Entre os dias 25 e 29 de agosto, as cidades de Maricá e Niterói, no Rio de Janeiro, abrigaram o 24º Congresso da Rede Mundial de Renda Básica (BIEN, na sigla em inglês), e a Rede Humanista pela Renda Básica Universal e Incondicional organizou, no dia 28 de agosto, o interessante painel: “Universalidade da renda básica, solidariedade econômica e mudança cultural”.

Coordenado pela representante da associaçao Mundo Sem Guerras e Sem Violencia – MSGeSV,  Cristina Weber, o painel contou com a participação dos palestrantes Eduardo Alves, presidente da ONG Viva Rio e colaborador de Pressenza; Juana Pérez Montero, redatora e editora desta agência; e Sérgio Mesquita, servidor público aposentado, funcionário do Instituto de Ciência, Tecnologia e Inovação de Maricá – ICTIM e também colaborador de Pressenza.

Compartilhamos aqui a análise e o testemunho sobre o tema tratado na palestra de Sérgio Mesquita cujo título é o mesmo deste artigo.

Palestra:

Antes de comentar uns poucos “causos” acontecidos durante a implantação da Moeda Mumbuca e do Bolsa Mumbuca em Maricá, devemos dar uma passeada pelo passado recentíssimo deste nosso mundo, para tentar entender este caos em que vivemos atualmente.  Quais as soluções possíveis e, porque defendemos a implantação em caráter de emergência da RBU? Não como uma ferramenta definitiva, mas como a única que poderia, nos dias de hoje, amenizar sofrimentos e angústias da imensa maioria da população mundial. Pois então, vejamos.

Lá pelos idos anteriores a Idade das Trevas, uma pequena parcela da população ocidental europeia, se auto determinava civilizados perante as demais civilizações, mas principalmente como o berço da civilização mundial. Ignorando culturas muito mais avançadas em intelectos e descobertas do que eles próprios. E, em se tratando deste tempo curtíssimo de nossa existência, poderíamos arriscar tratar-se da primeira guerra cultural travada no mundo. Passamos por várias destas guerras e ainda estamos nesta luta, como nos lembrou Juana em sua fala, onde diz que a implantação da RBU implica em mudança de Cultura, ou da fala do Eduardo, quando fala da cognição.

Desde que o “descobridor” chegou às Américas, os povos originários tinham suas cabeças decapitadas, por não entenderem os padres quando os perguntavam se eram tementes ao Deus único dos civilizados Não falavam as mesmas línguas, não sabiam responder, e a cabeça rolava pelo chão. E mesmo que entendessem, sofreriam do mesmo jeito, pois tinham vários deuses e não um único. Mas como eram “primitivos”, não civilizados…

São passados mais de 200 anos que discutimos alguns pontos por conta dos avanços tecnológicos. Primeiro, durante a Revolução Industrial e o desemprego consequente. Depois, na década de 50 a televisão deseducaria as crianças, e nos anos 90 os robôs e o mesmo desemprego. Para em seguida o problema passa a ser o celular, e hoje são as IAs. Fazemos bons diagnósticos, mas nunca demos ou propusemos ações de fato, só paliativos para amenizar os problemas.

O tempo passa e a tecnologia continuou e continua avançando, de maneira que hoje não tem o menor sentido escalas como a 6X1, ou mesmo as 40 horas de trabalho semanal. Mas continuamos a encontrar trabalho escravo pelo mundo, e aqui em nossa Pindorama. As guerras continuam, a desigualdade aumenta, a fome atinge a bilhão de pessoas, desemprego, genocídios e outras desgraceiras. Mas, como no antigamente recentíssimo, uma pequeníssima parcela deste mundão, vai muito bem obrigado. Hoje, são os famosos 1% da população. Os mesmos que não admitem a implantação da RBU.

Keynes, nos anos 30 (1930), durante a crise de 29, escreve um artigo chamado “Economia para nossos netos”. Em certo ponto ele prevê que o avanço tecnológico e o consequente aumento da produção, que seria abundante, e as propostas econômicas por ele colocadas para diminuir a desigualdade entre os países. Levaria, dali há 100 anos (2030), ali na esquina, a única e verdadeira crise da humanidade seria em decidir como gastar o seu dinheiro, no tempo livre que disporia. Acredito que, pelo mundo hoje, é certo que suas propostas não foram aceitas pelo civilização civilizada ocidental. Daí, ainda termos trabalho escravo no mundo. Ah! Como saber se daria certo? Nunca saberemos! Só temos a certeza que o que está aí há mais de 400 anos nunca deu certo. Hebert de Souza, o Betinho, proferiu uma frase interessante, mais ou menos assim: a tecnologia inventou a produção sem o trabalho, mas não inventou o consumo sem o salário. E tome crise no sistema capitalista desde o final do Século XIX.

