Este artigo faz parte da série “5o anos depois: VIVA a REVOLUÇÃO DOS CRAVOS!” que a PRESSENZA está a publicar desde meados de Março 2024.
“Revolução dos Cravos” 1974-75 trouxe aos portugueses a liberdade após 48 anos de fascismo, e às colónias portuguesas de África a independência após 500 anos de domínio imperial. E, não por último, foi também uma experiência única de socialismo de base.

Aqui podem ser lidos todos os artigos desta série publicados até hoje!


Perguntas feitas a vários dirigentes e colaboradores estudantis portugueses (dos anos 196x-7x) sobre a “Revolução dos Cravos” 1974-75. Esses dirigentes têm em comum o haverem trabalhado para a Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico (AEIST) em Lisboa, e o haverem combatido o fascismo em Portugal nos últimos anos.

  1. O teu nome, idade, profissão principal?
  2. Onde te encontravas no dia 25 de Abril 1974?
  3. O que representou para ti a Revolução dos Cravos?
  4. Da Revolução dos Cravos, que sonhos foram realizados e quais ficaram por realizar?

 

R E S P O S T A S


  1. Maria Leonor Castro, 70 anos, engenheira reformada.
  2. No Largo do Carmo, Lisboa.
  3. Os meus filhos serão livres.
  4. Realizou-se a democracia e um desenvolvimento económico e social extraordinário. Quem hoje “papagueia” que somos um país na cauda da Europa, não sabe em geral do que está a falar. Quem viveu em Portugal antes do 25 de Abril, sabe verdadeiramente o que é que é um país na cauda da Europa. Basta aceder aos arquivos fotográficos, por exemplo.
    Quem viu a manifestação do dia 1 de Maio de 1974, e a alegria e a criatividade que a acompanharam, quem viu, como disse e pintou Maria Helena Vieira da Silva “A Poesia na Rua”, sabe e sente que as pessoas acreditavam que este país finalmente seria seu. Isso não se cumpriu: Portugal não é hoje um país de todos e para todos.

  1. Lusitano dos Santos, 84 anos, Professor jubilado da Universidade de Coimbra.
  2. Na Universidade do Porto, a participar num encontro sobre “Planeamento em áreas de povoamento disperso”. No final do encontro tinha previsto, com um amigo ‘antifascista na clandestinidade’, transportá-lo à fronteira de Quintanilha para fugir para a França. Decidiu permanecer em Portugal, pelo que regressei a Lisboa, ao LNEC, onde então trabalhava.
  3. Uma surpresa agradável e aguardada, pois desde a campanha eleitoral do Humberto Delgado (que me ‘abriu os olhos’), passei a ‘militar’ ativamente na oposição ao regime. Acabada a licenciatura em engenharia civil, continuei com o trabalho político no local de trabalho (LNEC), nas coletividades recreativas do Lumiar e da Ameixoeira e no Centro Republicano José Estevão, localizado na Alameda das Linhas de Torres em Lisboa. Não fui preso, mas outros foram, por exemplo o Mário Sottomayor Cardia, por ter sido apanhado a distribuir comunicados na dita Alameda. Agradável ainda mais por ter verificado que dois colegas de curso, militares, integravam a Comissão Coordenadora do MFA (Pereira Pinto e Pinto Soares): abençoadas as discussões sobre política que tivemos nos intervalos das aulas e nas reuniões na Cantina do IST, que era então gerida pelos estudantes. Os colegas da Academia Militar eram, naturalmente, bastante ‘conservadores’.
  4. A conquista da liberdade que todos os oposicionistas ambicionavam. Sonhos por realizar sintetizo em ‘não construção de uma sociedade fraterna e feliz’ que todos, antes das divisões resultantes da criação dos partidos políticos, ambicionávamos. Outros apectos respeitantes aos sonhos não realizados, ressalto a ‘aceitação sem discussão nem votação, da entrada na Comunidade Europeia’ e, mais tarde, a ‘aceitação, também sem discussão, do neoliberalismo e da ditadura de Bruxelas’. Considero, finalmente, que ‘os caminhos trilhados não nos conduziram nem conduzem para a fraternidade e felicidade plenas’ e que ‘a Democracia falhou’.

