OPINIÃO

Por Rogério Weber

Na quarta-feira, 9 de julho, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, publicou em sua plataforma Truth Social uma carta dirigida ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na qual anunciava novas tarifas de 50% sobre todos os produtos brasileiros, as quais entrarão em vigor a partir de 1º de agosto. No entanto, em sua carta, ele não justificou as acusações de “práticas comerciais desleais e injustas” contra o Brasil.

Trump começa mal escrevendo uma carta a Lula em sua rede social, ignorando os canais diplomáticos habituais que exigem certo cuidado e decoro na comunicação entre chefes de Estado, utilizando um argumento impreciso ou falso. Partindo dessa premissa, ele avança sugerindo um desequilíbrio nas relações comerciais entre os dois países que apenas beneficiaria o Brasil.

Isso não é verdade, pois no comércio bilateral, os Estados Unidos têm registrado superávits desde 2009, ou seja, nos últimos 16 anos. Nesse período, o superávit a favor dos EUA ultrapassa os 92 bilhões de dólares. Além disso, em comparação com outros países, o comércio com o Brasil representa o sexto maior superávit dos Estados Unidos.

No parágrafo seguinte, Trump continua sua carta com outro argumento, evidenciando razões nitidamente políticas e não econômicas. Ele começa a elogiar o ex-presidente Jair Bolsonaro e critica o tratamento dado pela justiça brasileira ao ex-presidente.

É importante lembrar que Bolsonaro está inelegível até 2030 e em breve enfrentará julgamento por incentivar os ataques às sedes dos três poderes em Brasília em 8 de janeiro de 2023. A Suprema Corte do Brasil considerou corretamente isso como uma “tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito”. Bolsonaro também será julgado por “associação a uma organização criminosa armada” que planejou os assassinatos do presidente Lula, de seu vice-presidente Geraldo Alckmin, e do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, entre outros crimes pelos quais foi acusado e que, somados, podem resultar em mais de 40 anos de prisão se condenado.

Para Trump, que escapou “milagrosamente” das acusações pelas quais foi imputado e não foi punido em seu país por incentivar os ataques ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021, dois anos antes do Brasil, o fato de Bolsonaro estar sendo julgado por isso parece uma “caça às bruxas” e uma “vergonha internacional”.

Antes de concluir sua carta, Trump menciona um terceiro motivo para suas medidas tarifárias contra o Brasil. Ele critica as “centenas de ordens secretas e ilegais” da Suprema Corte do Brasil que, segundo ele, estariam “violando a liberdade de expressão de cidadãos americanos nas redes sociais e censurando plataformas dos Estados Unidos, ameaçando-as com multas milionárias e expulsão do mercado brasileiro”.

Não entrarei neste último argumento aqui, pois seria melhor escrever outro texto para explicá-lo adequadamente. Apenas direi que considero muito corajoso e louvável o esforço dos juízes brasileiros para limitar os abusos de poder das grandes empresas de tecnologia, como a X de Elon Musk, que tentam influenciar as eleições no Brasil e em outras regiões do mundo. É importante lembrar que em 2019 o bilionário Elon Musk admitiu ter ajudado a financiar o golpe contra Evo Morales na Bolívia, interessado em explorar os recursos minerais deste e de outros países da região da maneira mais mafiosa possível. São empresários e amigos (ou ex-amigos) americanos desse tipo que Trump exige que a Suprema Corte do Brasil ignore.

A reação dos economistas

No dia seguinte ao anúncio de Trump, vários economistas brasileiros e de outros países criticaram as medidas adotadas pelo republicano, mas destacaremos aqui as declarações de dois ganhadores do Prêmio Nobel de Economia americanos, que não apenas criticaram as medidas de Trump, como defenderam a posição comercial e as instituições democráticas do Brasil.

Em entrevista à CNN Brasil, Joseph Stiglitz, vencedor do Nobel de Economia em 2001, disse que Trump “é um valentão que usa tarifas como arma” e alertou que essa forma de tarifar outros países é “prejudicial, ineficaz e sintomática de uma visão distorcida da economia global”. Ele acrescentou que, além de “não fazer sentido econômico algum”, as motivações de Trump são políticas e representam uma tentativa do presidente americano de interferir na soberania e na justiça brasileira de forma completamente indevida. Stiglitz também previu que, se continuar assim, “Trump causará inflação e outros problemas econômicos para os Estados Unidos, e que essas tarifas são ilegais e provavelmente serão objeto de disputa judicial nos Estados Unidos”.

