“Meu coração é democrata, mas meu cérebro é meio republicano”.

– Jamie Dimon (multibilionário e Diretor Executivo do banco JPMorgan Chase)

 Por Mark Lesseraux 

Muitas pessoas nos Estados Unidos e em todo o mundo estão surpreendidas com o que parece ser o início de um possível momento de mudança radical na vida útil do experimento humano chamado democracia. Milhões de cidadãos impressionados ao redor do mundo estão se perguntando como e por que nacionalistas regressivos como Trump (EUA), Bolsonaro (Brasil), Salvini (Itália), Le Pen (França), Orban (Hungria), Kasidiaris (Grécia), Erdoğan (Turquia), Modi (Índia), Ventura (Portugal), Johnson (Reino Unido), etc., subitamente tomaram o poder ou estão em ascensão ao poder nos últimos anos.

Os principais meios de comunicação de “esquerda” dos EUA, como The Washington Post, CNN, The New York Times, NPR, Huffington Post etc., apresentam uma visão geral bastante unificada de eventos e opiniões que tendem a ser ignoradas (com raras exceções), ao analisar o que realmente está causando esse aumento de ressentimento acompanhado por apelos por soluções nacionalistas regressivas. Como se de repente um bando sincronizado de personagens malignos dos quadrinhos tivesse surgido do nada, um complô espalhado de protofascistas com milhões de seguidores da extrema direita enganados, indo em direção aos corredores do poder em todo o mundo.

Na maior parte dos casos, a posição da mídia de “esquerda” dominante nos EUA tem sido a de culpar a crise atual inteiramente pelo recente influxo de forças antidemocráticas externas àquela que, em sua opinião, é uma democracia exemplar e plenamente funcional. Embora seja certamente válido ressaltar que a proliferação de correntes de pensamento irracionais, que vão desde as expostas por grupos marginais como QAnon até os discursos reacionários regressivos de personalidades da direita como Sean Hannity e Tucker Carlson, ajudaram a impulsionar demagogos como Donald Trump para lugares de poder, parar aí é permanecer firme no efeito de uma doença que está enraizada em uma causa mais profunda.

O que está sendo sugerido aqui é que a origem dessa guinada aparentemente inesperada em direção à extrema direita não é de forma alguma nova. Na verdade, o que estamos testemunhando é um sintoma de estágio avançado, uma reação induzida por traumas produzidos por quase meio século de desregulamentação neoliberal: a queda da esquerda liberal, a ascensão do neoliberalismo e a confusão resultante que se instalou.

Este deslizamento de terra da desregulamentação, que começou com força total no início dos anos 1980, destruiu quase um século de longa luta por medidas protetoras que foram postas em prática para proteger nossa democracia de ser usurpada pelos interesses de poucos. Como resultado, um contingente muito pequeno de pessoas extremamente ricas assumiu e formalizou essencialmente o que antes eram, pelo menos até certo ponto, instituições verdadeiramente democráticas. Com uma legislação que vai desde a desregulamentação de tudo: desde a mídia ao sistema bancário, passando por leis de financiamento de campanha e comércio, as últimas quatro décadas foram, para todos os efeitos, um “golpe de Estado” corporativo.

Uma clara manifestação dessa mudança pode ser vista ao olhar para as pessoas que agora são consideradas as vozes “moderadas” proeminentes (e alguns dos maiores doadores) do atual Partido Democrata. Multibilionários como Jamie Dimon, Jeff Bezos, Lloyd Blankfein e Michael Bloomberg agora representam a atual “esquerda moderada” dominante nos Estados Unidos. De fato, Bloomberg e Bezos são donos de dois dos maiores jornais da mídia convencional de “esquerda” (Bloomberg News e The Washington Post) do país. Há seis meses, tanto Blankfein quanto Dimon declararam abertamente que votariam em Donald Trump nas eleições de 2020 se o senador Bernie Sanders, que concorreu como democrata ao estilo New Deal, ganhasse as primárias democratas. Todos os quatro “porta-bandeiras” do centrismo democrático do século XXI teriam sido considerados republicanos de direita três décadas atrás. Na verdade, dois deles eram republicanos há apenas sete anos.

Tudo isso não é muito comentado nas reportagens supostamente “neutras” dos eventos dos principais meios de comunicação. O que quase nunca é aludido é o fato de que o que é tacitamente entendido como sendo o “centro” objetivo do espectro sociopolítico tem se movido constantemente para a direita por mais de quatro décadas. Tanto que quando se trata das questões centrais da política militar e econômica, as ideologias e ações básicas dos partidos republicano e democrata se tornaram quase indistinguíveis. Os dois partidos têm se tornado cada vez mais semelhantes em suas ideologias porque as corporações doadoras que apoiam as candidaturas de seus políticos têm se tornado cada vez menos regulamentadas e, portanto, mais unificadas, apesar das disputas superficiais entre as poucas facções super-ricas remanescentes, como uma classe dominante de elite obscenamente rica.

Essa concentração de riqueza, poder e influência da mídia produziu uma escassez de notícias e informações que não são propagadas por e a serviço de grandes corporações privadas e suas margens de lucro. Como resultado, a maioria da população dos Estados Unidos e outras populações ao redor do mundo ficaram confusas e desesperadas para fazer cara ou coroa em relação a eventos que parecem estar continuamente saindo de controle. Essa combinação de desespero, confusão e falta de fontes convencionais de informação confiáveis alimentou novas formas de irracionalismo e exige soluções regressivas, quase fascistas.

Estas são as opções atuais que os últimos 40 anos ou mais de capitalismo neoliberal desregulamentado parecem ter nos deixado. Este é o padrão global agora enraizado que a concentração de riqueza obscena e absoluta e de poder nas mãos de poucos gerou. O que agora está em oferta é a escolha entre ser governado por elites corruptas consolidadas ou protofascistas nacionalistas regressivos.

Existe um velho ditado espanhol: “Para ser puesto entre la espada y la pared” (Para ser colocado entre a espada e a parede). Por enquanto os EUA parecem ter escolhido a parede com a eleição do democrata moderado Joe Biden como presidente. A história tem nos mostrado repetidas vezes que quando uma população se sente continuamente colocada entre uma espada e uma parede, muitas vezes acaba escolhendo a espada.


 

Traduzido do inglês por Marcella Santiago / Revisado por Larissa Dufner