MÚSICA

Por Renan Simões

 

A série Discografias aborda a obra de alguns artistas que cruzaram minhas apreciações musicais, muitos dos quais com pouquíssimas publicações a seu respeito. O primeiro artista da série é João Pimenta, músico capixaba que foi colega de trabalho do meu pai e de quem conheço dois álbuns desde a mais tenra infância. O próprio Pimenta tem elaborado textos sobre sua produção fonográfica.

Texto de João Pimenta (com adaptação final de Renan Simões):

Tive oportunidade de conhecer o grande compositor Pedro Caetano, que nasceu em São Paulo e casou-se com uma capixaba. Como todos sabem, o Pedro Caetano fez inúmeras músicas para vários municípios do Espírito Santo, como a valsa Guarapari e Cidade Sol, dentre outras. Ele foi o paulista mais capixaba que conheci e referência nas minhas composições. Meus pais eram mineiros e eu também vivi lá, onde se presencia um bairrismo saudável; assimilei isto, que sempre admirei, e passei a defender a cultura local capixaba, pois um povo que não respeita sua cultura está fadado a desaparecer.

Como já mencionei, todas as minhas produções foram independentes; a única vez que fiz um contrato com uma gravadora foi quando Sr. Bira e o Cariê, ambos da TV Gazeta, convenceram a Som Livre a fazer um LP com músicas de capixabas, ao qual deram o nome de ES-Porta Som, e para o qual foi escolhida a minha Canção brasileira junto a músicas de vários outros nomes da música capixaba, como Woops, Lula d’Vitória, Afonso Abreu, Guto Neves, Pó de Anjo, Reza Forte, etc.

Quando idealizei o CD, achei sensato, por ser uma mídia digital super moderna para a época, incluir músicas que eu já havia gravado para deixar registrado. Lancei mão novamente da venda antecipada de discos, mas para este projeto contei com um pequeno auxilio da Lei de Incentivo à Cultura da Prefeitura de Vitória (ES), intitulada Rubem Braga. Muitos amigos me apoiaram, outros acharam que seria um projeto muito ousado e que eu não conseguiria. Entretanto, encarei o desafio e parti confiante de que daria certo; afinal de contas, fui projetista a minha vida toda e planejava projetos que só tomariam vida no futuro.

Pra se ter uma ideia do impacto do lançamento, o jornalista Luiz Tadeu Teixeira (Gazeta/ES) soltou uma matéria em 15/11/1992 com o título João Pimenta coloca a música capixaba na era digital. Além disso, criei uma microempresa (Pimenta Produções Artísticas Ltda.) para tentar um novo empreendimento.

A música Moqueca foi uma parceria com Carlos Papel que, apesar de carioca, achou sua veia musical no Espírito Santo. Nós já havíamos feito um esboço da canção, mas achei melhor darmos continuidade na casa dele, em Jardim da Penha (Vitória). Minha esposa e eu compramos um badejo na peixaria do bairro Itapoã (Vila Velha/ES) e fomos para sua casa; isto ocorreu em 1990. Enquanto as mulheres faziam a moqueca no fogão, eu e o Papel fazíamos a Moqueca ao violão, assistindo a uma corrida de Fórmula 1.

Trem da cor foi uma parceria com Carlão Ferruth, antigo parceiro da música, e teve a participação super especial do grande amigo Sérgio Souto, que foi quem me apresentou o maestro João Carlos Coutinho – que tocava com Leny Andrade e Maria Bethânia no estúdio do Jaime Alem, este também violonista de Maria Bethânia. Desalento foi uma das primeiras músicas que compus. Foi incluída por iniciativa dos amigos da Telest, que gostavam muita desta canção, e que acabou virando um xote. Retrato do tempo é uma das minhas músicas que mais gosto.

Rua da alegria é um samba que até hoje gosto muito; o João Carlos Coutinho arrasou no arranjo desta música. Em Segredo, eu fiz um dueto de violão com Marcos Arcanjo, guitarrista/violonista sensacional – que fez o arranjo de Saigon para Emílio Santiago. Versos de algibeira foi outra parceria com o amigo Carlos Papel. João Carlos Coutinho optou por gravá-la só com acompanhamento de piano e cordas. Tempos em tempos é um blues composto pelo grande amigo Beto Neves, de quem sempre admirei o trabalho; como ele nunca tinha gravado essa música, decidi incluí-la no meu CD para valorizar o seu trabalho. Lamento latino é em compasso composto, e Oportunidade, uma valsa com letra de Afonso Baldi, um amigo também da Telest que me incentivou muito, e que já está no plano espiritual. Por fim, as músicas restantes já haviam sido lançadas nos compactos e/ou no LP.

Infelizmente o Teatro Carlos Gomes estava fechado para reforma em 1992, e precisei escolher outro local para o lançamento do CD, que veio a acontecer em um bar na Praia do Canto (Vitória). Não foi como imaginei, pois sempre adorei fazer meus lançamentos no TCG por ter uma iluminação boa e uma acústica ótima. O lançamento do CD Moqueca teve um impacto significativo, marcante. Depois dele houve poucos lançamentos em vinil no Espirito Santo, havendo um upgrade nas produções fonográficas do estado para o novo formato.

Em tempo: a música Moqueca foi gravada em CD pela Banda da Policia Militar do ES, um dos grandes grupos musicais do estado, com arranjo do maestro Wanderley Rocha, numa coletânea que inclui várias músicas de artistas capixabas. Foi gravada também pelo grande pianista Pedro de Alcântara no CD/DVD Alma capixaba, e ainda fez parte de um DVD da Rede Globo para o programa Globo Rural, numa reportagem intitulada Os segredos da Moqueca Capixaba. Em 1986/1987, no Teatro Carlos Gomes, Nas asas de um colibri, incluída também no CD Moqueca, foi interpretada pela Orquestra Sinfônica do Espirito Santo, com arranjo do Maestro Leonardo Bruno. A princípio, a gravação seria realizada pela Orquestra como o Coral da UFES, mas de última hora o coral desistiu e o maestro Leonardo Bruno me chamou para cantar.