Fato, com raras exceções, é que vivemos em um mundo no qual existem mais sociedades violentas, autoritárias do que sadias, prósperas, cooperativas ou solidárias. Como também é fato que, a grande incentivadora desta situação chama-se desigualdade. Situação que alicerça o atual sistema econômico das sociedades ditas civilizadas.

Márcio Valley em seu texto “Entre a prisão e o ócio remunerado”, em defesa do Bolsa Família no Brasil, escreve os seguintes parágrafos:

“É mais fácil ser gentil e educado com vizinhos e estranhos quando a família está abrigada e alimentada e o filho estuda em bom colégio. Se isso é alcançado por renda própria ou através de programa governamental de transferência não importa, o efeito será o mesmo. O que importa é que, em geral, quem sobrevive dignamente tende a estar mais satisfeito com a sociedade que integra e menos propenso a surtos de ira ou revolta.”

“Pode-se imaginar um agrupamento humano do tipo ‘cada um por si’. Difícil seria categorizar tal agrupamento como sociedade humana, cujo valor semântico embute a noção de associação para ajuda mútua. Um agrupamento ‘cada um por si’ seria socialmente inferior a um bando de leões, já que, nele, todos comem independentemente de terem caçado, mesmo os dorminhocos.”

“Que tipo de sociedade desejamos para viver?

Uma no qual o vizinho desempregado consiga sobreviver ou uma na qual ele seja obrigado a pular o seu muro e roubar para alimentar a família?

Para mim a resposta parece clara e cristalina: prefiro viver no estado de bem estar social e andar em paz nas ruas, ainda que isso me custe uma facada mais aguda em meu salário.”

Marcos de Dios, professor de História e Filosofia, aqui na terrinha de Maricá, em um debate com alunos liberais da Faculdade de Economia da USP, campus de Ribeirão Preto, quando perguntado porque era comunista, ele responde simplesmente, porque era inteligente. E justifica sua inteligência dizendo que gostaria de ficar na noite com os amigos, e depois ir para casa sem se preocupar. Gostaria de morar não em uma casa com muro de 3 metros com cercas eletrificadas. Gostaria que seu filho pudesse sair para a balada, sem ser acompanhado por seguranças. Não que ele more em casa de muro alto ou seu filho tenha segurança, mas sim por que gostaria de não ter preocupações do tipo que hoje temos. Onde, em alguns casos, lembrando Chico Buarque, não sabemos se chamamos a polícia ou o ladrão.

A RBU não nos trará em curto prazo esta qualidade de vida, ainda teremos muita luta, avanços e recuos. Mas, de imediato, no curto prazo, nos trará mais tranquilidade e uma melhor qualidade de vida. Pois é fato, como aconteceu em Maricá, mesmo ainda não sendo Universal, a circulação da Moeda Mumbuca, como Renda Básica Cidadã, gerou riqueza para todos, inclusive para o empresariado local que se referiu ao projeto como coisa de circo, uma palhaçada. Maricá hoje, principalmente devido a decisão política de implantação de sua Moeda, como um passo na busca da RBU, fez a diferença na região. Os “royalties” do petróleo, ajudaram na sua expansão, mas a decisão política foi anterior ao mesmo.

Com a moeda circulando, o comércio comprou mais e empregou mais, devido ao aumento da demanda e, aos poucos, mesmo os contrários se renderam. Apesar de ainda escutarmos pelos cantos a mesma ladainha: “gerou vagabundos, ninguém aceita mais trabalhar pelo salário mínimo em Maricá”! Aí, pergunto eu: já pensou em pagar mais para seus funcionários? Você viveria com o salário mínimo que quer pagar? Esse seu funcionário, ganhando mais um pouco, não vai consumir mais? Aumentar a circulação do dinheiro? Gerar mais emprego? Não respondem ou, me mandam à merda…paciência.

Enquanto não chegamos à situação apresentada na série de televisão “Jornada nas Estrelas” com a tripulação do capitão Picard. Em especial no episódio onde resgatam um então bilionário do Século XX, congelado, assistimos ao seguinte diálogo:

CP – Muitas coisas mudaram nestes 300 anos, as pessoas não estão mais obcecadas em acumular coisas. Nós eliminamos a fome, as necessidades, o desejo de posses. Nós saímos da infância.

BI – Você entendeu tudo errado. Nunca se tratou de posses, sim de poder.

CP – Poder para fazer o quê?

BI – Para controlar sua vida, seu destino.

CP – Esse tipo de controle é uma ilusão.

BI – O que vai acontecer com a gente? Não há sinal do meu dinheiro. Meu escritório se foi. O que vou fazer? Como vou viver?

CP – Estamos no século XXIV. Necessidades materiais não existe mais.

BI – Então qual é o desafio?

CP – O desafio Sr. Offenhouse, é se melhorar por dentro, se enriquecer por dentro. Aproveite!

Encerro dizendo que: enquanto não inventamos o “motor de dobra da Interprise”, que comecemos com o primeiro de vários outros passos: que comecemos com a RBU.