É preciso considerar que o racismo influencia as nossas vidas, por se tratar de algo estrutural, e não de uma atitude individual como pensam muitas pessoas. O comportamento do defensor Jovino Bento Júnior, responsável por protocolar ação civil pública contra Magazine Luiza, pedindo uma multa indenizatória de 10 milhões de reais por danos morais, por um suposto “racismo inverso”, demonstra muito bem o quanto essa questão precisa ser debatida, exaustivamente, na sociedade brasileira.

Conforme o defensor público Jovino Bento Júnior, sua ação judicial se justifica porque o processo seletivo da empresa é “ilegal”, uma vez que, segundo ele, discrimina “demais trabalhadores que também dependem da venda de sua força de trabalho para manter a si mesmos e às respectivas famílias”.

Ocorre que o referido defensor se equivoca, pois não considera o quanto as pessoas negras são afetadas pelo racismo em toda a sua trajetória de vida. A socialização no contexto brasileiro foi baseada na desigualdade, assentada na questão racial. Significa dizer que, mesmo após a escravidão, os valores negativos construídos em relação ao povo negro tiveram continuidade, devido à falta de políticas governamentais que visassem o contrário.

Por isso, é necessário reconhecer a existência de relações de forças – simbólicas e não simbólicas – que determinam papeis sociais de subalternidade para o povo negro. Os números das desigualdades não nos deixam mentir.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em relação à população desocupada, que inclui, além dos desempregados, os subempregados e a força de trabalho potencial, as pessoas pretas ou pardas formam o maior contingente. Em 2018 elas formavam cerca de ⅔ dos desocupados (64,2%) e dos subutilizados (66,1%) na força de trabalho.

O mesmo instituto de pesquisa também aponta que a população branca tem renda 74% superior à renda das pessoas pretas e pardas. Nos cargos de gerência, a proporção de brancos corresponde a 68,6%, contra 29,9% entre pretos ou pardos (29,9%), no mesmo ano.

Ainda conforme pesquisa do IBGE, a população negra é a mais atingida pela violência, em todas as faixas etárias. A taxa de homicídios para pretos ou pardos de 15 a 29 anos chegou a 98,5 no ano de 2017, enquanto que ficou em 34,0 para a população branca. No que se refere aos jovens pretos ou pardos do sexo masculino, a taxa ficou em 185,0.

Todos esses números, assim como os referentes a saneamento básico, a pobreza, a acesso à educação, entre outros, no Brasil, demonstram aquilo que chamamos de racismo estrutural, que, como a própria palavra sugere, está nas estruturas da sociedade. Isso significa afirmar que essas estruturas estão formadas por mecanismos de exclusão e discriminação direcionados às população negra – e indígena também ; mecanismos construídos ao longo do nosso processo histórico, social e político.

Por isso, não se pode acusar a iniciativa das lojas Magazine Luiza como discriminatória, porque esta, na realidade, busca equilibrar essas desigualdades tão flagrantes na sociedade brasileira, e que a maioria dos governos, principalmente o atual, nega, dificultando ainda mais o processo de reparação dos danos causados às populações discriminadas durante séculos, as quais perduram até os dias atuais.

Esperamos que o nosso país construa uma equidade tal, que dispense iniciativas como essas do Magazine Luiza.. Enquanto isso não acontecer, no entanto, nós, que lutamos contra essa chaga tão perversa que é o racismo, e que nos atinge tão frontalmente, aplaudiremos.