Paul Krugman, também ganhador do Nobel de Economia em 2008 e professor na Universidade da Cidade de Nova York, foi ainda mais duro em suas críticas a Donald Trump. Em um artigo publicado no site Substack, Krugman disse que essas medidas representam um “programa de proteção a ditadores”, que tudo “se resume a punir o Brasil por levar o ex-presidente Bolsonaro a julgamento” e que é “um esforço de Trump para ajudar outro aspirante a ditador”. Para o economista, os últimos atos de Trump representam uma nova direção nas políticas tarifárias dos EUA, que ele classifica como “perversas e megalomaníacas”.

Para justificar o título de “megalomaníaco” dado ao anúncio de Trump, o economista utilizou estatísticas de 2022 da Organização Mundial do Comércio (OMC), que indicam os principais parceiros comerciais do Brasil. Os dados mostram que o principal parceiro comercial do Brasil é a China, que recebe 26,8% de suas exportações. Em seguida, está a União Europeia com 15,2%, os EUA são o terceiro com 11,4%, seguidos pela Argentina (4,6%), Chile (2,7%) e outros países ou blocos com 39,3%.

Segundo cálculos do governo brasileiro, as exportações para os Estados Unidos representam apenas 1,7% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Com esses dados, Krugman faz a seguinte pergunta: “Trump realmente acredita que pode usar suas tarifas para intimidar uma nação enorme, que nem depende muito do mercado americano, a abandonar sua democracia?”

O economista também afirmou categoricamente que “se os Estados Unidos ainda tivessem uma democracia funcional, esse ataque contra o Brasil seria por si só a base para o impeachment de Trump”. E concluiu, alertando: “De qualquer forma, não ignoremos este fato. Estamos diante de mais um passo terrível rumo à espiral descendente de nosso país”.

Repercussões na imprensa internacional

Em alguns dos meios de comunicação mais influentes do mundo, as razões de Trump para impor tarifas tão altas à maior economia da América Latina não foram bem recebidas pelo presidente dos Estados Unidos.

As novas tarifas de 50% superam em muito as de 10% anunciadas no início de abril. Na lista estão petróleo, suco de laranja, café, cacau, carne bovina, ferro, aço, peças de avião e até aeronaves inteiras da empresa Embraer.

O jornal britânico The Guardian fala de um déficit comercial imaginário e aponta um erro flagrante de informação na carta de Trump enviada ao Brasil. Outro jornal britânico, o Financial Times, afirma que as informações de Trump são falsas, e a rede britânica BBC segue a mesma linha, além de apontar semelhanças entre Trump e Bolsonaro, já que ambos se recusaram a reconhecer publicamente suas derrotas eleitorais.

O The New York Times disse que a tensão entre os dois países surgiu do nada, insinuando que as medidas de Trump são estranhas e injustificadas. O The Washington Post sugere que os acanceles de Trump ao Brasil são

motivados por questões pessoais e não seguem uma lógica estritamente comercial. Para o francês Le Monde, os Estados Unidos estão usando tarifas contra o Brasil para apoiar Bolsonaro e declarar guerra a Lula.

Bom, aqui me detenho, justamente nessa afirmação do Le Monde.

Por que declarar guerra a Lula? O que Lula fez ou está fazendo?

As políticas de inclusão social e redistribuição de renda de Lula em seus dois primeiros mandatos são amplamente conhecidas e lhe renderam reconhecimento e respeito internacional. Com isso, Lula deixou a presidência do Brasil com uma aprovação popular altíssima, em torno de 80%. Foi suficiente para indicar uma de suas ministras para substituí-lo e fazer com que ela vencesse, apesar do desespero de uma elite econômica que tentava frear essa marcha de benefícios jamais vista ou vivida pelo povo trabalhador do país.

Muito honesta, mas sem o mesmo carisma e habilidade política de Lula, Dilma Rousseff sofreu um impeachment em seu segundo mandato sob acusações que mais tarde foram rejeitadas pela justiça. Mas o dano já estava feito, e um longo processo de lawfare havia se instalado com a cumplicidade de uma imprensa hegemônica que sempre serviu às oligarquias locais e internacionais — oligarquias que nunca olharam com bons olhos para o PT de Lula e Dilma.

