A população palestiniana sabe há quase um século o que o Estado de Israel quer fazer com ela: negar os seus direitos, expulsá-la das suas terras e tratá-la como uma preocupação de segurança e não como um povo. O Estado israelita tem desfrutado do total apoio das elites ocidentais, que ajudaram a construir dois mitos: o de que a resistência palestina é “terrorista”, e o de que a ocupação israelita é uma “democracia”.

Os líderes de Israel facilitaram a vida aos seus apoiantes ocidentais, encobrindo os seus crimes numa linguagem formal que evitava dizer o que de facto estava acontecendo. Se olharmos para o que Israel estava fazendo, veríamos que a anexação era o objetivo, e o apartheid e a limpeza étnica o método. Mas as negações retóricas prevaleceram. Israel insistiu que não estava a fazer o que claramente fazia. E, no Ocidente, os sussurros do colonizador soam mais alto do que os gritos angustiados dos colonizados.

A atual campanha genocida contra o povo palestiniano em Gaza anulou para as elites ocidentais a desculpa de que Israel não dizia o que estava acontecendo de verdade. Os mais altos funcionários de Israel — o Presidente, o Primeiro-Ministro, o Ministro da Defesa, o Ministro das Finanças, o Ministro da Segurança Nacional, etc.— têm falado alto e em bom som com uma intenção genocida clara, aberta e desavergonhada. Os sussurros do colonizador transformaram-se em verdadeiros gritos.

Na sexta-feira passada, a juíza Joan Donoghue, ao ler a decisão provisória do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) na sua qualidade de Presidenta do Tribunal, citou algumas destas palavras genocidas. Certamente a sua voz, vinda da boca de uma antiga funcionária do Departamento de Estado (Ministério dos Negócios Estrangeiros) dos EUA, seria ouvida tanto pelo punhado de estados ocidentais que apoiam Israel como também pelo próprio Estado de Israel? Certamente eles alterariam as suas ações para melhor mascararem a sua cumplicidade e culpa?

Mas claro que não. De facto, aconteceu exatamente o oposto.

No domingo, apenas dois dias após a decisão do TIJ, 12 ministros do governo israelita participaram de uma conferência sobre a colonização de Gaza. Ou, dito de outra maneira, de uma conferência que visava explicitamente a limpeza étnica dos palestinianos a viver em Gaza. Os delegados discutiram sobre como forçar os palestinianos a deixarem permanentemente a Faixa de Gaza, para depois poderem ser substituidos por colonos israelitas. Os ministros do governo fizeram discursos e dançaram com os seus colegas fascistas. Eles estão, portanto, dizendo o que nunca foi dito, e agora bem em alto e em muito bom som.

No dia anterior, apenas um dia a seguir à decisão do TIJ, em que o mundo ouviu falar do terrível desastre humanitário em Gaza, com praticamente toda a população deslocada e dependente de ajuda humanitária para evitar a fome e a morte, os EUA, a Alemanha e o Reino Unido retiraram o seu financiamento à UNRWA, a agência da ONU que fornece ajuda à população palestiniana.

Israel e os EUA empenharam-se numa estratégia de comunicação clássica—e eficaz—de mudar de assunto sempre que as notícias do momento os colocam a uma luz desfavorável. O mais alto tribunal do mundo, que confirmou a existência do povo palestiniano e a plausibilidade de Israel estar cometendo um genocídio contra ele, não era o tipo de notícias a que os EUA e Israel queriam ficar associados.

E, assim, os EUA apoiaram a mentira de longa data de Israel contra a UNRWA, expressa pelo seu embaixador na ONU durante este conflito, de que a dita agência da ONU é efetivamente uma frente de batalha ligada ao Hamas. Esta posição absurda, é uma linha argumentativa de longa data usada por Israel: tudo do que Israel não gosta e tudo o que Israel bombardeia, é “Khamas” (uma perversa associação de palavras com “Hamas”: “Khamas” poderia ser traduzido do hebraico como “violência”)

Mas os EUA, o Reino Unido, a Alemanha e outros países que participaram na estratégia de ataque à UNRWA para “fazer avançar a história”, não estão apenas fazendo girar a roda da história a favor de Israel. Esses países estão participando ativamente na punição coletiva do povo de Gaza. Os EUA e o Reino Unido passaram de simples cúmplices a culpados absolutos da campanha genocida de Israel.

O TIJ pode ter falado em nome do mundo quando afirmou a plausibilidade do genocídio de Israel contra o povo palestiniano. Mas falar a verdade, não pode por si só desmantelar a máquina de guerra israelita e a política imperial dos EUA na Ásia Ocidental. Não existem atalhos para a descolonização.

Na verdade, o facto de a audiência do TIJ ter ocorrido já é uma prova de que o equilíbrio material de forças está mudando. Estão surgindo novos caminhos para os oprimidos enfrentarem os seus opressores e inverterem as narrativas do “terrorismo” e da “democracia”. Ao procurar afirmar a sua igualdade substantiva contra aqueles que os procuram apagar, a resistência dos oprimidos prossegue um ideal claramente democrático contra o implacável terror do colonizador.

É por isso que milhões de pessoas em todo o mundo manifestam uma solidariedade ativa com o povo palestiniano: para enfrentar poder com poder. Juntos, estamos jogando areia nas rodas da máquina de guerra genocida de Israel, estamos bloqueando bancos que financiam o genocídio, estamos a organizar-nos contra empresas de tecnologia que facilitam o genocídio, estamos interrompendo rotas comerciais que alimentam o genocídio, estamos marchando aos milhões contra o genocídio, e estamos unindo a grande maioria das nações do nosso planeta para afirmarmos juntos a nossa oposição ao genocídio e ao imperialismo.

Prá frente, prá frente… prá frente até à vitória!

Solidariamente,

O Secretariado da Internacional Progressista