Ontem à noite, com a vigésima edição da cerimônia Memória Conjunta Palestina e Israelense, tivemos uma linda prévia — atendida por um grande público — de como será a iminente Cúpula dos Povos pela Paz. A cerimônia foi organizada como sempre pelo Combatants for Peace, em colaboração com o Fórum das Famílias: Círculo dos Pais (Parents Circle). Este ano, o evento, transmitido em tempo real, foi realizado num teatro em Jaffa, conectado com uma praça em Beit Jala e com outras 160 estações, espalhadas entre Israel, a Cisjordânia, os Estados Unidos e várias cidades da Europa. Uma resposta sem precedentes.

A data é importante pois coincidiu, como em todas as outras edições, com o dia do Yom Hazikarom, data em que Israel relembra os seus mortos, desde a fundação do Estado. Além disso, este ano, quase coincidindo com o início da cerimônia Memória Conjunta, as sirenes ressoaram por todo Israel: toda a nação parou e todos (realmente todos) deixaram o que estavam fazendo para ficarem parados por um minuto. Esse momento inaugurou a comemoração mais solene do ano (ainda mais solene do que o Dia da Memória): Yom Ha Shoah. Na verdade, de 1948 até hoje, foram dezenas de milhares de mortos e feridos na terra de Israel, valor quantificado com meticulosa precisão e publicado há alguns dias em um artigo no Jerusalém Post, que você pode ler aqui. Essa comemoração, como em todos os anos, continuou mais solenemente do que nunca no dia seguinte, com procissões aos vários cemitérios militares, bandeiras com faixas negras e manifestações de condolências unânimes. Amanhã tudo culminará com o Dia da Independência, uma época do ano particularmente carregada de valores militares.

Imaginemos, então, como deve ter sido para uma organização como Combatants for Peace decidir inaugurar há vinte anos seu projeto de ativismo conjunto pela paz entre ex‑soldados israelenses e ex-prisioneiros/militantes palestinos, coincidindo justamente com essa data: desafiar deliberadamente aquela narrativa unilateral de dor que sempre fora a marca do Yom Hazikaron, chegando a ponto de propor solidariedade ou, pelo menos, refletir sobre a dor da frente inimiga, não menos afetada pela mesma espiral de violência.

A primeira edição contou com apenas alguns deles, é o que um dos fundadores, Sulaiman Khatib, muitas vezes gosta de lembrar. As controvérsias e até os protestos nunca faltaram, pois essa cerimônia conjunta ganhou apoio e conseguiu reunir quinze mil pessoas num parque bem central de Tel Aviv, na edição anterior à de 7 de outubro [2023], muito perturbada pelos opositores.

A situação particularmente tensa deste ano, assim como no ano passado, forçou novamente os organizadores a escolher um espaço fechado, num teatro em Jaffa, e a receber apenas pessoas convidadas; entretanto, o evento também foi acessível por streaming, com registros individuais ou como “locais de acolhimento”. Ainda não sabemos quantas visualizações houve no total, mas houve 160 audiências além da de Jaffa: vinte locais em Israel, graças à colaboração da Standing Together, organização “irmã”; vários também na Cisjordânia; a maioria foi de vários templos da diáspora judaico-palestina espalhados por todo o Canadá, EUA, Europa, com nove locais na Alemanha, e depois na França, Espanha, Bélgica, onde a exibição foi até organizada no Parlamento Europeu! Na Itália, não podemos deixar de mencionar a bela conexão virtual organizada pela Ilaria Olimpico juntamente com Uri Noy Meir para a Imagination, e a pequena cidade de Chiavenna, em Valtellina, que tem uma forte tradição de pacifismo.

Este ano o tema foi “Escolher a humanidade, escolher a esperança”, e o palco alternou os testemunhos do palestino Sayel Jabarin, de Beit Jala, seguido pelo do jovem israelense Liel Fishbein, que sobreviveu ao massacre no Kibutz Be’eri, em que perdeu sua amada irmã… e depois o do palestino Mousa Hetawi (por mensagem de vídeo, devido à proibição de sua entrada em Israel), que perdeu 28 membros da sua família no último ano [2024] de guerra em Gaza. Mais uma vez, escutamos a comovente história da israelense Liat Atzili, uma das primeiras reféns a ser libertada, que assim que saiu soube da morte de seu marido e suas filhas e, finalmente, a contribuição de uma ativista palestina, que preferiu permanecer anônima, lida por seu companheiro Amani Hamdan, um impressionante rosário de perdas, dor, destruição, escombros, amputações — iluminada, no entanto, pela “esperança de que algo possa sempre renascer, mesmo dos escombros…”. As anfitriãs da noite — como sempre, em árabe e hebraico, com legendas em ambas as línguas, assim como em inglês — foram Fida Shehadeh e Shira Geffen, ambas bem conhecidas no mundo do ativismo israelense-palestino: a primeira está envolvida no movimento “Grupo Hutwa”, que se opõe à expropriação e demolição de casas, algo cada vez mais frequente também em Israel; a segunda é uma atriz e escritora declaradamente pacifista.

Não faltaram tentativas de boicote este ano, algumas delas bastante violentas. A esse respeito, aqui está a declaração divulgada à noite pela coalizão É agora, que organiza a Cúpula dos Povos pela Paz este 8 e 9 de maio: “Esta noite, várias ações perturbadoras da ordem tentaram impedir a realização da Cerimônia Memória Conjunta, organizada como todos os anos pelo Combatentes pela Paz juntamente com o Fórum Círculo dos Pais, ambas organizações que sempre se comprometeram com o fim da guerra, o regresso a casa de todos os reféns e uma paz duradoura baseada na justiça real para todos. Todos nós que aderimos a este ´campo de paz´ já não podemos tolerar essas intimidações. Convidamos todos a participarem no maior evento de paz já organizado no Oriente Médio: a Cúpula dos Povos pela Paz, nos dias 8 e 9 de maio em Jerusalém. Junte sua voz à nossa, para que nosso apelo à paz se torne um coro e, de uma vez por todas, impossível de silenciar.”


Tradução do inglês por Graça Pinheiro