Durante esse longo processo de lawfare, Lula também foi acusado de diversos crimes sem provas evidentes e acabou preso. Isso causou tamanha comoção que gerou a campanha internacional Lula Livre. Sem provas, o processo contra Lula foi anulado pelo STF, que o reconheceu como um “erro histórico”. Mas os 580 dias de prisão foram suficientes para enfraquecer as bases do Partido dos Trabalhadores (PT) e permitir que Bolsonaro, até então apenas um deputado pouco expressivo e ex-militar defensor da ditadura, conquistasse o apoio necessário da elite econômica mesquinha, dos setores religiosos conservadores e com o silêncio ou neutralidade da grande mídia, levando-o a vencer as eleições de 2018.

Não cabe aqui enumerar todas as políticas e programas sociais fundamentais para o crescimento social e econômico do Brasil sob Lula e Dilma, mas é importante mencionar o sentimento de retrocesso vivido no governo Bolsonaro. Acredito que, apesar dos esforços para mantê-lo no poder, sua derrota em 2022 se deve a esses retrocessos nos programas de inclusão social, à má gestão da pandemia, e talvez principalmente à polarização marcada por discursos de ódio que envenenaram o país e dos quais os brasileiros quiseram se livrar.

Assim, Lula retornou para um terceiro mandato. Era a única figura capaz de unir uma esquerda abalada. Tão abalada que sua presença nas casas legislativas e nos estados foi reduzida. Tornou-se necessário compor um governo com partidos de centro-direita, inclusive alguns que apoiaram Bolsonaro — o famoso “Centrão”.

Começa assim o terceiro mandato de Lula. Sem um claro perfil de esquerda, mas com compromissos: aumentar salários, gerar empregos, criar e fortalecer ministérios voltados a pautas que os cínicos chamam de “cultura woke” (meio ambiente, mulheres, LGBTQIA+, povos indígenas, população negra etc.), reconstruir programas sociais desmontados por Bolsonaro e com a emblemática promessa de “colocar o pobre no orçamento e o rico no imposto”. E, incrivelmente, Lula tem conseguido, pouco a pouco, implementar essa agenda, mesmo em condições tão desfavoráveis.

A resistência bolsonarista no Congresso sabota o que pode, mas a prisão iminente de Bolsonaro é uma ameaça real no horizonte, que limita a atuação da extrema direita e prejudica os interesses das oligarquias locais e globais.

É exatamente aí que reside o peso dos argumentos de Trump para justificar tarifas contra o Brasil.
É mais do que o Le Monde disse. É mais que uma guerra a Lula.
É um confronto entre visões de mundo radicalmente opostas.

Internamente, o governo Lula trava uma batalha no Congresso para taxar grandes fortunas, reduzir impostos dos mais pobres e diminuir as imensas desigualdades do país.

Regionalmente, Lula comanda o Mercosul, influenciando presidentes de Chile, Bolívia, Paraguai, Uruguai e Colômbia com sua visão social.

Mundialmente, é fundador e representante do Brasil nos BRICS, ao lado de Rússia, Índia, China e África do Sul. O bloco cresce e já conta com 6 países associados, somando mais de 40% do PIB mundial — ultrapassando o G7.

O bloco tem um banco próprio, o NDB (Novo Banco de Desenvolvimento), cuja presidenta é ninguém menos que Dilma Rousseff. O banco anunciou, na cúpula de 6 e 7 de julho no Rio, que financiará projetos com moedas locais — ou seja, sem depender do dólar.

Não cabe aqui analisar tudo que aconteceu no encontro dos BRICS, mas é evidente que o bloco é um ator importante na construção de um mundo multipolar — algo que Lula representa.

Assim, para o Brasil: tarifas de 50%. Para quem apoiar os BRICS: tarifas de 10%.

Mas o Canadá acaba de ser taxado em 35%, a União Europeia e o México receberam, no sábado 12 de julho, tarifas de 30% — e assim seguirá o bilionário Donald Trump em seu bombardeio tarifário ilegal e injusto.

Mas talvez, de alguma forma, isso revele que um certo modelo de governança global já não se sustenta mais.

E assim Trump seguirá… até que ele — ou todos nós — percebamos que ir contra a evolução das coisas (e das pessoas) é ir contra si mesmo.