originais – Brasil, China, Índia, Rússia e África do Sul – e seis novos membros admitidos em 2024-2025: Egito, Etiópia, Indonésia, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.
Boric aceitou participar como convidado, o que gerou uma resposta negativa imediata, tanto na oposição quanto em algumas forças governistas. Apesar de os BRICS serem um fórum de caráter econômico, a crítica à participação do Chile na reunião se centrou em razões políticas, como a presença da Rússia e do Irã no encontro. No entanto, é mais provável que a base de tanta reticência seja o medo de irritar nosso grande irmão do norte.
O que poderia haver de errado em integrar uma organização que busca reduzir a dependência do dólar americano e promover uma ordem mundial multipolar? Para nós, claramente nada, considerando que hoje os países do BRICS representam cerca de 3,3 bilhões de pessoas, mais de 40% da população mundial e que juntos, as economias alcançam aproximadamente 37% do produto interno bruto mundial e onde está um dos nossos principais parceiros comerciais, como a China.
Nos últimos anos, os BRICS ampliaram seus esforços de cooperação em áreas como segurança, desenvolvimento econômico, intercâmbios culturais e até projetos humanitários, graças também à criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) como alternativa ao Banco Mundial.
Como destacou em sua coluna no El Mostrador, Álvaro Ramis, Reitor da Universidade Academia de Humanismo Cristão, “Pertencer aos BRICS não deve ser interpretado como uma renúncia às nossas alianças tradicionais, mas sim como uma expansão necessária de nossos horizontes estratégicos. É o passo lógico para uma nação que aspira a ser um ator relevante na construção de um mundo mais equitativo e próspero. É imperativo que abracemos esta oportunidade com visão e determinação” e, diante das dúvidas sobre a participação do Chile em um fórum com uma diversidade de regimes políticos, afirma que “nossa Constituição, assim como a brasileira, estabelece a defesa da paz e a solução pacífica de conflitos como princípios fundamentais de nossa política externa. Ao promover a cooperação econômica e a busca por uma ordem multipolar, estamos contribuindo para um ambiente internacional menos propenso a conflitos, o que, indiretamente, resulta em benefícios para a situação dos direitos humanos em nível global”.
Acreditamos que esse deveria ser o caminho que devemos percorrer. Por quê fechar uma porta que poderia abrir novos espaços para fortalecer a voz do Sul Global? Por quê fechar uma porta que poderia nos permitir um crescimento mais equilibrado e justo, menos dependente de um parceiro, tantas vezes caprichoso?
A ascensão do protecionismo estadunidense, sob o argumento de “fazer a América grande novamente”, resultou em medidas tarifárias que ameaçam as cadeias de valor globais. A reação de governos como o de Lula mostra que o unilateralismo de Washington pode ser percebido como uma ameaça à paz econômica global: “A história nos ensina que guerras comerciais não têm vencedores”.
Essas políticas são vistas também como um vestígio de uma mentalidade bélica —”um país promotor da guerra mundial” em termos simbólicos—, onde a imposição comercial reflete um retorno a disputas de poder não apenas econômicas, mas geopolíticas. Frente a isso, a resposta latino-americana se enquadra em uma estratégia de defesa coletiva, reafirmação soberana e construção de espaços de diálogo multilateral, justamente para resguardar a estabilidade e a autonomia regional. Por isso, esperamos que o Chile aproveite essa oportunidade e não feche suas portas diante de pressões e opiniões que parecem não levar em conta os desafios globais que estamos enfrentando.