  1. José Augusto Guimarães Morais, 81 anos, Professor Emérito (jubilado) da Faculdade de Farmácia, Universidade de Lisboa.
  2. Em casa, em Lisboa. Fui avisado por um amigo para ouvir a rádio cedo na manhã do dia 25.
  3. Apetece sempre citar o poema da Sofia de Mello Breyner. Foi de facto o acordar não de um sono, mas de um pesadelo que nos impedia de viver. As novas gerações não conseguem imaginar o que foi esse terror de viver numa opressão que afetava o mais ínfimo gesto do dia-a-dia, desde a política, cultura, etc. até às relações interpessoais.
  4. Tinha um sonho principal: liberdade e esse, de certo modo foi cumprido. Os outros: igualdade fraternidade ficaram pelo caminho do socialismo inexistente e do neoliberalismo desenfreado. E não sabemos se vamos ficar por aqui.

  1. Fernando de Almeida Sousa Marques, 78 anos, engenheiro, agora professor de matemáticas.
  2. Refugiado, em casas de amigos. Mais tarde vim a saber que no dia 24 de Abril tinham andado à minha procura para ser preso pela segunda vez.
  3. Um livro de terror e pesadelo a fechar! Uma janela aberta para a vida!
  4. Realizados: A queda de um regime que amordaçou Portugal durante quase 50 anos; A possibilidade de votar e participar na vida do país; Uma Constituição que nos honra: Um Serviço Nacional de Saúde; Um sistema de educação que se abriu a todos e ao conhecimento.
    Não realizados: Julgamento dos crimes cometidos durante o regime derrubado, sem vinganças e com justiça; Uma economia mais forte e mais justa; Uma justiça única para todos.
    MUITOS SONHOS FICARAM PELO CAMINHO. ATROPELADOS PELA GANÂNCIA DE PODERES E DE PESSOAS, PELA IGNORÂNCIA DE MUITOS E OS SILÊNCIOS COMPROMETIDOS.
    MAS O BALANÇO É POSITIVO! HÁ QUE MELHORAR O SISTEMA DEMOCRÁTICO E REDUZIR AS DESIGUALDADES!

  1. António Armando da Costa, 75 anos, Professor Universitário Aposentado, Astrofísico.
  2. Estava a estudar Astrofísica das Altas Energias das estrelas de neutrões (pulsares), no Departamento de Astronomia da Faculdade de Ciências da Victoria University de Manchester, Inglaterra, como Bolseiro do Instituto de Alta Cultura de Portugal desde 22 de Setembro de 1972, para obter o grau de Doutor (PhD); e, até à Revolução, impossibilitado de vir a Portugal, pois vindo, teria um “Encontro Imediato do Terceiro Grau” com a PIDE.
    Desde o 16 de Março de 1974 que pensava que o Fascismo tinha os dias contados. Eu fora colaborador do Movimento Associativo Estudantil na Associação dos Estudantes do Instituto Superior Técnico (AEIST) desde Novembro de 1967 até 1971, e depois juntara-me à Oposição de Assistentes (antifascistas) do Técnico, e seguia cuidadosamente os acontecimentos em Portugal. Por isso às 10:55 horas do dia 25 de Abril, quando entrei no Departamento para trabalhar, fui confrontado pelo pessoal de apoio que me puseram a par de que havia uma sublevação em Lisboa. Fomos ouvir a BBC, e era claro que era uma ação militar libertadora.
    Nesse dia não fui capaz de trabalhar, e declarei feriado.
  3. Para mim, e tal como afirmou Sophia, “foi a madrugada que eu esperava, e que tardava a materializar-se, o dia inicial inteiro e limpo, onde emergimos da noite e do silêncio, e livres habitámos a substância do tempo”.
    A revolução de Abril representou o fim dum regime político fascista e colonial, retrógrado e anacrónico, que tinha de ser destruído para permitir a auto-afirmação democrática da Sociedade Portuguesa e da programação do seu Desenvolvimento, fazendo nascer o estado social e praticando a justiça social, criando estruturas de ligação às populações, de que é exemplo o Serviço Nacional de Saúde (SNS); e criar uma nova relação com o Mundo, pondo fim à Guerra Colonial Imperial contra os povos do Império, e permitindo a sua autodeterminação e Independência.
    Para participar na sua realização, corri alguns riscos que poderiam ter-me transtornado a vida. Mas depois, sentimos que tudo “valeu a pena, por a alma não ser pequena” pois, como também afirmou Fernando Pessoa, “Quem quiser passar além do Bojador, tem de passar além da dor”.
  4. A espinha dorsal da Revolução realizou-se, embora com algumas deficiências. As massas populares organizaram-se adequadamente para a defesa dos seus interesses próprios, instaurando a liberdade sindical e o direito de contratação e negociação coletivas, e o direito à greve; programou-se uma organização do Estado que instaurou liberdades democráticas fundamentais e direitos básicos dos cidadãos, com especial incidência no capítulo dos direitos políticos finalmente atribuídos às mulheres, idênticos aos dos homens; Portugal abriu-se ao Mundo, pondo fim à Guerra Colonial, e desenvolvendo a fraternidade com os Povos irmãos; escreveu-se e aprovou-se uma Constituição da República a 2 de Abril de 1976, que formalizou uma democracia política, social, cultural e económica, com subordinação do poder económico ao poder político, e que abriu as mais amplas possibilidades de desenvolvimento social e cooperação internacional com outros povos.
    Apesar dos direitos cívicos constitucionalmente protegidos e da separação dos poderes, as realizações revolucionárias deixaram-se ultrapassar por uma orientação de Direita subordinada aos interesses imperialistas externos, que se sobrepôs às necessidades que a Revolução entendeu serem necessárias para o aumento da qualidade de vida do Povo, e que impede que todo o potencial de Abril se realize.
    Volvidos 50 anos, muito do que se conquistou em Abril manteve-se por via duma intensa luta de classes que nunca parou, mas houve alguns retrocessos. Assim, falta o reconhecimento e a ultrapassagem da situação de fragilidade negocial dos trabalhadores face ao patronato, protegendo a negociação coletiva na Legislação do Trabalho; faltam políticas que considerem que trabalho permanente necessita de posições laborais permanentes, combatendo a precariedade laboral e os baixos salários e baixas pensões, que favorecem financeiramente o grande capital; faltam decisões que permitam que as Mulheres, em igualdade de funções laborais com os homens, tenham os mesmos níveis salariais.
    Noutra frente falta o desenvolvimento do Poder Judicial, com a criação dum Serviço Nacional de Justiça (SNJ), paralelo do Serviço Nacional de Saúde (SNJ); a Democracia é fundamentalmente representativa, e há que aprofundar a Democracia participativa que teve grandes desenvolvimentos, numa relação dialética desta com aquela; há que garantir e aprofundar a subordinação dialética do Poder Económico ao Poder Politico; há que garantir a regionalização do País com a aplicação do Princípio da Subsidiariedade, com as Regiões com efetiva autonomia administrativa e efetiva responsabilização pelo seu futuro, e uma eficaz relação dialética negociada do Poder Regional com o Poder Central.
    Estas algumas necessidades que urge satisfazer com urgência.

  1. Fernando Nunes da Silva, professor universitário.
  2. Em Lisboa, a andar pelos vários palcos da revolução.
  3. Um dia inesquecível que acabou com quase 50 anos de ditadura e que nos trouxe a liberdade e a esperança de construirmos uma sociedade mais justa e solidária. A possibilidade de voltar a encontrar amigos exilados ou que estavam presos pela PIDE.
  4. Olhando para trás e para o que se sonhou nos longos meses que se seguiram ao 25 de Abril, o que mais destaco como aspetos positivos foi a enorme explosão de participação cidadã e a criatividade que as comissões de moradores e de trabalhadores (de todos os sectores de atividade) deram mostras. Por momentos, acreditou-se que era mesmo possível desenvolver um tipo de sociedade que se libertasse dos estereótipos do capitalismo e do designado “socialismo real” dos países de Leste. A institucionalização da democracia, a construção de um Estado Social e a democratização e universalização do acesso à saúde, educação e assistência social, para além do caminho que se percorreu na igualdade de género e no respeito pela diferença, foram conquistas que se tornaram marcos da nossa sociedade.
    O que ficou por realizar foi, essencialmente, um projeto de desenvolvimento do país que melhorasse efetivamente as condições de vida da maioria da população, garantir o acesso a um emprego e a uma habitação condigna, assim como um funcionamento da democracia que soubesse articular os modelos de representação da vontade da população com uma mais efetiva e eficaz participação das pessoas na definição do seu futuro, condições de vida e gestão da coisa pública.